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Babado forte à beira da praia: gueto ou estilo de vida?

Por Cyntia Nogueira
Atualizado em 14 dez 2016, 10h50 - Publicado em 16 ago 2007, 22h30

Quem casa, quer casa – diz o ditado popular. E, para o presidente do Grupo Gay da Bahia, Marcelo Cerqueira, já era hora de os casais homossexuais ganharem empreendimentos imobiliários voltados para o seu perfil. “A parceria civil entre pessoas do mesmo sexo tende a ser uma realidade também no Brasil”, observa. Marcelo atuou como consultor do primeiro empreendimento gay da Bahia, o Aldeia Saint Sebastien. Localizado a 23 km de Salvador, na Arembepe dos hippies e de Janis Joplin, o condomínio tem suas peculiaridades. Nada de campo de futebol ou parque infantil – em vez desses lazeres, sala de cinema coletiva e espaço gourmet.

Mas o fato de direcionar um condomínio com 68 apartamentos o público de Gays, Lésbicas e Simpatizantes (GLS) não é incentivar a formação de um gueto? Parece que não, segundo a opinião da maioria dos entrevistados. “Não pensamos exclusivamente no público gay, mas sim em pessoas intelectualizadas que compartilham valores de liberdade e qualidade de vida”, explica Mário Piva, diretor da Plena Empreendimentos. Para deixar o produto ao gosto dos futuros moradores, a construtora e incorporadora consultou entendidos. “Tivemos várias reuniões com o Grupo Gay da Bahia e com Grupo Guri, a Associação Gay de Minas Gerais. Eles ajudaram a escolher o local e opinaram sobre como gostariam de viver num condomínio de praia”, explica o empreendedor.

Nessa reportagem você vai ver:

O projeto do Aldeia – um village para people nenhum botar defeito

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Localizado na Enseada do Piruí, faixa de praia cheia de recifes que formam piscinas naturais, o condomínio Aldeia Saint Sebastien fica numa das ruas mais reservadas e charmosas de Arembepe. Assinado pelo arquiteto Firmo Azevedo, o programa do empreendimento de 9 mil m² leva em conta os hábitos de consumo da comunidade GLS. “É um público intelectualizado, de muito bom gosto, que costuma freqüentar bons restaurantes e adora cozinhar para os amigos”, comenta a corretora Adriana Motta, da Josinha Pacheco Imobiliária, que comercializa as 21 unidades ainda à venda.

No Aldeia, as áreas de lazer mostram a diferença. Em vez de quadras de esportes, como campo de futebol ou quadra de tênis, os moradores vão usufruir de sala de projeção de filmes, uma espécie de home theater para o grupo. Churrasqueira? Não, espaço gourmet para reuniões. A lavanderia, que será coletiva, contará com área para leitura. No lugar de um parque infantil para as crianças, sauna, ofurô e academia de ginástica. E, na piscina, cantinhos discretos para um bate-papo mais íntimo. Com metragens que vão de 39,21 m² a 78,55 m², os 68 apartamentos podem ser térreos ou estar no primeiro piso. Os preços, atualmente já valem entre R$ 80 mil e R$ 160 mil

Por que Arembepe? Ou…em que outra praia da Bahia?

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Nas décadas de 1960 e 70, época de cabeludos, sexo, drogas e rock’ n roll, Arembepe entrou no circuito hippie internacional. Ícones do rock, como Janis Joplin e Mick Jagger moraram um tempo em cabanas de palha e em comunidade naquelas areias. As festas era animadíssimas apesar da falta de energia elétrica e, na praia, os banhistas dispensavam roupa de banho. Era um ponto de convergência daqueles que buscavam um estilo de vida livre e em contato com natureza. Até hoje, a aldeia exibe as choupanas de palha, ainda habitadas, nas dunas desse cenário paradisíaco, às margens do Rio Capivara.

Diferentemente de outros locais do litoral norte baiano que tiveram um forte desenvolvimento turístico, Arembepe atravessou os anos como uma vila de pescadores e local de veraneio mais reservado, apreciado por artistas e intelectuais. “Além de sua tradição libertária, encontramos aqui uma área aprazível, perto do mar e com natureza ao redor”, conta Marcelo Cerqueira, presidente do GGB, a mais antiga associação de defesa dos direitos homossexuais do Brasil, que indicou o local para o empreendimento.

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Mais que isso: a cidade conta com uma expressiva comunidade GLS. Embora não existam dados estatísticos, muitos casais de gays e lésbicas moram ou têm casa de veraneio por lá. “Hoje mesmo, o GGB realizou uma cerimônia simbólica de união de dois casais de mulheres que moram aqui, sendo que um deles está junto há 35 anos”, conta Cerqueira. Outra prova de que a bandeira do arco-íris já foi fincada por essas bandas é a Parada Gay de Arembepe. Realizada pela primeira vez em novembro do ano passado. “Choveu e, ainda assim, havia mais de mil pessoas quando São Pedro nos deu trégua”, diz Manu, estilista e artesão e idealizador do evento. “Acho que o pessoal daqui não sabia direito de que se tratava”. Mas, a partir desse ano, o desfile entrou para o calendário oficial do município de Camaçari. E Manu promete que eles vão arrasar desta vez..

