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Os segredos da Wicca

O culto à Deusa Mãe dissemina o resgate do sagrado feminino, enaltecendo valores como o equilíbrio entre os gêneros, a diversidade e o respeito à natureza

Por Texto: Raphaela de Campos Mello
Atualizado em 20 dez 2016, 22h52 - Publicado em 27 set 2013, 17h47
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Você pode não acreditar em bruxaria, mas que ela existe, ah, existe! Os seguidores da wicca – também chamada de paganismo, religião da Deusa ou a Arte – são pessoas absolutamente comuns, envolvidas com as mais corriqueiras ocupações. Esse aspecto mundano por si só já serve para dirimir dúvidas, desconfianças e distorções. Sim, muito mal-entendido ainda ronda a devoção à Deusa Mãe, divindade feminina criadora de tudo e de todos e manifesta pelas forças da natureza. “A bruxaria moderna é uma religião inspirada nos antigos cultos précristãos que remontam às Eras Paleolítica e Neolítica, em que as crenças religiosas centravam-se no culto ao feminino e aos mistérios da fertilidade”, explica Claudiney Prieto, precursor dessa tradição no Brasil e autor de Wicca – A Religião da Deusa (Alfabeto), referência entre os seguidores.

Neste exato momento, magos, caldeirões, poções e vassouras mágicas devem estar flutuando em sua tela mental. Faz todo sentido. Os fundamentos filosóficos e religiosos da wicca resgatam crenças e rituais praticados pelos celtas, outrora habitantes da Inglaterra, da Irlanda e do País de Gales. A corrente dispensa dogmas, liturgia prescrita e a necessidade de erguer templos, embora siga preceitos e práticas estabelecidas, que podem ser vividas em grupo ou isoladamente, em casa ou ao ar livre, sempre visando ao contato com o poder universal feminino.

É por isso que o cerimonial wiccaniano reverencia, por exemplo, a passagem das estações do ano ao longo de oito celebrações, os sabbats solares, bem como a entrada de cada lua cheia nas festividades chamadas esbats lunares, além de plantios e colheitas.

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Os adeptos também se valem de formulações à base de óleos e ervas destinadas à cura do corpo e às demandas do espírito, rotina denominada magia natural, cujo objetivo é purificar o ser e os ambientes, assim como direcionar o foco interior para a realização de propósitos dos mais diversos, por meio da emanação de energia, sentimento e intenção. “Também cultuamos o deus fertilizador da terra e o Sol, complemento da Deusa, associada à Lua, e por ela criado”, emenda Prieto. Para entender a raiz de tamanha adoração ao feminino, é preciso retornar aos primórdios e se colocar na pele da civilização que, àquela altura, enxergava a vida sob uma ótica mágica. Naquele tempo, os homens se dedicavam à caça e à pesca enquanto as mulheres, além de gerenciar a vida doméstica, eram grandes sacerdotisas e xamãs, ou seja, detentoras do poder religioso. O respeito ao feminino estava diretamente ligado aos mistérios da procriação, uma vez que os varões ainda não tinham associado o ato sexual à concepção e, portanto, entendiam a chegada dos bebês como uma encomenda divina. “Os homens ancestrais acreditavam que as mulheres engravidavam deitadas ao luar, pelo poder da Grande Deusa, personificada pela Lua. Foi a partir daí que o conceito do ‘princípio divino feminino criador’ passou a existir e prevaleceu durante milênios”, contextualiza o estudioso. Não por acaso, dessa época datam estatuetas arqueológicas de mulheres robustas, dotadas de seios e ancas fartos, símbolos da fertilidade.

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Valores em alta

Com o advento do patriarcado e a tomada de consciência do poder reprodutor masculino, o culto à Deusa Wicca e aos valores femininos passou a ser severamente reprimido – basta lembrar a caça às bruxas na Idade Média, então vistas como promotoras de práticas demoníacas, deturpação, aliás, que ainda vigora em muitos meios. Seguidores e estudiosos da wicca creditam a perda de prestígio e de validação social e espiritual da mulher à ascensão do cristianismo e sua crença num Deus masculino e soberano. Para se ter ideia, na Inglaterra e em outros países europeus, as últimas leis contra a bruxaria foram revogadas somente em 1951. No entanto, a censura oficial não impediu que adeptos se organizassem secretamente, mantendo o paganismo ativo por séculos.

