Edifícios preciosos
Progresso, avenidas, um novo centro. A metrópole em transformação dos anos 40 e 50 abriu espaço para a experimentação de arquitetos. De estilo moderno ou eclético, prédios de concreto assinados por mestres como Niemeyer e Warchavchik até hoje oferecem qualidade a seus moradores

Curvas monumentais, plantas simples
Quem passa pela avenida Rio Branco nota a imponência do edifício, fruto do período mais comercial da carreira de Warchavchik, em que projetou fábricas, sinagogas e clubes, como o Pinheiros. “Não tem o desenho limpo do modernismo. O traçado escultural das sacadas remete ao expressionismo alemão”, observa Joana Mello, professora de história da arquitetura da Escola da Cidade. Encomenda da Companhia Agrícola Cícero Prado, há 50 anos se mantém impecável. Dividido em três blocos de dois apartamentos por andar, tem plantas funcionais. Das unidades de 160 m2 e dois dormitórios, nem todas possuem garagem. “Os apartamentos de hoje são menores e mais compartimentados. O mercado imobiliário atual não supera esses prédios em generosidade de espaço e qualidade de construção”, diz Joana. A forma de U garante que o sol da manhã banhe as fachadas da frente. Dos terraços, avista-se o jardim suspenso sobre a laje da agência bancária ali instalada. “Parece que vivo em uma casa bem ventilada, com o jardim ao alcance”, elogia Eliana Castro, moradora do primeiro andar há 35 anos.
Gregori Warchavchik (1896-1972)
Russo naturalizado brasileiro, formou-se na Itália. Privilegiando funcionalidade e estética, introduziu a arquitetura contemporânea no país. Influenciado por Le Corbusier, em 1925 publicou o manifesto Acerca da Arquitetura Moderna. Projetou e construiu para si, em São Paulo, a primeira casa moderna no Brasil.
Edifício Albertina, Cícero Prado e Cecília
Avenida Rio Branco, 1661, cep: 01205-001
100 apartamentos (a maioria com dois dormitórios, de 110 a 160 m²)
Esplendor restaurado
Até os anos 40, famílias ricas moravam em mansões – apartamentos eram sinônimo de cortiço. Primeiro residencial de luxo da avenida, o São Luiz ficou pronto em 1944. “Ao desenho moderno, sem ornamentos, Jacques Pilon acrescentou características ecléticas a pedido do cliente”, observa José Eduardo de Assis Lefèvre, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e autor do livro De Beco a Avenida:a História da Rua São Luiz. Projetado para banqueiros e fazendeiros, precisava combinar com móveis e objetos europeus, daí o estilo
clássico. Volutas aparecem na fachada, que teve só as partes desgastadas de massa de travertino substituídas, procedimento correto de restauro (veja a diferença de cor na foto). Uma curiosidade: no último piso há lavanderias e quartos de empregados, hoje sem uso. Dos moradores, a maioria solteiros e casais sem filhos, muitos trabalham na redondeza e não sentem falta de garagens. “Moro aqui há 30 anos. Tenho bons restaurantes, farmácias e padaria perto”, conta Elza Gomes, ex-mulher de Tião Maia, o Rei do Gado.
Jacques Pilon (1905-1962)
O arquiteto francês construiu cerca de 60 edifícios no centro, entre eles a Biblioteca Municipal. Projetava com intenção de simplificar o cálculo da estrutura e reduzir o custo da obra. Introduziu grandes vãos nas fachadas, boa iluminação e ventilação e amplas áreas de circulação nas construções de concreto armado.
Edifício São Luiz
Praça da República, 77, cep: 01045-001
22 apartamentos de dois e três dormitórios (de 145 e 240 m²).
Jóia malcuidada
Com visão de espaço moderna, um projeto funcional e bem resolvido, Franz Heep concebeu o Ouro Preto. “O grafismo da fachada muda constantemente, graças ao vai-e-vem das venezianas de correr. Elas permitem abertura total, ou seja, você não se sente confinado no apartamento”, explica o professor da FAU José Eduardo de Assis Lefèvre. O curioso volume menor no topo do prédio obedece ao recuo previsto na legislação. Por trás do aspecto de descaso há histórias de falência. Duas lojas do térreo e o primeiro andar pertencem à Vasp, outras duas lojas e quatro apartamentos à família Fileppo idealizadora da construção, em 1958 , que abandonou os imóveis e deixou de pagar o condomínio. Além da dívida de quase R$ 500 mil, a má conservação dessas áreas gera insegurança. “A Vasp fez uma reforma irregular, que impede até que o aterramento da fiação do edifício seja feito de forma correta”, explica o síndico, Airton D’Alvellos. Deterioradas, as venezianas de ferro aos poucos serão trocadas por outras de alumínio com o mesmo desenho, mas cada condômino deve fazer seu investimento.
