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Coluna do Carlos Solano: Moradas do coração

Do Brasil à Dinamarca, da França a Portugal, existem leis singelas para receber bem convidados e moradores

Por Texto: Carlos Solano
Atualizado em 20 dez 2016, 22h05 - Publicado em 19 ago 2014, 17h34
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Lembrar é fácil para quem tem memória, esquecer é difícil para quem tem coração.” Verdade! Existem moradas que falam ao coração porque são curiosas ou engraçadas ou fora do comum. Eu sei de residências assim, que visitei e nunca mais esqueci.

Dona Lilica é mãe de um amigo meu e mora em uma casa de três andares que mais parece um castelinho, em Belo Horizonte, Minas Gerais. “Tudo aqui é antigo, inclusive eu”, ela brinca. Com 87 anos, sobe e desce escada o dia inteiro. Sobe para deitar, desce para cozinhar, sobe para ver TV, desce para lavar roupa. “Ferramenta encostada enferruja”, diz. Há mais de 60 anos, vive nessa casa-longa-vida “fazendo ginástica” e está ótima do coração e das pernas.

Dando um salto no mapa, vou para Copenhague, Dinamarca. Meu esfuziante amigo Frank vive debaixo de um teto fora do comum: todas as paredes, a partir do rodapé, estão lotadas de quadros. Bonitos. Todos os cômodos estão lotados de móveis e objetos. Bonitos. Frank trabalha com turismo e viaja pelo mundo catando coisas. “Como moro sozinho, a beleza me faz companhia”, declara. Ele mora numa casa-galeria-de-arte e é impossível entrar e não se encantar. Quem disse que quem guarda o que quer tem o que não quer?

Joel é meu amigo francês, um jeito de monge, uma alegria suave. Fui visitá-lo em Fresnoy-en-Thelle, um vilarejo bucólico perto de Paris. Ele falou que morava numa casa florida, mas, quando cheguei, vi só um gramadinho simples na frente. Onde estaria o jardim forido? Mais tarde, Joel me prepara um chá e abre as portas de um alpendre. Ali, em cima da mesa, como num altar, uma arvorezinha bonsai era pura for. Aquela visão deslumbrante me emudeceu. Uma única árvore pode conter a beleza de toda a primavera.

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Chego à cidade histórica de Caminha, Portugal, onde mora a querida Sônia. De lá, vê-se a Espanha do outro lado do Rio Minho. Sônia coleta os seixos do rio e pinta-os para abençoar a casa. Como assim? “As pedras guardam a mensagem das águas, do Sol, da Lua e das estrelas. Com a pintura, reforço isso: coloco uma pedra com um sol de boas-vindas na entrada, pedras com estrelas para inspirar o quarto e uma boa noite de sono, pedras com pássaros que voam livres na sala de conviver…”, ela me conta.

Já Dona Isabel, minha comadre, mora em Montes Claros, também Minas Gerais. Casa muito limpa, chão reluzindo. Toalha engomada branca sobre a mesa da copa, jarro com fores do quintal. Foto antiga dos pais e um oratório na parede. Cozinha com mesa grande, latas e mais latas de biscoitos, quintal com frutas, bichos, rio no fundo. Luxo nenhum, mas fartura de agrados. Na cristaleira da sala, sempre tem um potinho de suspiros, que ela mesma faz, para oferecer às visitas. Simplicidade rima com aconchegado e não austeridade.

Se existe regra para compor a casa do coração, talvez seja apenas cultivar em todos os espaços o seu jeito de ser, rimando com uma vontade boa de bem viver.

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