Artista produz azulejos e preenche vazios de fachadas portuguesas
Joana de Abreu busca com o seu projeto, sobretudo, atentar para a preservação do patrimônio azulejar de Portugal
Quando pensamos em Portugal, é impossível não lembrar dos famosos azulejos que revestem tanto a fachada de prédios quanto os seus interiores. Inerentes à cultura e à arquitetura lusa, as peças de cerâmica conferem cor e vida às construções do país.
Mais do que elementos estéticos, que valorizam e qualificam edifícios, os azulejos são parte importante da história de Portugal e sua expressão artística. Além da luz, neles se refletem o repertório do imaginário português, a preferência pela descrição realista e a atração pelo intercâmbio cultural.
A inserção destas peças na cultura nacional começou há muito tempo – em 1498 –, quando o então monarca D. Manuel I desembarcou na Espanha, entrou em contato com os azulejos árabes e decidiu importá-los para a sua residência, no Palácio Nacional de Sintra.
A partir deste encantamento, as peças passaram a receber as mais diversas influências de culturas e estilos ao longo dos anos. A parte triste desta história é que, hoje, muitas das fachadas se encontram degradadas e incompletas devido à ação do tempo, falha na manutenção e até mesmo roubos.
Inquieta por estas questões e sensibilizada pela importância cultural dos azulejos, a artista portuguesa Joana de Abreu criou seu sensível projeto de intervenção pública: o Preencher Vazios.
O projeto
Durante a elaboração de sua tese de mestrado em Arte e Design para o Espaço Público na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, Joana fazia o percurso Faculdade – Estação de São Bento para lá apanhar o comboio.
Na viagem, sempre se deparava com um certo edifício que apresentava falhas em sua fachada – alguns azulejos faltavam. A artista encontrou no problema, assim, a ideia para complementar sua tese e criar um projeto de desconstrução de rotinas visuais, ao mesmo tempo em que despertaria o interesse nos transeuntes e os surpreenderia com algo que não estavam habituados a ver durante o percurso.
Português da cabeça aos pés
O projeto de Joana se retroalimenta da cultura lusitana: segue a história de Portugal, ressignifica prédios nacionais e homenageia poetas portugueses consagrados. Nos quadros de madeira, a artista imprime versos e trechos de livros que a marcaram de alguma forma.
“São frases que por algum motivo as guardei quando as li, porque me dizem alguma coisa, ou simplesmente para nos fazerem refletir. Frases que leio em livros, que encontro nas redes sociais, que me envio ou que ‘aparecem a minha frente’, seja em que circunstância for!”, comenta ela.
Com intervenções em 55 fachadas do Porto, 25 em Lisboa e 4 em Braga, a artista também ultrapassou as fronteiras do país. Hoje, o Preencher Vazios tem sua marca gravada também em cidades como Paris, Roma e Marrakech.
Sua sensibilidade, contudo, estende-se também aos fatores linguísticos. “Quando viajo, levo sempre um conjunto de azulejos com a frase em português e depois a tradução para a língua do país”, conta Joana.
Como sobrevive o projeto
Como uma verdadeira intervenção, os azulejos do Preencher Vazios burlam ordens. Tudo que é posto na cidade necessita de alguma autorização para conferir se cumpre as normas impostas – o que implicaria burocracia e tempo.
“Eu não quero arranjar a solução para o problema. Quero, sim, que as pessoas reparem nele, que lhe dêem a devida atenção e que façam alguma coisa para combater esta lacuna“, diz Joana.
Além da proposta de reflexão, a parte burocrática se ofusca pela efemeridade da intervenção. “Com o tempo, os azulejos vão desaparecendo devido a algumas mãozinhas curiosas – mas também é engraçado pensar em que casa estarão os azulejos, quem ficou com eles e o que lhes aconteceu”, conta a artista.
“Por isso, não peço nenhuma autorização. Chego à fachada, colo rapidamente e vou-me embora. Àquelas pessoas que ficam a olhar, curiosas, converso com elas e explico a minha intervenção e o meu trabalho”, completa.
Dado este tempo de vida – muitas vezes curto –, as intervenções sobrevivem bastante da fotografia registrada pelos admiradores. Segundo Joana, é assim que o projeto é lembrado.
Existe, porém, outra forma de ter para sempre o registro do Preencher Vazios. Joana vende produtos em algumas lojas, mercados e feiras, que vão desde azulejos personalizados a imãs, caderninhos, brincos e totebags. Para quem mora longe, também é possível encomendá-los e recebê-los em casa.
“A ideia principal do projeto é preencher os espaços vazios das fachadas das casas e edifícios das nossas cidades, especificamente Porto e Lisboa. Ele pretende chamar atenção para os pequenos detalhes que nos rodeiam diariamente e surpreender os transeuntes com algo que não estavam habituados a ver durante o seu percurso, atribuindo pequenas mensagens de poetas portugueses”, diz Joana.
“Muito mais que uma intervenção artística, o Preencher Vazios pretende chamar a atenção para a necessidade de preservar o patrimônio azulejar português, que tem sofrido uma perda progressiva de azulejos nos últimos anos”, diz.
Preenchendo vazios ao lado de Joana
No Porto, a artista trabalha sozinha. Mas, em Lisboa, Joana recebe ajuda de uma amiga que faz o levantamento fotográfico e medidas das fachadas para que possam receber a intervenção.
Nessas duas cidades, no entanto, é possível trabalhar ao lado de Joana e ajudar a intervir nas fachadas incompletas. Ela promove workshops nos meses sem chuva, em que é apresentada toda a história do Preencher Vazios e, posteriormente, iniciada a intervenção da cidade já pré-estabelecida.
“Também faço workshops com empresas, onde desenvolvemos um painel com uma frase que depois é colocado em uma parede”, diz a artista. “A ideia é envolver os colaboradores em uma atividade que lhes proporcione e estimule outras sensações no local de trabalho”.
Além dessas atividades, Joana também trabalha junto a escolas infantis e lares para idosos. Para entender o seu processo de criação e produção, não deixe de conferir o vídeo abaixo: