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O poder de cura do amor

Psiquiatra e psicoterapeuta José Ângelo Gaiarsa defende que só o estado amoroso desmancha o adulto que somos e nos faz voltar a ser criança

Por Texto: José Ângelo Gaiarsa
Atualizado em 20 dez 2016, 22h38 - Publicado em 6 ago 2014, 18h03
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Vamos falar sobre o poder de cura do amor. O amor como terapia ideal; ou, mais ainda, como a única força capaz de nos humanizar. Terapia no melhor signifcado da palavra: como alcançar altos níveis de consciência, de percepção, de sensação – de vida. Porque só o estado amoroso é capaz de nos fazer crianças outra vez, de apagar instantaneamente todos os condicionamentos sociais, de realizar o que nos disseram todos os iluminados: ‘Se não fores como crianças, não entrareis no Reino de Deus…’.

Nos momentos de contato profundo ou de comunhão emocional, temos sentimentos de adolescente e sensações de criança. São momentos altíssimos da vida. Ter sensações de criança quer dizer sentir muito prazer sem culpa, sem vergonha e sem medo, na mais completa inocência. Ter sentimentos ou emoções de adolescente quer dizer reviver o eterno tema Romeu e Julieta – a revolução que nunca permitimos que aconteça, porque nosso mundo persegue e reprime o amor mais do que qualquer outro sentimento.

Muitos usam essas duas declarações com sentido contrário ao que elas têm. A inveja da felicidade amorosa é a pior inveja do mundo, e a mais frequente. Ninguém pode ver alguém feliz amorosamente, pois essa visão faz perceber, no ato, o vazio e o sem sentido da vida sem amor. E logo se ouve: ‘Você parece criança’, ‘Você parece um adolescente’.

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Tornar-se criança é a essência da força curativa do amor, a maior mágica do estado amoroso. Minha criança é o melhor de mim, é o mais vivo, o  mais plástico, o que ainda pode ver as coisas de outro jeito. Então, vou preservar essa criança o mais que eu puder, e, se o amor faz esse milagre, vou agradecer de joelhos o poder de me sentir criança de novo para recomeçar tudo em outra base. É o que se espera de uma psicoterapia perfeita. Desmanche todo o adulto, que ele é a soma de condicionamentos incorporados. Volte a ser criança e comece tudo de novo. ‘Se não vos fizerdes crianças de novo, não entrareis no Reino de Deus…’

Mais uma qualidade mágica do encontro amoroso é a individualização. Quando duas pessoas se olham amorosamente, saem ambas da multidão anônima. Você sai do uniforme, eu saio do uniforme. Você está sendo você e eu estou sendo eu. Uma das poucas ocasiões da vida em que se experimenta esse encontro tipo “olhos nos olhos”. Alguém me reconhece de forma profunda como eu mesmo, não como irmão, tio, oficial, médico. Atenuam-se as máscaras, desaparecem as categorias. Encantamento é o que sentimos ao perceber até que ponto o outro é vivo e até que ponto sou – estou – vivo. Amor não é cego – é lúcido.

Nós vivemos o dia inteiro tendo desejos, dos quais muito poucos são realizados, e quanto mais erótico ou fora da nossa rotina, pior para ele, porque vai ser excluído, negado, reprimido. As pessoas sabem o que precisam fazer – o que lhes falta. O que precisam é de coragem e decisão para enfrentar os outros.

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