Adolf Franz Heep (1902-1978)
Depois de estudar em Frankfurt e em Paris, colaborou no escritório de Le Corbusier. Arquiteto de prestígio, trabalhou com Jacques Pilon em São Paulo.
Fez projetos memoráveis, como o Edifício Itália e a Igreja São Domingos. Detalhista, melhorou o padrão de qualidade das construções nos anos 50.
Edifício Ouro Preto
Avenida São Luís, 131, cep: 01046-001
38 apartamentos (até 210 m²).
Torre de braços abertos
Suas alas laterais sugerem um lance criativo de Oscar Niemeyer. Mas o desenho permitiu, acima de tudo, aproveitar ao máximo o terreno triangular e respeitar a lei de zoneamento e o código de obras. Voltados para a praça da República, os apartamentos dúplex do Edifício Eiffel, pronto em 1956, atraíam a burguesia ao centro novo. Niemeyer prefere não comentar esse período. “Afinal, ele era um arquiteto comunista e seu escritório paulista projetava prédios para o Banco Nacional Imobiliário”, nota Daniela Viana Leal, doutoranda da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autora da tese Oscar Niemeyer e o Mercado Imobiliário de São Paulo na Década de 50. “Foi uma época em que ele experimentou as influências de Le Corbusier e adaptou preceitos do modernismo europeu a nosso país tropical.” Os elementos vazados do Eiffel, por exemplo, garantem ventilação e iluminação. “Tenho uma pitangueira florescendo dentro da sala graças ao sol que entra pelas janelas”, diz o ex-bancário José Albino Lupianhez, que costumava ir a pé ao trabalho, na rua Líbero Badaró.
Oscar Niemeyer
“Você tem as montanhas do Rio em seus olhos”, disse o arquiteto modernista Le Corbusier a Niemeyer. As curvas traçadas pelo carioca foram eternizadas nos prédios de Brasília, como o palácio do Planalto e o Congresso Nacional, no conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte, e em centenas de obras no Brasil e no mundo.
Edifício Eiffel
Praça de República, 177, cep: 01045-904
54 apartamentos dúplex de dois, três e quatro dormitórios
Desenho eclético e democrático
Difícil ficar indiferente ante a construção que ocupa a esquina de frente para a Câmara Municipal de São Paulo. Coroada por uma borda azul e um luminoso, uma sucessão de varandas extensas se exibe em tons de rosa. “Todo prédio reconhecível por nome, apelido, cor tem uma história e é importante”, aponta
Carlos Perrone, autor do livro São Paulo por Dentro. Quando criança, o arquiteto acompanhou as festivas inaugurações dos edifícios de Artacho Jurado. Finalizado em 1956, o Planalto reúne 294 apartamentos (parte deles com garagem), três lojas e conta em torno de mil moradores. “É uma pequena cidade, mas consigo viver em coletividade sem perder a privacidade”, resume
o artista visual Fernando Durão, há 35 anos no condomínio. Ele não tem vizinhos de seu apartamento com vista panorâmica no segundo andar, e divide elevador apenas no sétimo piso, onde mantém um ateliê. “O pé-direito de 3 m e a varanda permitem respirar. Os apartamentos são diferentes, pois Artacho oferecia os espaços e cada um dividia a seu gosto”, explica Durão. Coroa, fachada e salão de festas: o kitsch e hollywoodiano Planalto.
João Artacho Jurado (1907-1983)
Filho de um anarquista espanhol, ele não terminou o primário. Criticado por arquitetos, criou espaços cênicos e livres de estilo. Lançou o marketing no mercado de imóveis, com sua construtora, a Monções (1946). Promovia festas para inaugurar os prédios, oferecia garagens e linhas telefônicas aos compradores.
Edifício Planalto
r. Maria Paula, 279, cep: 01319-909
294 apartamentos. Unidades de um e dois dormitórios (de 74 a 120 m²)