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Mais que um teto: a casa da infância da redatora-chefe da A&C

O apego a uma casa talvez só se torne palpável quando chega o momento de deixá-la

Por Por Marianne Wenzel | Ilustração Maria eugenia
Atualizado em 20 dez 2016, 19h06 - Publicado em 22 Maio 2013, 20h52
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Quem nunca comprou um livro porque se sentiu atraído pelo título? Isso vive me acontecendo. A Casa Que Amei, de Tatiana de Rosnay (Objetiva), foi o último que me fisgou. Nesta ficção ambientada na Paris do século 19, uma viúva se recusa a deixar sua morada, desapropriada para a construção do bulevar Saint-Germain. Se hoje os famosos bulevares parisienses são unanimidade entre a população local e os visitantes, abrir caminho para eles traumatizou a cidade (os trabalhos se estenderam por 20 anos!) e muita gente que perdeu sua casa, seu negócio, suas raízes. Rose, a protagonista, escreve cartas enquanto ouve o barulho da destruição se aproximando. Seus vizinhos se mudaram, não há mais aquecimento, mas ela não se vai. Prefere permanecer ali e relembrar sua vida sob aquele teto, entre aquelas paredes, a começar tudo de novo em qualquer outro lugar. Isso me fez pensar que o apego a um endereço talvez só se torne real quando chega o momento de deixá-lo. Eu devia ter uns 11 anos quando minha família precisou se mudar da casa onde cresci. Ela era alugada, e o dono a pediu de volta. Térrea, num terreno em aclive, com um portão baixinho de madeira pintada de branco… O jardim da frente, cortado ao meio por uma larga escada de pedra que levava à entrada, tinha três ciprestes incríveis. O dos fundos, uma figueira-brava, onde penduramos um balanço. No da lateral, plantei um abacateiro. Nós nos mudamos antes de ele atingir meio metro de altura, e sair de lá foi triste. Por algum motivo que não sei explicar, nos sentimos compelidos a acompanhar a demolição. A casa ficava no caminho da escola, passávamos por ela todas as manhãs, e vimos seu desmanche até o dia em que deparamos com a banheira na calçada. Nossa banheira branca, de louça, fazendo o que ali? A partir desse dia, minha mãe resolveu desviar a rota. E a casa, 25 anos depois, ainda me visita nos meus sonhos.

Marianne Wenzel é redatora-chefe de ARQUITETURA & CONSTRUÇÃO e autora do livro Museu do Futebol (Romano Guerra) com Mauro Munhoz. Pouco depois de escrever este texto, ela descobriu que precisará devolver em breve o apartamento alugado que tanto adora.