Quem já comprou: sucesso de vendas entre estrangeiros

Cerca de 75% das unidades foram vendidas para estrangeiros – principalmente espanhóis e italianos. E no grupo, além do tão esperado público GLS, gente que está de olho no retorno do investimento. Simpatizantes? “Eu sou simpático a qualquer aplicação que possa me render entre 30 e 60% nos próximos 36 meses”, diz o jovem advogado Tiago Villas-Boas, um dos primeiros a adquirir uma unidade. “Não separo os amigos entre héteros e gays, são amigos simplesmente.” Juntamente com sua mãe, a turismóloga Rosário Limma, ele comprou o imóvel de olho na valorização desse tipo de produto. Mas até que os preços compensem a venda, mãe e filho esperam aproveitar o lugar como casa de lazer, em companhia de um casal de amigos italianos, seus vizinhos de porta. “Eles moram em Barcelona e sempre vêm à Bahia”, conta Rosário.

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O sucesso entre os europeus pode ser atribuído a duas causas: a divulgação do empreendimento no Salão Imobiliário de Madrid, na Espanha e um tantinho de resistência do público brasileiro. “Tivemos um grande número de consultas e, ao que parece, muita gente tem vontade, mas ainda fica com um pouco de receio”, diz Piva. Mas a tendência é crescer essa adesão. “É o primeiro empreendimento com esse perfil no Estado e, por isso, tem como função quebrar paradigmas”, completa a corretora de imóveis Adriana Motta, da Josinha Pacheco Imobiliária, que comercializa o empreendimento.

Para a corretora, que esteve à frente das vendas aos estrangeiros, o cenário deve mudar por aqui, como aconteceu em outros países, como os Estados Unidos ou Grécia. “Por lá, já existe uma abertura maior nesse sentido, com cidades que têm não apenas o mercado imobiliário mas também uma boa oferta de turismo e cultura voltada para os gays, as lésbicas e os simpatizantes”, conta Adriana, citando Greenwich Village, em Nova York, o Le Marais, em Paris, e a Ilha de Mikonos, na Grécia. Já corre o bochicho de que investidores da Noruega e da Dinamarca colocaram Arembepe em seu mapa de novos negócios com foco GLS.

Por isso, aqueles que ainda não se decidiram terão, com certeza, novas oportunidades de realizar o sonho da casa de verão própria. O empreendedor Mário Piva confirma: “Devemos lançar um outro empreendimento com o mesmo perfil em breve”.

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Afinal, é ou não um gueto?

 

Não há consenso, mesmo entre os entendidos, se a construção de um condomínio voltado para o público GLS é incentivar a formação de um gueto. Se, por um lado, agrupar pessoas que, infelizmente, ainda são alvos de preconceito possa parecer discriminatório, por outro, esse pode ser um espaço de liberdade e qualidade de vida, como propõe a campanha de marketing do empreendimento.

A palavra gueto designou originalmente os locais em que os judeus eram obrigados a morar durante a perseguição nazista. Por extensão de sentido, hoje significa qualquer bairro onde habitam grupos étnicos ou minoritários, geralmente isolados por pressões econômicas ou sociais. E, então, espaço de tolerância ou de estigmatização?

O colunista do jornal Correio da Bahia, Osmar Martins, por exemplo, aluga uma casa em Arembepe. Ele não é contra o empreendimento, mas afirma que tampouco compraria um imóvel por dois motivos: ele prefere a privacidade de uma casa em vez da vida em condomínio e acha a situação (de morar num conjunto para gays) discriminatório a héteros. “É delicado também em relação aos familiares, talvez eles não se sentissem à vontade”, explica. Já o também jornalista Sandro Lobo conta que só não comprou por questões financeiras. “Em minha visão, é um espaço físico que consolida um espaço simbólico de cidadania”, diz o e editor de Cidades do jornal A Tarde. “Além disso, o lugar é lindo e achei o projeto maravilhoso.”

Para Marcelo Cerqueira, presidente do Grupo Gay da Bahia, a discussão sobre guetos costuma se dar de forma equivocada. “O gueto é um espaço de afirmação política, uma forma de demarcar território. Não necessariamente com o propósito de isolamento”, teoriza Marcelo. Ele relembra um bar soteropolitano, famoso na década de 1980, o Zamzibar, que era freqüentado exclusivamente por negros. Atualmente, pondera o representante dos homossexuais baianos, um estabelecimento como esse não tem mais espaço. “Hoje os negros ocupam espaços na sociedade inteira. Naquela época era obrigatório usar cabelo black power, hoje já dá pra usar chapinha numa boa”, explica de maneira bem-humorada. Ele vai um pouco além: “As pessoas não vivem sozinhas e muitos heterossexuais se identificam culturalmente com o estilo de vida do público GLS. O Saint Sebastien deve atrair pessoas esclarecidas, livres, com bom poder aquisitivo e que gostam de aproveitar a vida de forma prazerosa”, afirma.

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