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“A indústria italiana é o laboratório do novo design mundial”

Vanni Pasca é curador, professor e pesquisador do design italiano, considerado uma das maiores autoridades no assunto.

Por Reportagem: Regina Galvão
Atualizado em 20 dez 2016, 15h14 - Publicado em 18 Maio 2011, 16h29
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Por que o mundo reverencia o design italiano?

O mundo descobre o design italiano em 1972, quando inaugura uma grande exposição, no MoMA de Nova York, com o título Italy- The New Domestic Landscape (Itália: a Nova Paisagem Doméstica). É a primeira grande aparição internacional de um fenômeno que impressiona por sua vitalidade e pela variedade de aspectos. Variedade que tem duas direções principais. A primeira é a dos designers modernistas, que trabalhavam com as indústrias e que, já nos anos 1930, tinham visto a pesquisa racionalista e orgânica européia, principalmente a da escola alemã Bauhaus e a do design dos países escandinavos, como a Finlândia de Alvar Aalto. Descobre-se nessa mostra, a elegância racional de Vico Magistreti, as produções irônicas dos irmãos Castiglioni, a pesquisa tecnológica de Marco Zanuso. Há também o design radical, surgido na segunda metade dos anos 1960, influenciado pela arte pop, pela tradição do futurismo italiano, do expressionismo anti-industrial e pela tradição artesanal dos anos 1910 e 1920. O design radical repropõe a poética da pequena série de preço único (grupos como Archizoom, Alchimia, Memphis, com designers como Ettore Sottsass, Alessandro Mendini, Paolo Deganello) e vai influenciar amplamente os jovens designers europeus nos anos 1980. Em 1972, o mundo descobre o design italiano e na própria Itália cresce a atenção ao design. Até então, haviam apenas revistas especializadas como a Domus, fundada, em 1928, por Giò Ponti. Em 1972, Umberto Ecco escreve um artigo de grande repercussão sobre a mostra do MoMA para o jornal L’Espresso. Já nos anos 1960, são muitas as revistas de design e decoração e é interessante lembrar o caso da Ottagono, que se chama assim em razão das oito empresas italianas de design que entendem a importância da comunicação e criam uma rede italiana de lojas de design e inventam locais para exposições de decoração e conferências.

 

Por que tantos designers estrangeiros querem trabalhar para a indústria italiana? O que a faz tão atraente?

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O design italiano nasceu do encontro entre o empreendedor e o designer. E os empreendedores italianos apreenderam a colaborar com os designers, a introduzir as questões técnicas, a discutir com eles seus novos projetos, os novos materiais e as novas tecnologias. Nos anos 1980, quando começa a haver a globalização, muitas indústrias italianas se lançaram sobre o mercado, desenvolvendo novas estratégias. Chamam para colaborar com elas os arquitetos mais famosos: querem ligar o nome da indústria a de personagens midiaticamente famosos. A partir dos anos 1980, as indústrias italianas trabalham não só com os designers italianos, mas também com os de toda a Europa. Descobrem-se outros projetistas, como os franceses, os ingleses, os espanhóis, os checos, os holandeses e assim por diante. Para exemplificar, o francês Philippe Starck deve boa parte de sua fama mundial às indústrias italianas, que o lançaram nos anos 1980 e para quem ele continua a trabalhar. A partir dos anos 1990, se constitui uma ampla rede internacional de jovens designers. Cresce o número de países que investem em escolas de design e sustentam as indústrias. Aumenta também o numero de indústrias que trabalham com designers e, nessa terceira fase da revolução industrial, o design cresce e se expande. Há uma procura crescente por jovens designers, não apenas europeus, mas também brasileiros, americanos, e assim por diante. Se nos anos 1980, as indústrias italianas estavam empenhadas em fortalecer a própria imagem fora do país com os grandes arquitetos pós-modernistas, hoje elas são extremamente rápidas para inserir, em suas produções, os projetos de jovens designers de qualidade que não encontram indústrias disponíveis em seus próprios países de origem. Isso é certamente um dos aspectos mais interessantes do design italiano de hoje: uma série de indústrias trabalha como laboratório do novo design mundial. Milão, na época do Salão do Móvel, se transforma num local de exposição privilegiado. Arquitetos, designers de produto e gráficos, fotógrafos, jornalistas, críticos, revistas, universidades, escolas de design, agências de consultorias e comunicação constituem uma rede operacional de alta complexidade. Milão é uma cidade plena de jovens designers que chegam de todos os países e, que depois de terem frequentado suas escolas, permanecem aqui para trabalhar. De outro lado, jovens designers de todo o mundo se juntam para expor os próprios projetos na esperança de serem notados pela mídia e, sobretudo, pelas indústrias italianas. Assim Milão se transforma na calamitosa vitrine de novas tendências. Cresce como centro da comunicação internacional, que gira em torno do design, e como local de exposições de jovens designers de todos os países. É um palco para a “espetacularização”.

