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Aprenda a se livrar aos poucos do vício virtual

Três pessoas contam como lidam com a tecnologia e quão preso estão (ou não) a ela. E você? Será que já está viciado? Descubra e livre-se.

Por Texto Patricia Bernal | Direção de arte Camilla Frisoni Sola | Design Luciana Giammarino | Fotos Célia Mari Weiss | Reportagem fotográfica Carla Zullo
Atualizado em 20 dez 2016, 18h30 - Publicado em 1 set 2012, 19h00
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Você já deve ter reparado que tem muita gente sempre teclando alguma coisa no celular ou no notebook. Seja em casa, na rua, no trabalho, no metro, seja no café, quando estão sozinhas ou até mesmo acompanhadas. “A tecnologia e a internet nos possibilitam acesso ilimitado ao mundo, não importam a hora e o lugar”, fala o jornalista americano Willian Powers, autor do livro O Blackberry de Hamlet (Editora Alaúde). Tamanho grude não é difícil de entender: o advento da internet, com ou sem fio, e o desenvolvimento a galope da tecnologia possibilitaram o surgimento de aparelhos cada vez mais sofisticados, capazes de reunir todas as mídias num único lugar. Com apenas um toque e o acesso a uma infinidade de programas online, dá para tirar foto, fazer filme, escutar música, acessar as redes sociais, assistir a programas de TV, editar documentos, jogar com pessoas conectadas ao redor do planeta… É um universo e tanto a ser desvendado, algo que nos envolve de tal forma que, quando percebemos, passamos horas e mais horas com os olhos grudados na tela do computador, clique após clique. Afinal, ao contrário das mídias que têm começo, meio e fim, como jornais, livros e revistas, na web sempre há outro site a ser encontrado, mais um e-mail para abrir, uma imagem para ver, uma nova música para baixar, e assim por diante.

 

Só para ter uma ideia, pesquisa do Instituto Ibope Nielsen Online de junho de 2012 mostrou que a população brasileira é a campeã mundial quando o assunto é o tempo gasto na internet. São 44 horas mensais, contra as 39 horas dos franceses e as 35 horas dos japoneses e americanos. “À medida que as tecnologias invadiram a rotina, o contato com o computador deixou de ser um fato ocasional e o número de atividades virtuais e o tempo conectado na web aumentaram de maneira significativa”, explica o psicólogo Cristiano Nabuco, autor do livro Dependência da Internet – Manual e Guia de Avaliação e Tratamento (Artmed) e coordenador do Programa de Dependência de Internet do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

 

O resultado dessa eufórica paixão é uma vida cada vez mais frenética, tumultuada e, muitas vezes, solitária. E pouco importam faixa etária, nível educacional e estrato socioeconômico – o vício virtual pode atingir qualquer pessoa. Afinal, os custos das conexões são relativamente baixos, é possível ter acesso aos mais diversos conteúdos 24 horas por dia, sete dias por semana. “Sabemos que o cérebro gosta do acesso ilimitado, sem restrição de tempo ou de espaço”, constata Nabuco. “O uso da tecnologia traz euforia e bemestar e pode produzir a liberação de dopamina, neurotransmissor associado à sensação de prazer.”

É bom ser multtitarefa

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Em meio a esse fuzuê tecnológico, acabamos nos tornando seres multitarefa. Será que isso é bom ou ruim? Para Jonah Lehrer, autor do livro How We Decide (ainda sem tradução para o português), estimular o cérebro de diferentes maneiras pode nos tornar mais criativos e abertos a novas ideias. Ou seja, entrar em um website de viagens, verificar a conta bancária, enviar um e-mail e depois ler o Twitter nos deixa mais ágeis. Por outro lado, quanto mais ferramentas tecnológicas, mais ficamos sobrecarregados, e pouco a pouco a jornada de trabalho parece insuficiente. “Esse ritmo mental acelerado tem prejudicado nossa capacidade de concluir cada tarefa com sucesso”, completa Nicholas Carr, autor do livro A Geração Superficial – O Que a Internet Está Fazendo com os Nossos Cérebros (agir). “Por exemplo, quando estamos online, entramos em um ambiente que promove a leitura descuidada, o pensamento apressado e distraído e o aprendizado superficial.” De acordo com os especialistas no tema, alguém multitarefa dificilmente consegue filtrar as coisas que não são importantes, anseia por informações e não consegue compreender todas bem. Por isso, quando você estiver como um malabarista fazendo uma centena de coisas ao mesmo tempo, observe se está realmente realizando o que se propôs ou se está distraída e executando tudo de forma automática.

