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Meditação Vipassana: um relato de dez dias em profundo silêncio

Imagine ficar dez dias sem falar, sentada na mesma posição. Esse é o caminho para aprender a Vipassana, técnica de meditação para acalmar a mente e encontrar o equilíbrio

Por Renato Mendes
Atualizado em 20 dez 2016, 21h48 - Publicado em 9 Maio 2012, 16h48
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Dhamma Dipa, ou Ilha de Dama, é o nome do retiro de meditação Vipassana, uma propriedade rural situada na pequena cidade de Hertfordshire, região oeste da Inglaterra. Sua localização em local tranquilo é ideal para quem quer encontrar a paz por meio da meditação. Desde 1991, mais de dez mil pessoas de todas as partes do mundo já passaram pelo retiro. Com capacidade para acomodar 70 estudantes, o local é mantido pelas doações dos que por lá passam. O ônibus, que sai de Londres, após três horas e meia de viagem encosta na estrada para que os passageiros desçam em meio à vegetação de intensa cor verde.

No caminho de dois quilômetros até o retiro, todos conversam em inglês. Pessoas da África do Sul, Itália, Índia, Rússia, do Brasil, de Portugal e da inglaterra trocam experiências de vida e contam como vieram parar ali. É quase uma espécie de despedida do corriqueiro ato de falar, já que nos próximos dez dias todo tipo de diálogo está estritamente vedado, em qualquer momento do dia, assim como olhar diretamente para os olhos de outro meditador. Segundo os ensinamentos desse tipo de meditação, esse período é o tempo necessário para aquietar a mente e assim prepará-la para os próximos estágios do trabalho.

Em sânscrito, Vipassana significa ver as coisas como elas realmente são. A técnica de meditação indiana existe há muitos séculos e é definida como um processo de transformação interna realizado através da auto-observação. O objetivo é estabelecer uma profunda conexão entre a mente e o corpo, por meio da percepção das sensações que emanam de cada um. O resultado é a dissolução de impurezas mentais e, consequentemente, a conquista do tão almejado equilíbrio.

A técnica não é sectária, ou seja, é transmitida sem nenhuma ligação com preceitos religiosos. Abstinência sexual – os alojamentos de homens e de mulheres são separados, bem como os refeitórios – e a proibição do consumo de cigarro e álcool são normas inflexíveis. O contato com o mundo exterior também é proibido: celulares e livros são guardados até a conclusão do curso. Todos no retiro são submetidos a uma dieta vegetariana bastante leve. O cardápio sem carne cumpre um papel importante no processo de aprendizagem: desintoxicar o organismo.

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O dia começa cedo, às quatro horas da manhã, e termina às dez da noite, quando se apagam as luzes dos dormitórios. O programa impõe 11 horas de meditação diária, com intervalos para refeições, descanso e instruções da técnica, que são dadas em híndi, idioma oficial da Índia, e inglês. As regras alimentares e de abstinência proporcionam condições físicas e mentais únicas para o desenvolvimento de uma percepção aguda sobre o corpo.

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A prática anapana no Dhamma Hall

 

O curso tem início no Dhamma Hall, onde acontece grande parte da aprendizagem. Esta sala de meditação, silenciosa e calma, é ampla e acarpetada. Nas paredes não existem imagens. A luz incide no interior do espaço através de janelas de um metro de altura, posicionadas na parte superior das paredes laterais da sala, ocupando toda a sua extensão. Os estudantes utilizam almofadas e cobertores para se manter relativamente confortáveis e aquecidos enquanto meditam na posição de lótus. A técnica de meditação Anapana é introdutória e visa ao treino da concentração por meio da observação da respiração, de seu fluxo de ar e da sua temperatura. O foco é estimulado com mantras indianos e palavras de incentivo do professor, tais como: “dedique-se, dedique- se continuamente, pacientemente, persistentemente”.

Após o terceiro dia e muitas horas sentados, com os olhos fechados e a coluna ereta, os praticantes sentem dores por todo o corpo, principalmente nas pernas. A sustentação do tronco exige demasiada força da musculatura lombar e da coluna. O reflexo de tal desgaste físico é uma postura fora do centro. Em uma das quatro paredes do amplo Dhamma Hall ficam empilhadas dezenas de almofadas azuis. Muitos recorrem a elas para ter maior sustentação, colocando-as sob os joelhos e tornozelos, outros utilizam pequenos bancos para meditar.

O cansaço e o sono abatem todos. Nesse ambiente de certo sacrifício, importantes passos são dados em direção ao desenvolvimento da equanimidade, que significa manter o equilíbrio emocional perante qualquer dificuldade ou situação. Muitos pensam em desistir, por causa da dor física ou pelo silêncio lancinante. Quando não é mais possível suportar as restritas condições da meditação no Dhamma Hall, o estudante levanta-se silenciosamente e sai da sala. Um vasto campo, verde e calmo, a poucos metros da entrada principal, é o refúgio da intensa experiência. Lá fora, as pernas encontram no conforto de uma breve caminhada alguns momentos para a recuperação. À medida que o curso avança, a dor torna-se um fator isolado e passa a não interferir de forma permanente na concentração.

Nesse processo de intenso mergulho no silêncio, a mente trabalha sem parar criando “ruídos” a todo instante: palavras, imagens, lugares, cenas do passado, ideias repugnantes, enfim, uma série de elementos que dificultam a quietude, o objetivo final da meditação. Para os adeptos da Vipassana, esses pensamentos desordenados são chamados de Sankhara. No Ocidente, os psicólogos os chamam de obsessivos. Sem o treino da meditação, o aprendiz trava lutas mentais extenuantes consigo mesmo.

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Após lutar contra si mesmo por longas horas, o progressivo cansaço físico e mental faz com que não existam forças para reação, e o aprendiz entra assim em um estado de observação total, sem nenhuma resistência. A equanimidade foi alcançada a duras penas. Desse momento em diante, um processo de catarse tem início e a mente passa a ser limpa, de forma natural. É quase impossível que eles se libertem por completo dos pensamentos e das dores, contudo, a concentração está agora muito mais elevada. A última fase do curso começa.

Interconexão, a última fronteira mental

 

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De maneira geral, a Vipassana busca a interconexão entre a alma e o corpo por intermédio das sensações. A técnica consiste em “escanear” mentalmente todas as partes do corpo e observar atentamente as sensações em determinadas áreas.

É necessário que o estudante imagine uma divisão em pequenas partes e transporte sua consciência até elas. É um exercício de precisão muito difícil. A acuidade mental evolui de forma progressiva até o último dia. Todos se sentem equilibrados e a concentração nos exercícios é total. As dores tornam-se toleráveis. O fim do curso é calmo e estável, como se o tempo não existisse. Após os dias de aprendizado sem nenhum diálogo, as conversas entre os meditadores são permitidas. Elas acontecem de maneira calma e com um tom alegre. A distância em relação ao mundo exterior e a profunda introspecção alcançada modificaram todos. É perceptível

Estar ao lado de uma centena de aprendizes, em absoluto silêncio durante dez dias, sentados, concentrados no firme propósito de ultrapassar seus limites foi algo sublime. Neste momento, após todas as trocas de experiências, a alegria que as pessoas sentem por terem conseguido superar os limites da dor e finalmente ultrapassado as barreiras mentais, que sequer sabiam que existiam, é tão grande que as palavras não fazem mais sentido. É hora de preencher o vazio com o silêncio e regressar ao mundo exterior.

Para saber mais

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Vipassana Brasil

Dhamma Dipa

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