Os criadores do móvel brasileiro
Sessenta anos atrás, as casas brasileiras eram equipadas com peças de influência europeia, que nada tinham a ver com nosso jeito de viver. Nomes como Joaquim Tenreiro e Sergio Rodrigues, entre outros, ajudaram a desbravar esse caminho, que propunha mudanças no desenho, na ergonomia e nos processos de produção. Também é brasileira a dupla de designers de maior projeção internacional na atualidade: os irmãos Campana. A seguir, você vai conhecer um pouco sobre a vida e a carreira de cinco profissionais que simbolizam a produção nacional nas últimas décadas. Saiba também o que designers do mundo todo andam criando. Confira nossa cobertura completa do
1950
Atuação fértil e permanente
Suspensórios, bengala, boina e bigode, cultivado desde 1971 em homenagem a um tio-bisavô, que o introduziu ao mundo da marcenaria. O inconfundível estilo do arquiteto carioca Sergio Rodrigues não se restringe ao modo de vestir: seus móveis também exibem uma linguagem particular, revelada numa carreira de seis décadas e 1,2 mil peças criadas. Em 1955, ele fundou a Oca – misto de loja e galeria que ganhou fábrica, em 1965, e se tornou uma referência. Hoje, aos 82 anos, Sergio viaja pelo país para dar
palestras, visitar fábricas e orientar designers. “Digo a eles para evitar
as tendências, procurando sempre um jeito brasileiro de criar”, diz o autor da poltrona Mole, célebre aqui e no exterior. Morador de Botafogo, ele mantém, no mesmo bairro, o estúdio no qual continua desenhando móveis e casas pré-fabricadas na companhia de Verônica, a filha arquiteta, e Vera Beatriz, paixão de infância e esposa há 38 anos.
Linha do tempo
1960
Alta-costura mobiliária
Atraído pelos edifícios de Oscar Niemeyer e Lucio Costa, o arquiteto polonês Jorge Zalszupin desembarcou no Brasil em 1950. Adotou São Paulo como sua cidade e escreveu aí sua história: conheceu Annette, com quem está casado há 50 anos, ganhou cidadania após o nascimento das duas filhas e abriu o próprio escritório e a loja de móveis L’Atelier, sucesso nas décadas de 1960 e 70 entre a elite brasileira, encantada com o requinte artesanal e a elegância formal de sua mobília, como a poltrona Dinamarquesa. A peça voltou a ser produzida em 2006 na marcenaria da empresária Etel Carmona, que o convenceu a reeditar 12 de seus móveis com madeira de re orestamento. “Acatei a sugestão e comprovei que era esse o caminho a trilhar”, pondera. Aos 86 anos, exercita a veia criativa,
rabiscando croquis inéditos na casa de linhas arrojadas que desenhou e construiu no auge da carreira num nobre bairro paulistano.
Linha do tempo
1970 e 1980
Reverência aos mestres Na casa dos anos 1920, herdada dos pais em 1979, o arquiteto paulistano
Carlos Motta viu crescer os quatro filhos, plantou árvores frutíferas no
quintal e reuniu quadros de amigos e os móveis de madeira maciça de sua produção, como as cadeiras São Paulo, Flexa e Clube, criada para o Clube São Paulo, em 1979. Somam-se a esses modelos outros garimpados nos mercados de pulga da Califórnia, onde estudou na década de 1970. “Restaurava peças quebradas para ganhar um troco. Assim, aprimorei as técnicas construtivas e fui amadurecendo os conceitos aprendidos na escola”, diz. A paixão pela madeira o levou a abrir, em 1978, uma marcenaria na Vila Madalena, em São Paulo, onde cria peças artesanais, disputadas aqui e no exterior. Todo esse sucesso, no entanto, não o afeta. Na metrópole, tenta levar uma vida de interior: sai pouco com a mulher,
Sibylla, vai a pé ou de bicicleta para o trabalho, nada e joga tênis no clube perto de casa.
Linha do tempo
1990
Originalidade que fascina
Muito requisitados internacionalmente, Humberto e Fernando Campana viajam o mundo, mas é no discreto estúdio em Santa Cecília, no centro paulistano, que eles se sentem acolhidos. “Aqui, estamos em casa. Conhecemos a costureira, o sapateiro da rua. Há um clima de interior que nos inspira”, diz Fernando. Curiosamente, há também nas imediações uma concentração de templos religiosos: a primeira catedral de São Paulo – a
Igreja Imaculado Coração de Maria -, uma sinagoga, um centro espírita
e um terreiro de candomblé. “De alguma forma, isso nos protege”, acredita Humberto. Esse ecletismo, aliás, traduz com perfeição o trabalho da dupla, que ganhou fama mundial a partir de1998, com uma exposição no Museu
de Arte Moderna de Nova York e o contrato com a Edra, fabricante italiano que produz seus móveis, irreverentes e cheios de humor.
Linha do tempo
2000
Expoente da nova geração Zanini de Zanine, filho caçula do arquiteto autodidata José Zanine Caldas, é, além de designer talentoso, que segue os passos do pai no manuseio de madeiras maciças, um típico menino do Rio. Surfista nas horas vagas, ele assume que a rua e os modismos cariocas são suas maiores influências na hora de criar peças para a Doïz Design, empresa fundada por ele e um amigo no ano passado, na qual explora variados acabamentos, do metacrilato de tons fortes às estampas das pranchas de skate. No apartamento no bairro da Gávea, para onde se mudou recentemente, esse mix de referências se repete: vale combinar novo e antigo, mas sem excessos. “Gosto de ambientes arejados e limpos”, admite ele, formado
em desenho industrial há apenas oito anos e já dono de uma vasta e premiada coleção de móveis. “Meu trabalho une o contemporâneo com as raízes brasileiras. Sou fruto desse cruzamento”, define-se.