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A relação afetiva é o grande espelho que reflete quem somos, diz Jorge Bucay

Terapeuta de casal Jorge Bucay afirma que, em um relacionamento, o comportamento do seu parceiro deve servir de espelho para facilitar o seu autoconhecimento

Por Raphaela de Campos Mello
Atualizado em 14 set 2018, 21h11 - Publicado em 25 Maio 2012, 16h56
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Sem dúvida, ter um relacionamento duradouro é uma tarefa que produz suor, lágrimas, doses altíssimas de prazer e aulas avançadas de autoconhecimento. Afinal, o outro é um espelho que, de tão sincero, nos desmascara sem dó. Essa é a mensagem que o psiquiatra e psicoterapeuta argentino Jorge Bucay vem transmitindo há décadas aos casais que estão passando por crise.

Segundo o terapeuta de casal, autor do romance, Amar de Olhos Abertos (ed. Sextante, escrito em parceria com a psicóloga argentina Silvia Salinas), o relacionamento amoroso tem um grande poder: o de nos servir de espelho (sem o qual continuaríamos cegas sobre como realmente somos) e também de alavanca (para nos tornarmos quem verdadeiramente somos). “Não considero que a medida do amor seja o quanto estou disposto a me sacrificar por alguém, e sim o quanto estou disposto a desenvolver minha autonomia”, diz Bucay. Confira a entrevista:

Por que os relacionamentos amorosos são fonte de tanto prazer e sofrimento ao mesmo tempo?

 

Nada no mundo é totalmente bom ou ruim. Se quisermos desfrutar os prazeres proporcionados por um relacionamento, teremos de pagar o preço cobrado pelos momentos dolorosos. Eles são necessários porque nos mostram que nosso par não é exatamente como gostaríamos que fosse, e vice-versa. Acontece que, quando nos apaixonamos, acreditamos que o ser amado corresponda exatamente aos nossos ideais. Mas, com o tempo, abrimos os olhos, inevitavelmente, e descobrimos que o parceiro não é como o imaginávamos. Ele é o que é. Então, nós nos frustramos a cada vez que ele não age da maneira desejada. Isso dói. Os desencontros do dia a dia também nos machucam. Um quer dormir enquanto o outro quer ver TV. Um quer fazer amor, o outro quer dormir. E assim por diante. Essas pequenas decepções nos mostram que somos seres individuais, o que não nos torna bons ou maus, apenas reais.

No livro, você afirma que a relação afetiva é o grande espelho que reflete quem somos, nossas qualidades e defeitos. Como se dá esse jogo?

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Quando os parceiros se conhecem, criam vários objetivos: desfrutar a companhia do ser amado, passar cada vez mais tempo juntos, construir uma família, compartilhar projetos. No entanto, há um objetivo que permanece, na maioria das vezes, inconsciente: que o meu companheiro facilite meu autoconhecimento. Não posso ver a mim mesmo. Para isso, preciso de um espelho. Ao longo da vida, encontramos vários pelo caminho: a família, os amigos e, sobretudo, o ser amado. Aprendemos muito quando vivenciamos uma relação amorosa, pois temos diante de nós alguém que nos vê. Assim, podemos nos conhecer e nos aprimorar.

Quando sentimos raiva, por que é mais fácil acusar a pessoa amada, responsabilizá-la por nossa insatisfação, em vez de buscar o diálogo?

 

Ao apontarmos o dedo para alguém, outros três dedos se voltam em nossa direção. Se determinado defeito nos incomoda em uma pessoa, é porque também o possuímos. Como não admitimos isso, é mais fácil apontá-lo fora, e não em nós mesmos. As características que não temos não nos perturbam quando aparecem no parceiro. Só nos causa aborrecimento o que revela uma parte renegada de nosso ser.

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A rotina é mesmo a grande inimiga do casamento?

 

Há, na verdade, um monstro de sete cabeças que ameaça os relacionamentos. A primeira cabeça é a ideia de que eu não posso viver sem estar enamorado; a segunda, a competição com o par; a terceira, a falta de projetos comuns; a quarta, problemas com a família do cônjuge; a quinta, a incompatibilidade de gostos; a sexta, antagonismo nas linhas ideológicas básicas; e a sétima, a rotina. Com criatividade e desejo, é possível driblá-la. O que é melhor? Trocar o marido ou mudar o dia, o local e o horário de fazer amor?

Não saber mais onde termina o eu e onde começa o nós é inevitável numa vivência amorosa?

