Bloco de terra fica mais resistente com sacos reciclados de cimento
Pesquisador da UnB cria blocos de terra mais resistentes substituindo parte do cimento por papel kraft.

Em 2012, a indústria de cimento brasileira despachou cerca de 920 milhões de sacos de cimento. Enquanto o conteúdo se transformou em paredes, pisos e pilares, a maior parte dos sacos de papel foi jogada fora sem reciclagem. O arquiteto Márcio Buson descobriu uma maneira de incorporar as fibras dessas embalagens na construção civil. Misturado com terra e cimento, o papel se transforma em krafterra, um material que pode ser usada para formar blocos de terra.
Buson criou o material durante seu doutorado na Universidade de Brasília (UnB), onde também é professor. Ele extraiu as fibras dos sacos de cimento para criar blocos semelhantes a um material de construção já existente: os blocos de terra compactada (BTC), mais conhecidos como tijolos ecológicos. BTCs são produzidos misturando uma parte de cimento para oito partes de terra em água. Depois, os construtores compactam a mistura numa prensa e deixam o bloco secando ao sol. Já os BTCs de krafterra substituem metade do cimento pela fibra do papel kraft. Nessa fórmula, cada tijolo (25 x 12,5 x 6,25 cm) usa um saco grande de cimento.

Material forte
O papel kraft substitui o cimento por ter fibras de madeira e bambu, que são longas e, por isso, mais resistentes. “O tamanho também permite incorporar as fibras ao solo natural e criar um compósito mais resistente”. Por isso, Buson aposta que o papel possa ser usado em outras técnicas de arquitetura com terra: blocos de adobe, taipa, pau-a-pique.
O professor também acredita que blocos de krafterra misturado a cimento poderão substituir os tijolos ecológicos em um dos seus usos mais comuns: a construção de casas populares. Uma casa com 52 m² – dois quartos, sala, cozinha e área de serviço externa – usaria 15 mil sacos de papel kraft multifoliado. Material não falta: o Brasil produziu mais de 390 mil toneladas de paperl kraft em 2009. A maior parte do papel virou lixo. Isso porque reciclar as embalagens exige livrá-la da de produtos como o cimento, adubos e rações – preço que as recicladoras não se dispõem a pagar.

Blocos de terra mais resistentes
Os blocos de krafterra são 11 % mais resistente que o BTC tradicional. Enquanto os tijolos com fibras de papel suportaram sem quebrar uma pressão vertical de 60,4 kg por cm², o tijolo ecológico não aguentou mais do que 54,3 kg/cm². O bloco de krafterra também levou a melhor nos testes de calor. Nessa avaliação, o arquiteto colocou paredes de krafterra na boca de um forno que chegava a 1050 °C. Depois de duas horas, ele media o quanto aumentou a temperatura da face externa da parede. A parede com BTCs esquentou 50 °C; já as paredes com blocos de krafterra esquentaram 50 °C. “O krafterra diminui o ganho ou perda de calor, o que é bom para as construções”, explica Buson. “Agora, pode ser considerado até um material corta-fogo”, acrescenta. No entanto, os blocos de krafterra absorviam mais água do que o tijolo ecológico. Essa desvantagem foi fácil de contornar. Bastou adicionar à mistura um pouco de seiva de babosa. As pesquisas com o material foram feitos na UnB e Universidade de Aveiro, em Portugal.
O próximo passo da pesquisa é analisar como o material se comporta em uma casa real. Por isso os pesquisadores vão construir e analisar uma casa de 50 m² na UnB com o material. “Recomendo que as pessoas usem o krafterra, mas sempre lembro que eu ainda não consegui fazer testes com um protótipo de uma construção em escala real, deixada ao sol”, explica o arquiteto. Enquanto a verba e o espaço para fazer novos testes não saem, Buson comemora um reconhecimento: o tijolo recebeu menção honrosa na Bienal Ibero-Americana de Design de Curitiba, em 2012.