Uma casa em Ghouma, no Líbano, fotografada por Cristiano Mascaro

Linguagem única. Nem a distância nem a barreira do idioma intimidaram uma arquiteta paulista convidada a projetar esta sede de fazenda em Ghouma, pequena aldeia no Líbano

Por Por Rosele Martins Fotos Cristiano Mascaro
Atualizado em 21 dez 2016, 00h51 - Publicado em 7 out 2010, 14h56

O badalar de sinos ecoando ao longe deu à arquiteta Candida Tabet uma certeza: não faria sentido inserir uma casa naquela paisagem sem reverenciar as raízes locais. “O vento carrega os muitos sons do Líbano por onde passa”, diz ela. “Cânticos religiosos, orações, os berros das cabras… São todos característicos e constantes, como uma música de fundo”, afirma, com a propriedade de quem frequenta o país há quase três décadas, motivada pelo desejo do marido de rever anualmente sua terra natal. Desta vez, porém, a presença no Oriente Médio despertou outros sentidos. “Deixei de ser mera visitante e pesquisei a cultura regional”, revela. Tudo porque aceitou o convite de um amigo libanês que, maravilhado com o sítio da arquiteta em Atibaia, SP, encomendou proposta semelhante para uma fazenda de 100 mil m² em Ghouma, tranquilo vilarejo localizado 40 minutos ao norte da capital, Beirute. Ao desembarcar no terreno íngreme e rochoso no início de 2000, Candida vislumbrou um cenário inóspito. “Só havia um antigo abrigo de cabras e três muretas de contenção para demarcar plantações, erguidos com pedras retiradas da propriedade”, lembra. Do outrora dormitório de animais, fez seu quarto durante uma semana, período no qual permaneceu completamente isolada na fazenda pontilhada de oliveiras a sondar a posição do melhor sol e dos melhores ventos, os mesmos responsáveis por trazer a sinfonia cotidiana aos seus ouvidos – a solidão só não foi completa graças aos aldeões contratados pelo proprietário para levar-lhe água e comida. Depois dos sete dias de imersão, resolveu incorporar o abrigo e os muros à construção, bem como dar à proposta as tintas da arquitetura libanesa.

Um título para uma foto sem titulo

Tanto a típica, onde despontam pátios para se refrescar do calor, quanto a influenciada por outras culturas ao longo da história, representadas em colunas de inspiração romana e telhas francesas (o país foi denominado protetorado da França após a Primeira Guerra Mundial e assim permaneceu até 1943). Buscou, porém, diferenciar seu projeto de uma casa genuinamente nacional. “As moradias tradicionais exibem luxuosos pisos de mármore polido”, exemplifica. “Esta, mesmo rústica, não deixa de ser imponente.” A mistura não provocou estranheza no cliente, que chamou um construtor dos arredores para tocar o projeto, aprovado sem ressalvas. Escolha aplaudida por Candida, que encontrou em Nicolas Fadel um cuidadoso parceiro profissional. “Solucionávamos todas as dúvidas por e-mail, embora não tenham surgido grandes problemas a serem contornados. O sistema métrico deles é o mesmo nosso e o desenho arquitetônico é universal”, conta ela, que conversava com o companheiro de empreitada em inglês e francês. Durante os dois anos de obra, a arquiteta esteve em Ghouma a cada três meses acompanhando a evolução dos trabalhos. Apesar de cansativas (cerca de 20 horas de viagem desde São Paulo, com escalas na Europa), as visitas foram determinantes para lapidar a proposta e obter este resultado, afinado com o panorama. “Embora estejam acostumados a lidar com entraves por causa de conf litos políticos, os libaneses apreciam viver cercados de conforto. Aberta para os vales, ventilada por muitas esquadrias e sombreada pelos brises, a casa traduz esse savoir-vivre“, avalia.

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