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Carlos Solano: Só é duradouro aquilo que se renova

Carlos solano coordena a campanha Vamos Plantar Um Milhão de Árvores e pesquisa com devoção a cultura popular, as terapias da casa, a ecologia e o bem-estar

Por Carlos Solano
Atualizado em 21 nov 2022, 01h47 - Publicado em 2 Maio 2013, 13h16

Carlos Solano arquiteto

Em um encontro muito especial no sertão mineiro, a velha nova lição de como ser gentil com o espaço que nos abriga

Cá estou eu, viajando pelo sertão de Minas em busca de dona Francisca, minha ex-faxineira-rezadeira, que faz quitutes, borda, inventa moda e ainda dança roda com a meninada na beira do rio… Imagino a cena e começo a cantar: “Sapateia no terreiro, ó peão!” Sapatear tira a poeira velha dos pés, deixa a vida mais leve, diria Francisquinha, que dá comprovação de tudo: “Para se aliviar, junte coisas miúdas da casa ou do jardim ao redor, como se juntasse tudo o que pesa no seu coração, e enterre num vaso de barro. Depois, plante algo bonito por cima e mentalize suas alegrias. Se o peso voltar, lembre: está enterrado!”

Para Francisca, os rituais que preservam o afeto renovam a vida. Passa boi, passa boiada, passa feira de beira de estrada com figuras de barro encantadas, noivas, sereias, cavaleiros… “Mostra a tua figura, ó peão!”, sigo cantando… E vem a lembrança: “Onde Deus passa, nada embaraça!”, dizia dona Francisca. “Para se libertar das coisas não `justificadas¿, mostre tudo para o divino! Imaculada Senhora, pela Vossa conceição, ouve a quem Vos implora, com vozes do coração.” Depois da faxina, Francisca acendia velas para os quatro arcanjos: Rafael (verde, pela cura), Gabriel (lilás, pelas mudanças), Miguel (azul, pela verdade), Uriel (amarela, pela luz). No centro de todas, a vela branca para o anjo da guarda.

Passam casinhas coloridas, pracinha com árvores floridas, cheiro de biscoito feito em casa… “Faça uma cortesia, ó peão!” Foi cantar e lembrar: “Você sabe abrir o céu para a casa?” Francisca me perguntou um dia. “É um gesto bonito, de cortesia para a vida.” Se eu falasse que sabia era mentira. “De pé, levante os braços em forma de cálice e imagine abrir o céu sobre a sua casa. Por esse gesto santo você abençoa a família. Inclua, depois, as pessoas, bichos e plantas que têm a vida ameaçada, pois o mesmo céu nos unifica e nos protege”, dizia ela.

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Passa ponte estreita, passa lavadeira com trouxa na cabeça… Dia de faxina era dia dos famosos “banhos de casa” de dona Francisca. “Olha o Banho da Renovação!”, ela me reaparece no pensamento: Cinco flores de laranjeira (levanta o ânimo), duas folhas de limoeiro (desintoxica), pétalas de girassol (ilumina a vida), um galhinho de arruda (inseticida/espanta o negativo), seis folhas de hortelã (digestiva, abre caminhos). Faça um chá com tudo isso, misture na água da faxina e passe com pano de chão pela casa. Antes, abra as mãos sobre a água, abençoando. No final, mude móveis e quadros de lugar para criar um novo jeito de existir no mundo.

Opa, é aqui! Cheguei! “Ô de casa, por Nossa Senhora, dai-me de comer senão eu vou-me embora!”, disse brincando e fui logo entrando. “Tá tudo muito satisfeito hoje!”, dona Francisca surgiu sorridente. Chorei largado! “Dona menina, por que sumiu desse jeito?”, abracei a minha querida. “Vim te buscar, me ajude a renovar”, eu disse.

Salamaleques à parte, dona Francisca fez cara de surpresa feliz: “Vou lhe confessar uma coisa, mas ponha amor nas minhas palavras… Para renovar, basta deixar a vida rodar…” Pra ela, a vida é como uma dança de roda, tudo gira, muda, passa… Mas cada tempo tem sua alegria. “O possível se repete. O impossível existe na duradoura alegria que se renova.”

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