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Quanto custaria o transporte público se você fosse levado em conta?

A jornalista Natália Garcia, do blog Cidades para Pessoas, reflete sobre o que deveria ser levado em conta para estabelecer o preço das passagens de ônibus em SP.

Por Por Natália Garcia, do blog Cidades para Pessoas*
Atualizado em 16 fev 2024, 13h43 - Publicado em 14 jun 2013, 15h44
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Na semana passada, a tarifa de ônibus em São Paulo foi aumentada de R$ 3 para R$ 3,20, o que causou comoção entre os paulistanos e o movimento Passe Livre foi às ruas exigir que o aumento seja revisto. O argumento do prefeito Fernando Haddad para o reajuste é a inflação acumulada de 15,5% desde o último aumento na tarifa, na gestão Gilberto Kassab, em janeiro de 2011, quando a condução subiu de R$ 2,70 para R$ 3.  Haddad defende, portanto, que o aumento da tarifa está abaixo da inflação do período.

Mas será que o critério utilizado pelo prefeito é suficiente para justificar a medida? Ou, expandindo o debate, o que deveria ser levado em conta para estabelecer qual o preço das passagens de ônibus (não só em São Paulo, mas em qualquer cidade do país)?

Se o critério é só a inflação, como tem declarado o prefeito, por que não examiná-la  considerando um período maior de tempo? Por exemplo: desde que o Plano Real entrou em vigor, em 1995, a passagem de ônibus em São Paulo aumentou de R$ 0,65  para R$ 3,20, uma subida de 392%. Já se medirmos a inflação desse período pelos dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), vemos que ela cresceu 332%. Examinando esse período como um todo, o valor da tarifa cresceu mais do que a inflação. É verdade que a simples comparação entre o crescimento desses dois valores não dá conta da complexidade da questão, já que estamos falando de ciclos e contextos diferentes. Mão não é igualmente complexo e complicado apontar a inflação como o motivo do reajuste? E será que a tarifa de ônibus não deveria levar outras coisas em conta, além do aumento da inflação?

Um dos acadêmicos que tentou dissecar a economia dos transportes foi o inglês William Vickrey, que recebeu o Prêmio de Ciências Econômicas (ou o popular Nobel de Economia) em 1996. Vickrey enunciou o que ficou conhecida como a regra de ouro da economia dos transportes:

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“Cada pessoa deve arcar com os custos sociais dos seus deslocamentos na cidade”

Ele chegou a essa conclusão em 1963, quando fez um estudo que apontou que a cada carro adicional fazendo uma viagem diária no horário de rush em Londres, era necessário um investimento adicional de 23 mil dólares em infraestrutura. Vickrey procurou mostrar que carros em excesso precisam de infraestrutura mais cara per capita, se comparada com transportes públicos ou não motorizados. Não é à toa que o orçamento de transportes de tantas metrópoles pelo mundo é consumido, em sua maioria, por infraestrutura para os carros – que, em geral, carregam a minoria das pessoas nos deslocamentos diários. Na Cidade do México, por exemplo, vemos que 28% das viagens diárias são feitas de carro, a minoria, mas recebem a maioria do orçamento da Secretaria de Transportes: 75% é aplicado em infraestrutura para os automóveis – como mostra esse infográfico produzido pelo ITDP México.

“Nenhuma outra área norteia seus preços de maneira tão irracional, ultrapassada e desperdiça tanto dinheiro quanto a mobilidade urbana”, disse Vickrey. “Quem se locomove de carro não paga pelos congestionamentos que atrasam a maioria, os problemas de saúde pública pelo excesso de poluição e a infraestrutura mais cara per capita em relação aos transportes públicos ou não motorizados”, explicou o economista.

Mas aí surgem mais questionamentos. Será que as ideas de Vickrey são aplicáveis às cidades hoje? É justo começar, agora que a mobilidade já se consolidou priorizando os carros, a cobrar dos motoristas a conta integral pelos gastos sociais dos seus deslocamentos?

Fato é que estamos gerindo mal nossos recursos financeiros, humanos e estruturais. O trânsito só tem piorado – e ele custa caro para São Paulo. De acordo com o médico Paulo Saldiva, 80% dos leitos do Sistema Único de Saúde são ocupados por vítimas dos carros. De acordo com o professor economista da PUC-SP Ladislau Dowbor, perdemos R$ 52,8 milhões todo dia útil, porque os 6 milhões de paulistanos economicamente ativos perdem, em média, 2 horas e 40 minutos se locomovendo pela cidade, tempo que podiam estar trabalhando e produzindo. (leia o artigo de Ladislau Dowbor na íntegra aqui)

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Dentro dessa lógica, pergunto: reajustar a tarifa dos transportes públicos não seria perpetuar uma lógica de mobilidade que já se mostrou ineficaz? Pelo que os usuários de ônibus estão pagando? Certamente não é por um sistema que melhora a cada ano. Ao contrário, estamos consolidando um paradigma de desperdício de dinheiro, em que a maioria arca com os gastos dos deslocamentos da minoria e ninguém sai, fisicamente, do lugar.

Claro que a resposta para esse problema não é simples. Esse, aliás, é um texto com muito mais perguntas do que respostas. Acredito que estamos nos deparando com a falência de um modelo de mobilidade – e está na hora de inventar um novo, de preferência norteado claramente pelo bem-estar das pessoas. Para terminar, cito o discurso de posse do ex-prefeito de Bogotá Enrique Peñalosa em 1998, que acho inspirador para a discussão.

“Mobilidade é uma questão política. Os aspectos técnicos são fáceis de resolver. Difícil é escolher, politicamente, quem será beneficiado”.

*O blog Cidades para Pessoas faz parte da rede Planeta Sustentável.

Natália Garcia é jornalista especializada em planejamento urbano e tem como principal ferramenta de trabalho uma bicicleta dobrável, que usa para explorar as cidades. Criadora do projeto Cidades para Pessoas, ela percorreu 12 cidades pelo mundo (Copenhague, Amsterdam, Londres, Paris, Estrasburgo, Friburgo, Lyon, São Francisco, Portland, Cidade do México, Nova Iorque e Barcelona) em busca de boas ideias e boas práticas de planejamento urbano que pudessem inspirar cidades brasileiras. Esse blog compila ideias apuradas durante essa experiência e reflexões sobre suas possíveis aplicações às cidades brasileiras. O Cidades para Pessoas é o primeiro projeto jornalístico do Brasil a ser financiado colaborativamente pela plataforma Catarse.me.

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