Um olhar para as coisas simples
Às margens do rio Guaíba, em Porto Alegre, Heloisa Croco ergueu uma casa-ateliê de pínus reflorestado e traços da arquitetura nórdica.
A construção, que funciona como local de trabalho e refúgio particular, está repleta de significados para a artista plástica. “Ela sintetiza uma trajetória importante da minha vida
Arquiteto: Trajano Antonio Straggiotti Silva
Localização: Porto Alegre, RS
Por que é ecológica: pínus reflorestado e aproveita inclinação do terreno.
Cabelos assumidamente brancos. Vestidos de algodão de corte reto e longo, geralmente em tons de azul. Nos dias frescos, um casaquinho. Para sair à noite, echarpe. Assim é Heloisa Croco. À primeira vista, ela encanta pela naturalidade. De perto, percebe-se que sua elegância se estende ao trabalho com madeira, que, de tão sutil, pede toda a atenção. É justamente esse viver o prosaico, o nada pretensioso, que a torna tão interessante. “O mundo nos induz a querer e ter sempre mais. Felizmente, eu consigo me afastar um pouco dessa roda-viva”, conta ela. A opção por uma vida sem acúmulos nasceu de uma viagem à Amazônia na compa-nhia de Zanine Caldas, artesão da madeira e um pioneiro da ecologia. Ela voltou encantada com os ensinamentos da floresta. “Descobri que todas as cores e os volumes estão na natureza. É só uma questão de olhar.”
De volta ao Sul, Heloisa escolheu o pínus como a matéria-prima principal de seu trabalho por dois motivos: primeiro porque é uma árvore abundante na região e, segundo, por ser proveniente de reflorestamento e, portanto, ecológica. A intimidade com a espécie se aprofundou ao longo dos últimos 15 anos. Quando projetou seu ateliê, não pensou duas vezes: elegeu mais uma vez o pínus. Idealizada durante anos, a construção abriga, além de bancadas e ferramentas de trabalho, cômodos de uma casa – cozinha, quarto, banheiro. “Aqui, eu me isolo de vez em quando para refletir sobre meu trabalho”, conta. Com bom relacionamento no meio acadêmico e empresarial, Heloísa pretende também transformar o espaço num eventual centro de debate sobre o design brasileiro. “Precisamos parar de olhar para fora e nos voltar para a roça”, opina.
Feliz com a obra recém-concluída, Heloísa traça planos: “Uma festa, uma exposição…” Enquanto isso, desfruta do sossego do lugar e da vista do terraço, de onde aprecia o pôr-do-sol no Guaíba. A decoração, tão limpa quanto a arquitetura, abre espaço para pequenos mimos da natureza, como a semente em forma de coração ou um ninho de passarinho. “Procuro inspiração nos shakers, que tinham apenas o mínimo necessário”, diz, mostrando as fotos de um livro. A saber: os protestantes shakers viviam isolados nos Estados Unidos, no século 19, e perseguiam com fervor a purificação espiritual. Os poucos móveis e objetos que criaram tornaram-se referência do design minimalista. Sua filosofia, que prega o máximo de conforto com o mínimo de detalhes, é a mesma de Heloísa.
Vencendo preconceitos
O pínus é conhecido como a madeira dos caixotes de feira. Macio e cheio de nós, sempre foi considerado matéria-prima de segunda categoria. Nos Estados Unidos, porém, o cenário é diferente. Em regiões como a Flórida, o material compõe boa parte das casas. Segundo Cézar Berthier, da Durapine, o preconceito nasce do mau uso. “Usando tecnologia adequada, o pínus substitui espécies nobres com igual resistência e durabilidade.” Árvore reflorestada e de crescimento rápido, o Pinus elliotti de origem européia se adaptou bem ao clima da Serra Gaúcha.
Textura bem explorada No tronco de pínus cortado, percebemos anéis claros e macios intercalados de outros escuros e duros. Os primeiros mostram o crescimento da árvore no verão e os segundos no inverno. “Nestes anéis estão a alma da espécie, pois revelam a idade da árvore”, conta Heloísa. Aproveitando os veios bem marcados, ela cria carimbos para estampar superfícies diversas: papelaria, roupas de cama e louças. A coleção, batizada de Topomorfose, ganhou o Prêmio do Museu da Casa Brasileira, em 1994. O material deu origem também a obras de arte, como os painéis feitos das sobras de uma fábrica de cercas.
Escandinavos e americanos “Topei na hora a idéia de construir com pínus”, conta o arquiteto Trajano Straggiotti Silva. “Afinal, tem tudo a ver com o trabalho de Heloísa.” Amigo de longa data, ele conhece o apuro formal da designer e sua relação com a madeira. Definida a matéria-prima, foi buscar inspiração na arquitetura dos países escandinavos tradicionais construtores de madeira. A técnica construtiva, no entanto, é de origem americana. Trazida ao Brasil pela Durapine, o sistema consiste em erguer paredes autoportantes de ripas, apoiadas por pilaretes o que prescinde de grandes estruturas.