 

Essa noção vem do mito de que duas pessoas são metades que, juntas, compõem uma maravilhosa e incrível unidade. Eu, particularmente, prefiro ser inteiro e ter a meu lado alguém igualmente inteiro, para, assim, enriquecermos a vida a dois. Não podemos descuidar esse ponto e deixar de ser quem somos. Afinal, a maior riqueza de conviver é a possibilidade de abrir espaço para que ambos possam ser quem são. Muitas pessoas, infelizmente, acreditam que, para estar junto de alguém, precisam renunciar a si mesmos. Não considero que a medida do amor seja o quanto estou disposto a me sacrificar por alguém, e sim o quanto estou disposto a desenvolver minha autonomia. Não creio que a base da relação seja o quanto deixo de ser eu, e sim o quanto consigo ser eu mesmo quando estou ao lado de quem amo. A equação ideal seria: você está para mim, eu estou para você, e nós dois estamos para os outros. O problema é quando pensamos: eu estou para mim, você tem de estar para mim, e todos os outros também. No avião, vindo para cá, observei a aeromoça dar instruções para o caso de um acidente. Ela disse que deveríamos colocar a máscara de oxigênio primeiro em nós e depois na pessoa ao lado, pois só assim teríamos condições de ajudá-la. O mesmo se aplica ao amor. Não acredito que, para estar com alguém, seja necessário deixar de pensar em si mesmo.

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Colocar tudo de lado para que o parceiro vire o centro de nosso universo é preocupante?

 

Essa é a manifestação da paixão. Fugaz, por natureza. O amor não é assim. Não há com o que se preocupar. É só uma fase. Precisamos ser complacentes com os amigos que estão vivendo esse momento de êxtase e, por isso, acabam se distanciando. É um período maravilhoso, mas não podemos ficar assim eternamente. Do contrário, não faríamos mais nada na vida, não trabalharíamos, não cultivaríamos as amizades. Passada essa onda, ou o sentimento se transforma ou acaba.

Um relacionamento considerado enriquecedor costuma apresentar quais características?

 

Uma relação saudável possui três pontos de apoio: o amor, a atração e a confiança. Eles são tão importantes que funcionam como uma mesa sobre a qual repousam os projetos comuns, o tempo compartilhado, a casa, os filhos, a família. Se existir ou não um quarto ponto de sustentação, não fará diferença. Agora, se um dos três sair de cena, não haverá a parceria; talvez, o matrimônio, mas não a parceria.

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Como avaliar se vale a pena seguir em frente ou se é hora de terminar?

 

Não há uma regra fixa. Alguns dizem que o ideal é terminar a relação um pouco antes do recomendado. O que acontece quase sempre é a percepção de que existe um problema pessoal. O outro não serve para mim. Essa não é a verdade. O problema não está em um dos cônjuges, mas no tipo de vínculo estabelecido entre eles. Muitas pessoas se separam e repetem com o parceiro seguinte a história nefasta que viveram no passado. Acredito que os casais não devam se separar enquanto não tiverem esgotado todos os recursos disponíveis, e um deles é procurar um terapeuta especializado. É bom ressaltar que esse tipo de profissional não representa a promessa da reconciliação. Às vezes, ele só ajuda a mediar a separação.

Quais são os aspectos frágeis das relações contemporâneas?

 

Os pares discutem por muitas coisas e os temas diferem de acordo com a época e a cultura de cada país. No entanto, identifico algumas recorrências: as pessoas se desentendem por causa da criação dos filhos, da relação com a família dele ou dela, por problemas financeiros, por disputa de poder e pelo direito de ter liberdade. Sempre que me trazem essas queixas, penso no que está se passando entre o casal, e não fora.

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A independência das mulheres ainda ameaça os homens?

 

Para mim, é uma condição básica ter uma mulher independente a meu lado. Estou convencido de que não é possível amar se não formos livres. No entanto, sei que há ainda muitos homens machistas no mundo. Homens e mulheres não são iguais. Somos diferentes, mas complementares. Todas as disputas entre os sexos são tristes, sobretudo a disputa pela liberdade. Alguns homens ainda dizem: “Eu sou capaz e você não é. Eu posso e você não pode”. Isso é mentira. Nós homens somos muito mais dependentes do que as mulheres, principalmente no que diz respeito a assuntos de ordem prática. Um homem se separa e, três meses depois, está vivendo com uma nova companheira. Já a mulher permanece só, aprende a fazer consertos domésticos, a se virar sozinha e, em pouco tempo, está pensando: “Para que preciso de um homem nesta casa?”

 

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