Foi assim que a tradição chegou aos dias de hoje, mais valorizada que nunca, sobretudo pelos jovens, haja vista a reformulação em curso de valores e relações afetivas, familiares, profissionais e coletivas. O número de convertidos vem crescendo nos últimos 15 anos, sendo o Brasil uma das principais vozes do movimento pagão mundial. Tal interesse se explica, segundo Prieto, pelo fato de que o planeta atravessa um período de enaltecimento da ampliação não só das consciências ética e espiritual como também do autoconhecimento, o que resulta em maior respeito à diversidade, à igualdade, à cidadania e ao meio ambiente – todas essas diretrizes preconizadas pela wicca. “As minorias se identificam com essa religião porque se sentem acolhidas. Aqui não há  preconceito de espécie nenhuma”, ele destaca, e enfatiza: “Nosso único dogma é: ‘Faça o que quiser, desde que não faça mal a nada nem a ninguém’ ”.

No dia a dia, os pagãos se mantêm sintonizados com o divino e com as forças da natureza em tempo integral. Isto é, quem cultua a Mãe Terra vislumbra sua presença e sabedoria em tudo: nas lunações, nas árvores, em rios, mares, pedras, animais e também dentro de nós, crias dessa potência geradora da vida. Em termos práticos, o poder do feminino – presente nos homens também, é bom lembrar – se traduz pela capacidade de criar, intuir, nutrir, transformar, moldar e acolher, mas, ao mesmo tempo, desafiar, ensinar e se posicionar, como expõe a educadora Jussania Peres, sacerdotisa da Tradição Diânica Nemorensis – ramo da bruxaria que admite sacerdotes de ambos os sexos – e facilitadora do grupo Encontros com a Mãe Terra, ao lado da estudante de psicologia Jennifer Santos e da assistente social Julia Gouveia, também sacerdotisas da mesma linhagem, de São Paulo.

No entanto, apesar de pulsar em cada mulher, a força da Deusa pode estar adormecida, alerta Jussania. “A maioria ainda se encontra ferida, reprimida, contida, alheia ao próprio poder, uma vez que ele foi embotado ao longo da história pelo domínio masculino”, diagnostica. Outro desajuste muito comum, aponta Jennifer, diz respeito ao enrijecimento frente às cobranças do mundo corporativo e também devido à disputa de poder dentro dos relacionamentos conjugais. Polarização esta que afasta a mulher do seu potencial criativo, agregador e intuitivo, mas que é perfeitamente reajustável. “Como sacerdotisas, somos as guias, aquelas que mostram o caminho para que a mulher possa se apoderar da sua essência e, com isso, desabrochar, libertando-se da tendênciaa depender da validação de referências externas”, sublinha Jussania. O despertar pode se iniciar por meio da leitura de obras relacionadas ao tema, da visita a rituais públicos ou por meio da adesão a círculos de mulheres, como o promovido pelo trio. “Nos Encontros com a Mãe Terra, acessamos o poder da Deusa de formas lúdicas, meditativas e reflexivas”, afirma Julia. As iniciadas garantem: a exemplo da Mãe primordial, sempre é tempo de semear e renascer.

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Dicas para ativar sua deusa interior

• Em casa, monte um pequeno altar com uma imagem, flores, incensos e velas. A ideia é compor um cenário para os momentos de reflexão e meditação, pontes com o sagrado.

• Dance. Solte os quadris e ombros, libere a tensão do pescoço e sinta a música conduzir os movimentos. A energia que tomará seu corpo lhe dará prazer, alegria, confiança e presença em si mesma.

• No dia a dia, procure gerar somente pensamentos positivos em relação a si própria. Uma ótima ginástica para a autoestima é se olhar no espelho e gostar do que vê, lembrando-se sempre de reconhecer suas qualidades e potenciais. 

• Deixe a figura de uma deusa, uma pedra ou um vaso de planta sobre a mesa de trabalho, pois eles ajudam a alterar a frequência mental e acessar o divino.

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