Continua após publicidade

Projeto registra a evolução da ocupação criativa do centro de SP

Projeto registra a evolução da ocupação criativa da região nos últimos cinco anos. As iniciativas assumem importante papel na reinvenção urbana com base na cultura.

Por Por Luisa Cella | Fotos Leonardo Sang
Atualizado em 20 dez 2016, 23h28 - Publicado em 9 abr 2015, 20h35

As cidades são territórios em constante transformação. Em todas as metrópoles do mundo, as ações do mercado e do governo no planejamento urbano ditam movimentos responsáveis por valorizar ou não determinadas áreas. Em São Paulo, uma das mudanças emblemáticas foi o esvaziamento do perímetro hoje chama docentro histórico. Após seu apogeu construtivo nos anos 50, marcado pela inauguração de edifícios icônicos, como Copan, Galeria Metrópole e Edifício Itália, a região mergulhou numa fase de decadência. Em poucas palavras, a primeira razão para o ocaso, que tomou força ao longo das décadas de 60 e 70,está relacionada à ascensão de dois novo spolos empresariais: as avenidas Paulista e Brigadeiro Faria Lima. As margens dessas vias passaram a atrair investimentos e se tornaram sede de escritórios e bancos. O processo de abandono ainda se potencializou pelos efeitos da consolidação da indústria automotiva. Com maior ou menor destaque, propostas para reverter o quadro aparecem na agenda do poder público desde os anos 70, mas o simbólico local segue exercendo pouco fascínio com centenas de prédios ociosos sucumbindo à ação do tempo e à violência.

Nesse cenário ganha força um movimento que atribui nova vitalidade ao Centro: a chegada de grupos de criativos da economia. Profissionais de oficinasde teatro, ateliês, galerias de arte, redações e estúdios de design vêm se instalando em prédios antigos – alguns deles inutilizados ou subutilizados até então – atraídos pelo preço mais barato dos imóveis e por facilidades que a boa urbanização ali oferece, como maior acesso a transporte público e ciclovias. Segundo dados de um estudo feito pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) em parceria com a ZAP Imóveis, revelados em informe de dezembro de 2014 da prefeitura de São Paulo, o custo aproximado do metro quadrado na região,em dezembro de 2010, era de R$ 3,4 mil, número bem abaixo da média de R$ 4,6 mil do município .Em determinadas áreas, o valor pode ser ainda menor, como comprovou o designer Lucas Andrade quando procurava um espaço para seu estúdio de design, o Arnold. “Em 2013, encontrei no Edifício Mirante do Vale salas de 40 m2 por R$ 40 mil. É uma pechincha, já que, em outros bairros, o metro quadrado pode chegar aR$ 20 mil”, conta. Ele e a equipe do Arnold se acomodaram, então, no arranha-céu, o mais alto da capital, e o dia a dia lá indica uma tendência entre seus vizinhos. “Paramos para pensar sobre a quantidade de gente que tinha mudado para as redondezas nos últimos tempos e decidimos falar desse momento”, conta Felipe Rocha, outro designer do estúdio, referindo-se à ideia de montar o projeto Centro, que deu origem ao site https://www.centro.com.br, de onde vêm as imagens desta reportagem. O grupo registrou, por entrevistas e ensaios fotográficos, a sede de 18 iniciativas, entre elas a redação de jornalismo investigativo Agência Pública, a companhia de teatro Pessoal doFaroeste e o condomínio de ateliês PaperBox Lab.

