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Leonardo Boff e o Ponto Deus no cérebro

Em seu livro O Cuidado Necessário (editora Vozes), Leonardo Boff amplia a defesa de que apenas atitudes de zelo vão garantir a nossa sustentabilidade. Conheça sua teoria.

Por Texto: Leonardo Boff
Atualizado em 14 dez 2016, 12h15 - Publicado em 18 nov 2013, 19h15
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Espiritualidade é o cultivo daquilo que é próprio do espírito, sua capacidade de projetar visões unificadoras, de relacionar tudo com tudo, de ligar e religar todas as coisas entre si e com a fonte originária do ser. É toda atitude e atividade que favorece a expansão da vida, a comunhão. É cultivar aquilo que Pierre Teilhard de Chardin chamava de Meio Divino, no qual existimos, respiramos e somos o que somos. Neurobiólogos e estudiosos do cérebro identificaram que a base biológica da espiritualidade se situa no lobo frontal do cérebro. Verificaram empiricamente este fato: sempre que se captam os contextos mais globais ou ocorre uma experiência significativa de totalidade ou também quando se abordam de forma existencial realidades últimas, carregadas de sentido e que produzem experiências de veneração, de devoção e respeito, observa-se uma alta vibração em hertz dos neurônios. Chamaram esse fenômeno de ‘ponto Deus’, uma espécie de órgão interior pelo qual se capta a presença do Inefável dentro da realidade. Esse ‘ponto Deus’ se revela por valores intangíveis como solidariedade e mais sentido de dignidade. Despertá-lo é permitir que a espiritualidade afore. Portanto, espiritualidade não é pensar Deus, mas senti-lo. Ele é percebido como entusiasmo (em grego significa ter um deus dentro), que nos toma e nos faz saudáveis. No cuidado com a saúde, a espiritualidade possui uma força curativa própria. Potencializa qualidades tão válidas como a inteligência, a libido, o poder, o afeto, e tão positivas quanto amar a vida, ser capaz de perdão, misericórdia e de indignação diante das injustiças do mundo. Além de reconhecer todo o valor das terapias conhecidas, da eficácia dos diferentes fármacos, ainda existe um supplément d’ame, como diriam os franceses, usando uma expressão de difícil tradução, mas rica de significado. Ela quer sinalizar um complemento daquilo que já existe, mas que o reforça e enriquece com fatores oriundos de outra fonte de cura. O modelo estabelecido de medicina não detém, por certo, o monopólio da cura e da compreensão da complexa condição humana, ora sã, ora enferma. É aqui que encontra o seu lugar a espiritualidade. Ela reforça na pessoa, em primeiro lugar, a confiança nas energias regenerativas da vida, na competência do médico e no cuidado diligente da enfermeira ou do enfermeiro. Sabemos pela psicologia do profundo e pela psicologia transpessoal do valor terapêutico da confiança. Confiar dá a entender fundamentalmente que: ‘A vida tem sentido, vale a pena, detém uma energia interna que a auto-alimenta, ela é preciosa. Essa confiança pertence a uma visão espiritual do mundo’ (Waldow, O Cuidado na Saúde). Todos os cientistas sabem que a realidade não cabe totalmente em nossos conceitos. Não raro, os próprios médicos se surpreendem com a rapidez pela qual alguém se recupera. No fundo, é crer que o invisível e o imponderável é parte do visível e do previsível. Força maior é a fé de se sentir sob o olhar bondoso de Deus e de estar, como filhos e filhas, na palma de sua mão. Aqui se aviva o ‘ponto Deus no cérebro’ que se revela em tais convicções. Elas contribuem para a saúde, mesmo na inevitabilidade de um desenlace.”