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Cidade dos sonhos

Reflexão sobre a cidade ideal

Por Redação
Atualizado em 20 dez 2016, 18h18 - Publicado em 30 nov 2006, 21h25

Uns buscam a tranqüilidade dos condomínios fechados, outros amam a vida agitada dos centros. Viver em cidades grandes e médias do Brasil, raramente guiadas por bom planejamento, implica dificuldades e desafios para os quais cada um acha uma resposta. Acompanhe uma reflexão sobre o tema, que vai ajudá-lo a encontrar o melhor endereço para você

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Imagine a situação

Você procura um novo endereço e começa a listar o que deseja: uma bela vista e muito verde; segurança; proximidade do trabalho; escola nos arredores, assim como lojas, serviços; um clube ou uma área voltada ao lazer; espaços culturais; hospitais e clínicas; boa rede de transporte público. Até aqui, tudo de acordo? Com raras exceções, esses são os ingredientes fundamentais para qualquer pessoa viver bem num centro urbano. A situação é quase de unanimidade, considerando que mais de 80% da população brasileira é habitante de cidades (segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE). E é aí que aparecem as perguntas. Se tem tanta gente com as mesmas necessidades, há como todos viverem bem? E como encontram respostas tão diferentes na hora de decidir onde e de que modo morar?

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Distâncias incômodas

O ponto de partida para uma reflexão sobre o tema é entender a dinâmica entre esses vários fatores. “Em princípio, quanto mais perto de casa estiverem locais de compras, lazer, estudo e trabalho, maior a qualidade de vida de quem mora ali”, diz Thomaz Assumpção, presidente da Urban Systems Brasil, empresa de pesquisa de mercado, planejamento estratégico e análise da lógica urbana. Isso devido ao peso dos deslocamentos no dia-a-dia e à falta de infra-estrutura que amenize seus inconvenientes. “As cidades brasileiras – diferentemente das européias, centenárias – cresceram muito na segunda metade do século 20 e seguem o modelo americano de investimento na rede viária, automóveis e descentralização”, avalia o urbanista Nestor Goulart Reis Filho, professor aposentado da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU-USP). “Fazemos compras semanais, nunca diárias, e raramente caminhamos até a loja perto de casa”, ilustra. “Tóquio, por exemplo, é mais densa e populosa que São Paulo, mas muito melhor de viver”, diz o arquiteto mineiro Carlos Teixeira. “Ela conta com uma grande infra-estrutura”, completa.

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Cidade ideal O ponto de vista compartilhado por arquitetos e urbanistas é que um espaço saudável não deve conter atividades apenas de um tipo, mas ser variado. (Lembrando que a regra não precisa se cumprir necessariamente num mesmo bairro, mas em áreas mais abrangentes.) “O lugar perfeito para morar teria 70% de residências, 10% de comércio e 20% de outros itens “, afirma Thomaz, calculando a fórmula que mais representaria um bairro na medida para a habitação. Quando a equação fica muito distante desses valores, o resultado é um lugar ruim de morar. Um exemplo é o caso do bairro paulistano da Mooca. Abarrotado de lançamentos residenciais, obriga diariamente 52% de seus moradores a trabalhar em outros locais.

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A mesma ferramenta numérica também ajuda a entender a degradação das áreas centrais – onde a conta é outra, pois, naturalmente, predominam serviços e comércio. Esvaziadas de moradias, acabam tomadas por atividades informais diurnas e noturnas. “Esse fenômeno já ocorre mesmo nas cidades médias , onde os centros vêm se esvaziando”, afirma a arquiteta e urbanista Angélica Benatti Alvim, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo. E explica: “É natural a balança pender para um dos pontos do tripé comércio, serviços ou moradia; mas não pode ficar muito desequilibrada, ou o local onde isso ocorre deixa de ser sustentável”, avalia.

Diante de uma cidade com ambientes e condições diferenciados de habitação, cada cidadão trata de privilegiar algum dos fatores da equação para viabilizar uma casa à sua maneira. Deslocamentos maiores com segurança garantida? Condomínio fechado. “Nessa hora, as classes mais abastadas recorrem aos condomínios, afastados do centro – numa espécie de segregação social pelo espaço”, diz Angélica. Preço menor, pouco verde mas muita infra-estrutura? A saída é o centro. Entre outras tantas soluções, claro. “O ideal todo mundo conhece. Mas cada pessoa ou família estabelece uma lógica própria entre esses vários itens, pesando o possível e o desejável”, argumenta Thomaz.

Forças opostas Para dificultar a decisão sobre onde morar, há uma delicada relação de forças entre o poder público e o mercado. “Em geral, o mercado empurra as pessoas para empreendimentos nas bordas da cidade, onde os terrenos são mais baratos”, diz a arquiteta Andrea Tourinho, do Conselho Regional do Patrimônio do Estado de São Paulo (Conpresp). E sua ação é mais rápida e organizada do que a capacidade de gestão do poder público, que tenta disciplinar o crescimento dos municípios, prover transporte, saneamento, luz etc. Felizmente, há empresas do ramo atentas às brechas dessa lógica. É o caso da construtora Lindenberg, que reformou e adaptou um velho hotel do centro de São Paulo para abrigar um residencial para aposentados. “Com preço baixo e boas condições de financiamento, vendemos 60 unidades em 30 dias”, diz o diretor Adolpho Lindenberg Filho. No outro extremo (o alto padrão), a paulista Rem programou um empreendimento sustentável, com a chancela de uma parceira do Greenpeace no Brasil.