O efeito das redes sociais na nossa vida

 

Embora pareçam inofensivas, as redes sociais, como Facebook, Twitter, Instragam, Linkedin, entre outras, são um dos grandes atrativos – e distrativos – da internet. “O ser humano sempre desejou se conectar socialmente, interagir e se comunicar, isso é biológico. E todas as formas de comunicação via internet e mídias digitais são, em parte, uma extensão eletrônica dessa tendência natural”, esclarece Nabuco.

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E o que há de errado nisso? Em princípio, nada, se você continua encontrando pessoas, compartilhando momentos com o mundo real e, sobretudo, tendo consciência do papel das redes em sua vida. “Essa realidade virtual é muitas vezes superficial e não implica uma comunicação verdadeira”, explica o jornalista canadense Daniel Sieberg, autor do livro The Digital Diet (ainda sem tradução para o português). “Não estou defendendo o desmantelamento das redes sociais, pois elas podem desempenhar um papel poderoso para fomentar a criação de movimentos, de comunidades e até o encontro de parentes e amigos. Mas elas pouco têm prosperado nesse sentido.”

 

Quando não há equilíbrio entre o universo online e o off-line, importantes esferas da vida, como relacionamentos, trabalho, desempenho acadêmico, saúde e finanças, podem sofrer prejuízos significativos. “Esse abuso de internet e outras tecnologias de mídia digital nos faz perder de vista há quanto tempo estamos conectados e também faz com que a conexão com o ambiente ao redor fique cada vez mais frágil”, atesta Nabuco. O problema atingiu proporções tão alarmantes que o Ambulatório de Transtornos do Impulso, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, tem, desde 2006, um grupo especializado no tratamento dos distúrbios gerados pela dependência virtual.

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O corpo também pode sair machucado nessa história. “Em situações extremas, podem surgir sintomas como problemas de visão, privações de sono, fadiga, distúrbios alimentares e desconforto nas costas e na musculatura”, relata o psicólogo Cristiano Nabuco.

 

 

Como geralmente as pessoas não conseguem perceber o grau de dependência, muitas ultrapassam os limites do aceitável e só são capazes de perceber o que está acontecendo quando o problema já avançou demais. Fica então a pergunta: qual a medida certa? “O importante é observar se há algum declínio na vida social, angústias, mau desempenho nas atividades escolares, diminuição da produtividade no trabalho ou danos financeiros que tenham relação direta com o uso da web”, aconselha o psicólogo. Agora, se tudo vai bem, então não há com o que se preocupar. “Utilizar o computador com consciência significa desenvolver um uso saudável da internet e das novas tecnologias”, conclui.

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Como eu sei que chegou a hora de desplugar

 

 

O jornalista canadense Daniel Sierberg, autor do livro The Digital Diet, sugere que pequenas atitudes podem, aos poucos, equilibrar os dois aspectos de sua vida: o real e o virtual.

 

1. Evite excesso de tecnologia. Não coloque seu celular sobre a mesa quando estiver comendo fora ou mesmo em casa. o melhor é deixá-lo dentro do bolso ou na bolsa. E, se vibrar, só atenda em caso de emergência.

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2. Questione. Há toneladas de coisas legais no mundo da tecnologia, mas não se sinta obrigada a ter cada aplicativo, gadget ou jogo novo que sai. Antes de fazer uma compra digital, separe o joio do trigo e evite aquisições por impulso.

 

3. Durma bem. retire seus aparelhos digitais do quarto. Leve-os para outro cômodo da casa e deixe-os lá durante a noite. Eles também precisam de uma pausa de você.

 

4. Faça a escolha consciente. Haverá momentos em que é complicado ou quase impossível escolher entre o smartphone ou o laptop e prestar atenção em seu filho, num ente querido ou num amigo. Tente usar seus dispositivos digitais quando estiver sozinha e não durante uma conversa com os outros.

 

5. Confie em seus instintos. Se você acha que está gastando muito tempo nas redes sociais, nos jogos online ou em infinitas mensagens de texto, é bem provável que esteja mesmo. Pegue leve e busque o equilíbrio, sempre.

