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Ciranda do afeto

As danças circulares sagradas unem pessoas com o objetivo de celebrar a vida, redescobrir o prazer de pertencer ao corpo social e nele semear o amor fraterno.

Por Texto Raphaela de Campos Mello | Design Larice Peskir | Fotos Luciana Cristhovam
Atualizado em 20 dez 2016, 18h21 - Publicado em 27 fev 2013, 13h04
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Virada para cima, a palma de uma das mãos se prepara para receber o próximo; a da outra, voltada para baixo, se apruma para ser acolhida. A roda está selada. Um pacto de firmeza e ternura anima as danças circulares sagradas, modalidade coletiva instituída pelo bailarino e coreógrafo alemão Bernhard Wosien (1908-1986). Desde tempos longínquos, a humanidade entrelaça as mãos para reverenciar a vida e suas múltiplas passagens: nascimentos, casamentos, mortes, plantios, colheitas, batalhas, chegadas e partidas das estações do ano. O costume, que servia de elo entre os integrantes de uma comunidade e também entre eles e a esfera divina, perpassa o acervo das mais diversas culturas. Nos anos 50 e 60, Wosien, imbuído do espírito de pesquisador, percorreu os mais remotos vilarejos recolhendo indícios dessas manifestações. Em 1976, foi convidado pela direção da Comunidade de Findhorn, no norte da Escócia, para transmitir aos residentes da localidade a coletânea de gestuais simbólicos atrelados a músicas folclóricas. Nascia aí, formalmente, o movimento hoje cultuado no mundo todo e bailado ao som tanto de canções antigas quanto atuais, estrangeiras e nacionais. Cada coreografia reverbera uma intenção, seja emanar boas vibrações para o planeta, expressar gratidão por aquilo que recebemos diariamente, reverenciar os quatro elementos – terra, fogo, água e ar –, seja atiçar nossa criança interior, além de muitas outras temáticas. Parte das composições induz a meditações em movimento, uma vez que silencia o íntimo, estimulando a autopercepção. Já as versões festivas desencadeiam a alegria e a extroversão. Algumas são reproduções fiéis de danças tradicionais; outras, criações contemporâneas “patenteadas” pelos autores. Em ambos os casos, a origem e a autoria das sequências devem ser mencionadas aos presentes com o intuito de reforçar a preciosidade desse material.

As danças trazem à tona impulsos ancestrais e levam à experiência do sagrado.

a visão da psicóloga Tania Pessoa de Lima, que, desde 2006, coordena grupos de danças circulares no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (Ipusp), a comunhão silenciosa entre os participantes se perpetua como a essência desse encontro. “O ser humano vem dançando em círculo desde o paleolítico superior, época em que ainda não tínhamos desenvolvido a comunicação verbal. Portanto, penso que essa necessidade venha ao encontro da possibilidade de comunicar o que não pode ser dito de outra maneira”, afirma ela, que acrescenta: “A participação na dança circular pode gerar vivências em diferentes níveis, e um deles é indizível. Essa experiência difícil de ser descrita é a experiência do sagrado”. Daí o porquê da  denominação. Focalizadores – aqueles que orientam e conduzem a roda – e praticantes se engrandecem de inúmeras maneiras. Os relatos, em sua maioria, transbordam a emoção de quem foi tocado por algo mágico, ou, se preferir, sacro, divino, transcendente. O arquiteto mineiro Carlos Solano, autor da coluna Casa Natural, veiculada durante dez anos na revista BONS FLUIDOS, testemunhou esse momento ímpar em sua estada de oito meses em Findhorn, na Escócia, em 1984, ocasião em que participou de workshops e grupos de estudos dedicados ao tema. No primeiro encontro, presenciou uma inesquecível cena: “Havia no salão cerca de 40 pessoas de diferentes idades e nacionalidades. Uma hora depois, aquela coleção de desconhecidos havia se transformado num grupo humano de seres que sorriam, conversavam e se abraçavam animada e amigavelmente”, relembra. Completamente cativado pela modalidade capaz, segundo ele, de nos colocar em contato com conteúdos primordiais da alma e de extrair do humano suas melhores qualidades na direção do outro e do mundo, Solano chegou a ser orientado pela inglesa Anna Barton, discípula de Bernhard Wosien, imersão que fez dele o primeiro instrutor certificado da modalidade no Brasil.

Como a dança une as pessoas?

Além de representar a totalidade – matriz para onde convergem nossos potenciais internos –, o círculo reforça a ideia de equanimidade. Uma vez formado em torno de um centro, possibilita que todos os pontos que o constituem experimentem a mesmíssima sensação de pertencimento. Nem mais nem menos, já que, a exemplo do Universo, tudo e todos estão interligados. De acordo com a terapeuta holística e focalizadora Simone Silvestrin, de São Paulo, a roda substitui a competição pela cooperação, o julgamento pela aceitação, o medo pela confiança em si e no outro. “Ali somos todos iguais, independentemente da cultura, e, ao mesmo tempo, cada um pode ser o que é”, diz ela. “Ao dançar, desenhamos formas harmônicas no espaço, ligadas a sons igualmente harmônicos, verdadeiras  mandalas humanas em movimento, que nada mais são do que reflexos do nosso interior”, complementa Mônica Goberstein, uma das precursoras do movimento no Brasil, fundadora do SemeiaDança – Danças Circulares e da Paz Universal, na capital paulista. Ganhos de concentração, equilíbrio, coordenação motora e ritmo são certeiros. Mas, na visão de Mônica, a assimilação proporcionada pela modalidade é muito mais abrangente. “Trata-se de apreender muito mais do que aprender. Amplia-se a percepção de si mesmo, do vizinho, da roda, dos erros e acertos, da vida. Enfim, há um crescer interno”, assegura ela. Beneficiado por todas essas camadas de bem-estar, o revisor paulista Sidney Cerchiaro dedica as manhãs de quarta-feira às danças circulares. “Elas me dão a oportunidade de refletir, trabalhar a espiritualidade e esquecer as preocupações”, revela. E complementa: “A prática devolve o ritual ao cotidiano e faz com que nos sintamos parte do Universo”.

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Onde fazer dança circular?

 

Confira onde praticar danças circulares, gratuitamente, em cinco estados:

 

Igrejinha da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Trindade, Florianópolis, às quintas-feiras, das 10 às 11h30. Tel. (48) 3282-1944.

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Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Urca, Rio de Janeiro, às sextas-feiras, das 10 às 12 h, na sala de ginástica. Tel. (21) 2275-5939.

Parque Farroupilha, Farroupilha, Porto Alegre, primeiro e terceiro sábados do mês, das 10 às 11h30, na sala multiúso. patipreiss@gmail.com.

SemeiaDança, Igreja de Santana, São Paulo, às segundas-feiras, das 14h45 às 16h15; e Parque Lions Tucuruvi, às terças-feiras, das 8h30 às 10h30. monicagoberstein@yahoo.com.br.

Praça Rosinha Cadar, Santo Agostinho, Belo Horizonte, todo primeiro domingo do mês, às 16 h. dancasagrada@hotmail.com. Mais informações no site.

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