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Carlos Solano: Há muitas formas de benzer

Lembra dos benzedeiros que tiravam todo o mal do corpo e do coração? Ainda há quem reze e abençoe assim. Conheça melhor esta prática

Por Texto: Carlos Solano
Atualizado em 20 dez 2016, 16h56 - Publicado em 16 abr 2014, 17h03
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Benza a Deus, chegou dona Francisca faxineira! Entrou dizendo: “A bênção, meu filho, Deus te faça feliz”. Só ela para me explicar uma coisa que ultimamente anda acontecendo: para todo canto que eu olho vejo um coração… No pingo d’água do chuveiro, na pedra e na folha do jardim, em um papel caído no chão… Que tipo de recado será esse? “Não existe coincidência, existe providência!”, ela diz. E, para me apaziguar, me levou na casa de Fernando e Tantinha, raizeiros e benzedeiros de primeira. O coração em paz entende melhor o sentido das coisas.

Quando dei fé, Fernando, de sorriso largo, já começava a me benzer. No dicionário, benzer significa “fazer o sinal da cruz para consagrar ao divino” ou, ainda, “invocar a proteção do céu sobre pessoas ou coisas”. Fernando separa um copo com água e um raminho verde. Dentro do copo, um objeto sagrado para transformar a água comum em benta (no caso dele, uma cruz herdada de um mestre benzedor). Depois, pede a Deus para se tornar um instrumento da Sua paz. “Quem faz é Deus, o homem só copia…”, Francisca me fala ao pé do ouvido. Fernando molha o raminho na água fazendo com ele o sinal da cruz da minha testa ao peito e do meu ombro esquerdo ao direito, três vezes. Ao mesmo tempo, reza: “Com dois te puseram, com três eu tiro, com a Santíssima Trindade, com ramo verde e água fria, com um pai-nosso e ave-maria”. Então, me pede para jogar a água para trás e o ramo verde no chão, entregue à terra (estávamos numa área externa da casa). Põe a mão na minha cabeça e abençoa. Senti como se o meu coração descansasse no colo do mundo. “Para praticar o benzimento não é preciso dons especiais, só a vontade de ajudar o outro”, fala Tantinha. Isso é o que não falta a esse casal que criou o Ervanário São Francisco de Assis, em Belo Horizonte, Minas Gerais, auxiliando pessoas carentes com chás, tinturas e pomadas.

E vamos de prosa, pois até aprendi a benzer a casa. Com um copo d’água na mão, entramos em cada cômodo colocando dentro do copo um pedaço de carvão vegetal e rezando. Se o carvão afunda, quer dizer que o “clima” ali está pesado. Então, coloca-se outro até um deles flutuar, ou seja, o lugar ficar mais “leve”. Tantinha faz a varredura aprendida com a mãe usando alecrim: “Na Sexta-Feira Santa, ela varria o teto de cada cômodo, dos cantos para o centro. Depois, descia a vassoura do centro do teto até o chão e daí para fora da casa para tudo ficar mais puro e feliz”. Comprovei. Só de entrar na casa o meu coração se alargou.

Mas ainda não entendi: por que vejo tantos corações? “Porque mais vale um gosto do que um caminhão de abóboras!”, arrisca Francisquinha. Os benzedeiros têm outra opinião: “Ofício é benefício, ou seja, independentemente do seu ofício, faça sempre benefícios. Somos abençoados quando, amorosos, fazemos o bem. Esse é o recado”. Mas quem me manda esses recadinhos misteriosos? Francisca aponta o céu e diz: “Tem Gente lá em cima que aprecia por demais falar com o coração”.

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