 

Qual o papel da indústria italiana nesse processo?

Nos anos 1950, delineou-se na Itália três processos. Primeiro de tudo, o país se moderniza, desenvolve-se a industrialização. O sul migra para o norte, dos campos para a cidade, e, com o incremento da urbanização, cresce o poder aquisitivo e se expande o consumo. O panorama da vida cotidiana muda com a motorização em massa, os eletrodomésticos, as TVs. Os italianos, depois da Vespa e da Lambreta, adquirem os modelos 600 e depois os 500, projetados por Dante Giacosa. Nos bares, encontram-se as lúdicas e aerodinâmicas Pavoni, a máquina de café desenhada por Giò Ponti. As velhas máquinas de costura a pedal são substituídas pelas máquinas elétricas, como a Mirella, desenhada por Marcello Nizzoli, o designer que já havia projetado para a Olivetti a Lettera 22, a máquina de escrever portátil que virou um ícone de uma época do jornalismo. Os irmãos Castiglioni modificaram a imagem do aspirador de pó, transformando-o em um pequeno e leve objeto de náilon, lúdico e colorido. Gino Colombini desenha para a Kartell uma série de objetos de plástico para o uso doméstico, que são leves e coloridos e modificam o panorama da casa. Ponti e Zanuso desenham aparelhos sanitários de linhas arredondadas, Zanuso desenha refrigeradores e componentes de cozinha, mas também poltronas, nas quais a espuma substitui as molas metálicas, iniciando a pesquisa por novos materiais para industrialização do móvel. Em algumas regiões da Itália é grande a presença de empresas artesanais, que nestes anos iniciam uma produção mecanizada, transformando-se rapidamente em pequenas indústrias de condução familiar. Alguns desses pequenos empreendedores, em particular do distrito de Brianza, próximo a Milão, têm a intuição de que está crescendo a demanda de decoração por parte dos italianos, que estão comprando os carros, os eletrodomésticos e as TVs, e querem uma casa que testemunhe as mudanças desse novo estilo de vida. Os empreendedores são inovadores e dotados de um senso de risco, eles compram maquinários, mas precisam de gente que possa ajudá-los a entender quais os novos produtos que podem ser oferecidos a esse novo desejo de modernidade. Nessa situação, os empreendedores e os arquitetos-designers se encontram, dando em alguns casos em parcerias que duraram muitos anos. O designer assumirá frequentemente o posto de consultor, de marqueteiro, um pouco de diretor de arte, e, logicamente, de projetista. Esse encontro entre os empreendedores e os arquitetos-designers desenvolve o design italiano.

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Se o senhor tivesse que escolher cinco produtos ícones do design italiano, quais seriam eles?

É difícil dizer. Na mostra “Made in Italy”, da qual fui curador, em 2008, no Museu de Niemeyer, em Brasília, escolhi dois objetos opostos para abrir a mostra: a luminária Atollo, de Vico Magistretti, e a poltrona Proust, de Alessandro Mendini, ambas do fim dos anos 1970, e que representam duas correntes distintas do design italiano. Também citaria a luminária de piso Toio, dos irmãos Pier e Achille Castiglioni para a Flos, e a máquina de escrever Valentine, de Ettore Sottsass para a Olivetti. A poltrona Up, de Gaetano Pesce, e os objetos projetados por Enzo Mari para a Danese, além das luminárias da Paolo Rizzatto e Alberto Meda. Já são mais que cinco!

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