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No Brasil, como no Japão

No ano do Japão no Brasil você não pode ficar por fora de como é uma casa japonesa

Por Zizi Carderari, Silvia Gomez, Luis Gomes, Katia Akamine
Atualizado em 20 dez 2016, 22h27 - Publicado em 15 jan 2008, 11h31

Futons, tatames e ofurôs já fazem parte do vocabulário do brasileiro é uma influência dos primeiros japoneses que desembarcaram aqui em 1908 e geraram 1,2 milhão de descendentes. No ano que festejamos o centenário da imigração, é hora de comemorar o que emprestamos do país das cerejeiras. Na casa, móveis baixos, ambientes integrados e painéis de madeira e papel codificam uma linguagem minimalista, nascida muito antes de esse conceito virar moda. É como se o jeito de morar nipônico materializasse as virtudes do espírito zen. Assim, simplicidade e desprendimento constroem uma estética leve, que enxerga promessas de beleza no vazio e na imperfeição

Tatames e portas de correr de papelarroz compõem um quarto típico. O ambien...

Na decoração, simplicidade

A cerimônia do chá, uma prática firmada no século 16, exemplifica a lógica da cultura japonesa, em que tudo tem um significado, até o jeito de segurar a xícara. Assim também é a decoração: delicada e cheia de símbolos, afirma a designer de interiores Yoko Sato. Além de presente em materiais como o bambu e a palha, a natureza surge ilustrada em biombos e cerâmicas. Os tatames, feitos de palha de arroz e junco, revestem quartos e salas, que têm móveis baixos e uso múltiplo. Dorme-se e come-se no chão. Por isso, é higiênico deixar o sapato no hall, construído no nível da rua e rebaixado em relação ao resto da casa, ensina o arquiteto simplicidade Eduardo Nakashima.

 

Peças de cerâmica tradicional trazidas do Japão. “Lá, os jogos de louça... Um título para uma foto sem titulo

 

Cerâmica zen

A ceramista Kimi Nii lembra que gostava de molhar o dedo e furar o papel-arroz das portas de correr de sua moradia de infância, em Hiroshima. Quando tinha 9 anos, veio para o Brasil com os pais. Nunca esqueceu o espanto ao ver que aqui não se tirava o sapato para entrar em casa. O caminho de sucesso na cerâmica teve início há 29 anos. Um dia, na pça. da República, em São Paulo, me deparei com a barraquinha de um japonês que criava adoráveis utilitários típicos. Ele me deu as primeiras aulas, conta. Das experiências com o forno de alta temperatura, nasceram peças que extrapolam a função e alcançam a arte. Intuitivamente, sou influenciada pela estética japonesa e pelo zen, que me ensina a eliminar tudo o que é supérfluo para atingir a essência.

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Na arquitetura, flexibilidade

Capaz de criar estruturas flexíveis que respiram, a madeira é a paixão da arquitetura japonesa. A vulnerabilidade a terremotos e o clima temperado, com verões úmidos, explicam o uso, diz Nakashima. Nas casas tradicionais, não há fundação: em função da umidade, as construções são elevadas do solo sobre bases de pedra. A necessidade de aproveitar os espaços uma obsessão em um país superpopuloso gera peculiaridades, como a circulação pela varanda, recurso que poupa a área interna. Levíssimas, as portas de correr de papel delimitam e estabelecem usos variados para um mesmo ambiente. Nos dias de festa, podem ser retiradas flexibilidade para uma total integração.

Nesta casa contemporânea, projeto de Olegário de Sá e Gilberto Cioni, a mo... Marcenaria da Yamagata. No hall os visitantes deixam os sapatos no móvel baixo. Um título para uma foto sem titulo

 

Linguagem serena

Filho de japoneses, o casal Carla Yasuda e Ricardo Miura foi criado com hábitos nipônicos, como o de tirar os sapatos antes de entrar em casa. Os dois se conheceram quando Ricardo tinha acabado de voltar do Japão, onde fez um estágio num escritório de arquitetura. Eu já era formada em desenho industrial e uma amiga me indicou para um trabalho com ele. Deu tão certo que nunca mais paramos, lembra Carla. A herança que eles perseguem nos projetos do escritório tem a ver com uma certa serenidade, revelada no bom uso da madeira e na reverência à natureza. Também tentamos criar trajetos de luz natural e linhas para o olhar, delineando percursos tranqüilos dentro da casa. É um minimalismo bem aconchegante, resume Miura.

 

No jardim, contemplação

Nas casas mais tradicionais, a natureza é convidada a entrar e o jardim é planejado para ser visto de qualquer ângulo interno. Apreciado a uma certa distância, o conjunto revela uma assimetria delicada, expressa num jogo de volumes e caminhos. Tudo é pensado de forma a criar um visual orgânico e contemplativo, resume Miura. Assim, elementos como bonsais, pinheiros e azaléias se insinuam entre percursos de pedras brutas e pedriscos, compondo um universo simbólico em pequena escala, com montes, cascatas, riachos e árvores. Em algum canto, a visão de um lago com carpas símbolo de masculinidade, força e longevidade pacifica a mente.

 

Construído entre 1960 e 70, o jardim da casa do pintor Manabu Mabe (1924-199... Construído entre 1960 e 70, o jardim da casa do pintor Manabu abe (1924-1997... Obra de Tomie Ohtake

 

Arte abstrata

Nascida em Kioto, em 1913, a artista plástica Tomie Ohtake gosta de se lembrar da casa de sua infância. Eu morava com minha mãe meu pai morreu quando eu tinha 5 anos e mais cinco irmãos. Era uma construção comprida, arrumada com capricho, bem ao estilo japonês, descreve ela, que chegou ao Brasil na juventude, com 23 anos. Mas a carreira intensa e premiada só começou quando tinha 40 anos de idade. Com pinturas, gravuras e esculturas abstratas que misturam ao mesmo tempo força e suavidade, Tomie ficou conhecida nos anos 1960, mesma época em que se naturalizou brasileira. Influência oriental? Isso nunca me preocupou. Devo trazer alguma coisa, mas essa é uma questão para os críticos.

 

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