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Aposta na diversidade Nessa análise há também que se considerar o espírito do tempo, o clima dos dias atuais. “Há uma tendência à interiorização, ao isolamento e à individualização”, avalia o arquiteto paulista Jorge Königsberger. Preocupações com segurança, bem-estar e trato pessoal, outros lemas do momento, também entram no rol – captados e processados nas ofertas de imóveis – na forma de home theaters, spas, salas de ginástica, espaços gourmet. “Os clubes de esporte desapareceram, foram incorporados aos prédios”, lembra Carlos Teixeira. No âmbito urbano, o fenômeno se traduz na preferência por condomínios fechados e edifícios, em detrimento da socialização nos espaços públicos – quem não sente que a cidade hoje é menos um lugar para desfrute, e sim um obstáculo a transpor entre as tarefas diárias? “É na cidade que estão as virtudes da vida contemporânea, água encanada, escola, hospitais etc. A mais sedutora delas é a convivência, a possibilidade de conversa”, preconiza o arquiteto capixaba Paulo Mendes da Rocha, referência internacional no assunto. Opinião compartilhada pelo arquiteto Marcelo Tramontano, integrante do grupo Nomads, que pesquisa arquitetura e interatividade: “Sempre penso no exemplo saudável da avenida Paulista, em São Paulo, onde habita gente rica e de classe média, circulam pobres, prostitutas, judeus e gays”. Afinal, não é exatamente por isso que as pessoas, desde sempre, apreciam viver reunidas?

Acerte no endereço 1. Segurança e verde

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2. Trabalho

3. Educação e escola

4. Compras e serviços

5. Lazer e cultura

Os fatores acima determinam a qualidade de vida num lugar, segundo o engenheiro Thomaz Assumpção, da empresa paulista Urban Systems Brasil. Para você mensurar a condição proporcionada por esse local – onde vive ou pretende viver -, Thomaz sugere um exercício simples: localizar os diversos pontos de destino (áreas de compras, lazer, estudo, residência, trabalho e esporte) no mapa de sua cidade. Quanto mais próximos estiverem da residência, melhor. E alerta: como poucas pessoas têm condições de pagar para viver exatamente onde desejam, a saída é priorizar os aspectos que mais importam à pessoa ou à família em questão. Lembre-se ainda que os tópicos da lista estão em ordem de importância, na avaliação de Thomaz.

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Opinião

“Eu e minha esposa procuramos um imóvel por dois anos e meio até encontrar o apartamento onde vivemos hoje. Nossa lista de exigências era enorme, a começar pela minha condição inegociável: proximidade do metrô. Cresci num bairro central, depois trabalhei a 36 km de casa… Detesto depender de automóvel. Estou satisfeito: levo cinco minutos até o trabalho.”

José Luiz Patta, auditor fiscal de São Paulo

“Mudei do casarão onde criei meus filhos para o centro da cidade. Isso só aconteceu quando encontrei um hotel restaurado e adaptado para acomodar idosos. O lugar ficou uma graça, preservou o jeito antigo. Gosto muito de ir para a rua, tem farmácia, teatro, tudo perto. Até me engajei em ONGs para a recuperação da região.”

Carmen Gimenez de Carvalho, aposentada de São Paulo

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“Sempre morei no Jardim Botânico. Quando fui comprar um imóvel, preferi ficar aqui mesmo, perto do verde e dos passarinhos. Se a região já é tranqüila, fica ainda mais pacata no sobrado onde vivo, um imóvel com mais de 100 anos, reformado, parte de uma vila. Parece uma cidade do interior.”

Fernanda Lima, arquiteta do Rio de Janeiro

“Procurava um lugar que escapasse da confusão da cidade quando vim com a família para este condomínio, a 12 km do centro (25 minutos de carro). O lote tem 1 200 m2, numa área com trilha na mata e córregos. O que mais noto é o silêncio. Aumentou muito a minha vontade de ficar em casa – agora me dedico a cuidar das plantas.”

Antônio Gabriel Ribeiro Valadares Filho, joalheiro de Belo Horizonte

E mais… – Não perca de vista que as pessoas compram no máximo três ou quatro residências ao longo da vida (acompanhando a formação da família, seu crescimento e a posterior saída dos filhos de casa). Portanto, a escolha do endereço é importante e deve se balizar em informação precisa.

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– Saiba que educação e trabalho são importantes agentes de mudança – fatores que levam uma família ou uma pessoa a trocar de endereço.

– Para não errar na escolha do bairro que tem em vista ou simplesmente usufruir melhor a área em que mora, disponha-se a um passeio atento pela vizinhança. As pessoas são habituadas às redondezas por onde circulam, mas podem mudar de idéia baseadas em boa informação.

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