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Eduardo de Almeida: “Não existem espaços públicos adequados”

Arquiteto responsável pela Biblioteca Brasiliana, na USP, o paulistano Eduardo de Almeida tece considerações sobre o aumento do número de  edifícios altíssimos na cidade

Por Denise Gustavsen
Atualizado em 20 dez 2016, 19h43 - Publicado em 14 Maio 2013, 17h47

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O entusiasmo juvenil e o discurso a princípio saudosista mas absolutamente atual do arquiteto Eduardo de Almeida, 79 anos, não deixam dúvidas: sim, nós temos vanguarda, e ela é madura, equilibrada e sensível às questões humanas. Pudera, Eduardo nasceu (e cresceu) numa família ligada às artes. Filho de uma dona de casa de origem russa que tocava Schumann e Chopin ao piano e de um advogado que participou ativamente da Semana de Arte Moderna de 1922, ele desenvolveu um sentido ético e estético apurado. Da mãe herdou o gosto por livros e revistas de arquitetura, e por passeios no centro de São Paulo. Morava nos Campos Elísios e estudava no bairro da Liberdade. No trajeto a pé, entre sua casa e a escola, devorava com os olhos os elementos arquitetônicos dos prédios que surgiam pelo caminho. Impressionou-se, na época, com o edifício Prudência. Desenhado por Rino Levi (1901-1965), foi uma das primeiras manifestações da arquitetura moderna brasileira. Desse período de encantamento veio a escolha defnitiva da carreira. “Fui me envolvendo aos poucos e, de repente, a arquitetura se tornou algo fundamental na minha vida”, lembra. Mesmo antes do vestibular, já criava esboços de casas para clientes hipotéticos. Sobre folhas de papel preto, era capaz de passar horas imaginando soluções agradáveis com sua caneta de tinta nanquim branca. Em todas, a busca por projetos mais amistosos era uma constante. Logo depois, ao passar no vestibular da Universidade de São Paulo (USP), aos 21 anos, se viu num reduto de calorosos debates no fantástico palacete art nouveau da rua Maranhão, no bairro de Higienópolis. O Mackenzie ficava ao lado, o que promovia polêmicas acirradas entre os wrightianos, organicistas, e os corbusianos, racionalistas. Folclore ou não, Eduardo saiu de lá com fama de seguidor do americano Frank Lloyd Wright (1867-1959), um dos grandes personagens da arquitetura do século 20. A isso somava-se a vida cultural intensa, com muitos museus e cinemas na agenda, todos no centro da capital paulista. “Tínhamos uma relação intensa com a cidade”, lembra.

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Sem muito dinheiro no bolso, essa turma circulava de ônibus ou andava a pé e se dedicava inclusive a programas mais prosaicos, como sentar nos bancos da praça da República e admirar a paisagem. Ali, uma das diversões prediletas do arquiteto era se deliciar com picolés de abacaxi. As saudades desses momentos felizes o levam a lamentar uma certeza: “São Paulo era amigável naquela época, agora não é mais”. Hoje, ele tem pavor de sair do bairro onde vive e trabalha, na zona oeste, e circular por outras regiões. Prefere evitar a urbe caótica, dominada pelo trânsito frenético e barulhento e por problemas de grande complexidade. “A cidade está irreconhecível! Ela foi para um lado e a arquitetura para outro. Não existem espaços públicos adequados e tudo flui para gerar violência em todos os segmentos da sociedade.” Tem volta? Um sentimento de pessimismo se apodera de Eduardo e, olhos azuis mais cerrados do que de costume, confessa sua profunda descrença. “O problema está na falta de vontade política, não na arquitetura”, pondera. “Organizar espaços é a função básica dos arquitetos e urbanistas. Antes, porém, precisamos ter esses espaços em nossas mãos para organizá-los.”

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Homem de opinião e personalidade forte, o profissional sempre trilhou um caminho próprio. Foi um dos poucos de sua geração que se manteve indiferente ao ideário modernista da escola paulista, embora muitos de seus colegas famosos tenham sucumbido a ele na época. “Eu admirava Vilanova Artigas [1915-1985] e os outros, eram todos meus amigos, mas não concordava com certo predomínio da estrutura sobre outras questões arquitetônicas.” Com liberdade para criar, Eduardo preferiu fazer um trabalho mais cortês, com valorização dos elementos construtivos e repertório menos ortodoxo. Um dos primeiros profissionais a empregar estrutura metálica em residências, foco de sua produção, Eduardo pôde ampliar o leque de soluções de cada programa por meio de novas linguagens. Canteiros mais limpos graças aos elementos industrializados, se concentrou em desenhar casas discretas, dotadas de plantas que favorecessem o convívio familiar e integrassem a construção à paisagem do entorno e da metrópole. Todas permeadas pela claridade natural. Esse conceito foi transportado pelo arquiteto à concepção magnífica da Biblioteca Brasiliana, na USP, que ele assina ao lado do arquiteto Rodrigo Mindlin Loeb. “Só mudou a escala”, diz. “Não queria um lugar fechado, mas um espaço permeável e convidativo.”

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