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História 1. Cineasta offline

 

O cineasta paulistano Fernando Leal, 44 anos, diz ser um homem do século passado. Ao menos, no que se refere ao modismo das redes sociais. “A internet é meramente um utilitário para que eu pesquise informações. Não algo que desfrute com prazer”, afirma com convicção. Com apenas um celular – bem-cuidado, mas fora de linha – e uma conta de e-mail, ele diz que é da turma de Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral. “Admiro esses exploradores que saem no mundo para conhecê-lo de verdade. Esse negócio de ficar atrás da tela do computador achando que sabe tudo é uma ilusão.” Outra crítica fervorosa é o fato de os dados disponíveis não serem bem absorvidos pelas pessoas: “Apesar da internet, o nível cultural não melhorou. Hoje, a informação está mais acessível e ainda assim persiste uma grande carência de conhecimentos básicos”. Sem falar no abismo que se cria entre amigos e conhecidos. “Fica todo mundo plugado nas redes sociais e nas salas de bate-papo e ninguém mais se encontra pessoalmente”, acrescenta. “Prefiro um abraço, segurar na mão, olhar no olho a um ‘curtiu’ do Facebook.”

 

A imensidão de aparelhos também o incomoda: “Será que precisamos disso tudo para viver bem ou na verdade estamos sendo aprisionados no mundo virtual e cada vez mais distantes do que realmente importa, que é o contato humano e a troca interpessoal?”, questiona.

 

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História 2. Chefe de cozinha plugada

 

Há 23 anos a chef de cozinha Paula Labaki, de São Paulo, encontrou sua paixão atrás dos fogões. Há dois, outra: a tecnologia e a redes sociais. “Eu só usava o computador para fazer orçamentos de trabalho e meu telefone celular era sem internet”, lembra a chef sobre a época em que era casada. Após o divórcio, viu seu mundo desmoronar e se sentiu sozinha. “Cozinhei como uma louca, no trabalho e em casa, mas estava difícil superar. Até que minha filha, me vendo triste, sugeriu que eu postasse minhas criações em um blog que havia feito para me distrair”, diz. Foi aí que tudo começou a mudar. Logo nos primeiros 15 dias ela recebeu diversos comentários e pessoas querendo interagir através do Twitter e do Facebook. Em seguida, saiu correndo para comprar um celular que a mantivesse sempre conectada. “A internet me amparou após a separação. Aquelas pessoas me ajudaram de alguma forma e fazem parte da minha vida até hoje, tanto no anonimato quanto outras que se materializaram”, diz. Hoje, ela tem mais de 5 mil amigos no Facebook e 19 mil seguidores no Twitter. E quando não há conexão ou a bateria acaba? “Aí bate uma baita ansiedade, principalmente se estou fazendo algo importante ou se estou tentando interagir com as pessoas”, fala. Vira e mexe, seus filhos precisam entrar em cena. “Quando jantamos, eles confiscam meu celular”, brinca. Mas Paula garante que quem manda na vida virtual é ela.

 

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História 3. Mundo virtual após separação

 

A pedagoga e psicóloga Cristiane Yokota e seu então companheiro, ambos de São Paulo, nunca haviam se sentido atraídos pelo mundo virtual. E viviam bem, obrigado. “Eu tinha uma rotina corrida, trabalhava dia e noite. Quando chegava em casa, era para curtir meu marido ou descansar”, conta. Depois que engravidou, parou de trabalhar e passou a dedicar seu tempo somente à família. Quando a filha completou 2 anos, a relação de 12 anos chegou ao fim e veio o divórcio. “Tive de arrumar às pressas um lugar para morar, emprego e uma nova escola para minha filha. O apoio mais ágil e eficiente foi a internet”, explica. Depois de anos limitada à vida doméstica, começou a se sentir desatualizada, sozinha e sem vida social. Foi quando descobriu que poderia usar a web para se relacionar. E foi atrás da tela do computador que ela encontrou liberdade para desabafar e se comunicar sem sair de casa. “Eu marcava encontros virtuais todos os dias, de domingo a domingo. Cheguei a ficar 12 horas seguidas em chats – como Skype e MSN – e dormia cerca de quatro horas por dia”, lembra. Loucura? Na época achava absolutamente normal. “Apesar do cansaço, eu era compensada pelo prazer de estar com um amigo. O ruim mesmo era quando ninguém aparecia para papear, aí eu ficava ansiosa.” Após mais de um ano nesse ritmo, seu corpo deu os primeiros sinais de exaustão. “Comecei a me sentir debilitada, sem pique e irritada, pois dormia pouco, e até engordei. Foi então que me dei conta de que precisava sair da toca.” O que conseguiu pouco a pouco. O prazer que antes era estar online hoje é trabalhar, viver bem consigo mesma e sempre estar com os amigos da vida real. “Depois dessa transformação, perdi 5 kg, minha autoestima melhorou e me sinto mais ativa e com energia”, afirma. e garante: Conseguiu harmonizar os aparelhos digitais com a vida off-line.

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