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Onde moram as palavras: todo texto é uma casa

Todo texto é uma casa, e todo escritor tem medo de que ela desmorone. Daí nossa infinita disposição de reformar as frases.

Por Por Felipe Franco Munhoz* | Ilustração Maria Eugenia
Atualizado em 14 dez 2016, 12h32 - Publicado em 10 jan 2015, 20h02
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Esta é uma crônica, uma casa – uma cronicasa – de palavras. Uma construção que, enquanto vai sendo levantada, vai sendo reformada. Reformulada. Reescrita. Assemelha-se a uma parede que, de repente, pode mudar de lugar: uma obra que se ergue e, ao mesmo tempo, reforma-se. Talvez mais sonoro, talvez melhor? Tenho dúvidas e assim, durante horas, troco os tijolos, curvado sobre a mesa, escrevendo com quilos de cimento nas costas.

Mas qual o motivo de tanta reforma narrativa? A razão da constante angústia? Da infinita insatisfação? Acredito que seja porque o escritor está sempre condenado ao fracasso – pois, a partir de certo momento, se o texto for de fato verdadeiro, vivo, é o próprio texto quem assume o controle sobre si. Veja só que autoritário: o próprio texto quem, e não que.

Não, não, não é isso. O escritor está sempre condenado ao fracasso por haver uma insuperável distância entre intenção e possibilidades (de transformar sentimentos em sequências de frases). Neguei a teoria apresentada pouco antes com o propósito de, na construção, inserir a janela Fracasso em outra face. Com outra vista. Outro horizonte. E, para demonstrar sem rodeios, a fácil demolição.

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Se desvio a atenção – descur vado da mesa – e decido encarar São Paulo do meu apartamento em Pinheiros, 17º andar, deparo com vários prédios, telhados, algumas ruas, trânsito e, para os padrões da cidade, uma vasta área verde. Ciprestes, ciprestes. São três cemitérios. Do Redentor, do Araçá e do Santíssimo Sacramento.

Encarando-os, quase consigo elaborar uma hipótese para o motivo de tanta reforma narrativa e angústia e insatisfação literária. É o medo, o temor, o pavor de que a casa, projetada e trabalhada em detalhes, desmorone. E por saber que é nesta casa, aqui, na qual entrarei – com a amarga certeza do fracasso e nem um segundo a mais para a reforma –, nesta casa-jazigo em que, um dia, fecharei os olhos.

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