No projeto Centro, inaugurado em setembro de 2014, o jornalista Luiz Romero cuida do conteúdo; o fotógrafo Leonardo Sang, das imagens; e os designers Murilo Fonseca e Felipe Rocha, do desenho do site, que compila os ensaios. “Escolhemos iniciativas que têm um ideal, ou seja, uma relaçãonão apenas comercial com a área”, conta Luiz. O Edifício Farol, no Anhangabaú, abriga quatro dessas ações, a começar pelo Instituto Choque Cultural, espaço de inovação em arte e educação de Baixo Ribeiro, Mariana Martins e Raquel Ribeiro. Lá também estão o estúdio de jornalismo Fluxo, de Bruno Torturra; a Balsa, local de festas e reuniões do casal de designers Renata Mien e Elohim Barros; e, por fim, o Liquen, escritório onde Renata e Elohim trabalham ao lado de outros profissionais, como Felipe Morozini, artista e diretor da Associação Amigos do Parque Minhocão. Além de tocar seus planos de maneira independente, os criativos se articulam para defender ideias em comum, como a revitalização da área e sua consolidação como distrito cultural.

Continua após a publicidade

“Nosso prédio tem muita história: foi invadido por sem-tetos e usuários de drogas e virou local de tráfico no meio da Cracolândia até que a polícia o desocupou. Ninguém se interessou por alugá-lo, pois estava podre, e o clima era pesado.Quando visitei pela primeira vez, não tinha nem eletricidade”, conta o artista plástico e grafiteiro José Amaro Capela, conhecido como Zezão. Ele negociou a custosa reforma com o dono do imóvel no bairro do Bom Retiro, estabelecendo a condição de ter o primeiro ano de aluguel abatido. Em agosto de 2013, após a obra de dois anos – a parte elétrica, o encanamento, o forro, o piso e as janelas foram refeitos –, o artista abriu a Overground, estúdio e galeria de arte. Assim como essa, quase todas as ações mapeadas pelo Centro já enfrentaram ou ainda continuam com problemas de infraestrutura. No caso da galeria Phosphorus, as primeiras exposições foram realizadas com o edifício ainda em ruínas, cheio de entulho e sem luz. Mas foi justamente a oportunidade de levar vida ao espaço ocioso e histórico, datado de 1890 e instalado na primeira rua de São Paulo, na Sé, que inspirou Maria Montero. Ali, a proprietária materializou seu desejo de criar um ponto de experimentações e residências artísticas, incentivando o diálogo dos artistas com a construção e o entorno. Maria foi convidada a alugar o segundo andar por seus amigos e descobridores do imóvel, Simone Pokropp e Junior Guarnieri, que tocam, no terceiro piso, a Casa Juisi, acervo de 30 mil peças de vestuário para aluguel.

Existem casos de ocupação criativa em várias partes do mundo. Talvez um dos mais emblemático sseja o do Soho, em Nova York. Em meio à má fase da economia americana nos anos 70, artistas e outros profssionais se instalaram em seus edifícios históricos vazios, atraindo com eles restaurantes, cafés e galerias. De desolado e perigoso, o bairro se transformou e é tido hoje como um dos mais ricos da metrópole. Segundo Nabil Bonduki, atual secretário municipal de Cultura e relator do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (PDE), lançado em 2014, uma prioridade da prefeitura é estabelecer o Centro como o primeironúcleo criativo da cidade.“O PDE prevê estímulos, como isenções fiscais e facilidades a empresas, afim de incentivar iniciativas privadas, geralmente de pequenos coletivos. Isso gera polarização”, diz. Se, por um lado, tal processo se mostra positivo, por outro, pode ser visto como perverso, pois esbarra na gentrificação. “Quando várias coisas bacanas abrem num bairro degradado, é inevitável – o aluguel sobe, os primeiros a chegar podem não conseguir mais arcar com o custo, e o público se uniformiza. Em Amsterdã, o governo compra os imóveis nos locais abandonados e os subsidia para start-ups por tempo determinado. Trabalha-se ali já sabendo que, no futuro, será preciso pagar ou mudar para outra região a ser revitalizada. Poderia ser feito algo com essa filosofa aqui”, defende Baixo Ribeiro. Apesar das controvérsias que movimentos assim carregam, sobra uma mensagem: reinvenção urbana não se trata só de mudança física mas também de um projeto essencialmente cultural.

 

Publicidade