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Crônica: Minha vida em cinco banheiros

Até o lavabo ou um cômodo menor do que a mesa de centro funciona, desde que seja só seu

Por Por Tati Bernardi* Ilustração Maria Eugenia
Atualizado em 14 dez 2016, 11h48 - Publicado em 18 dez 2014, 22h56
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Na infância, eu usava o banheiro do corredor. Meus pais tinham um protegidinho, no quarto, e eu, ainda sem conhecer o termo “suíte”, dizia apenas: “Não gosto”. Sobrou para mim aquele que era oferecido a um apertado entregador de qualquer coisa – azul, pequenininho, só com pia e vaso sanitário. Não havia chuveiro nem espaço para enfeites. A porta ficava sempre aberta, solícita para as necessidades de desconhecidos, amigos e familiares. Eu ainda não sabia dizer “lavabo”, falava apenas: “Não gosto mesmo”. Sonhava com um ambiente rosa, cheio de xampus, cremes e brinquedos. E ninguém poderia entrar, a não ser que eu, muito gente boa, abrisse raríssima exceção.

Quando meus pais se separaram, passei uns tempos com meus avós. Lá o banheiro era enorme, com azulejos rosa-choque e móveis lilases. Família mezzo italiana, meio portuguesa, um tanto sem-noção para design de interiores. Eu achava lindo (e era). Mas precisava dividi-lo com cinco pessoas. Vovô (saudade que dói) pintava a sobrancelha e sujava a toalhinha. Até me divertia, mas sentia certo desespero. Até quando, nos momentos de maior intimidade, vergonha, vaidade e introspecção, iriam bater à porta?

Depois, mudei com minha mãe para outro lugar. Três banheiros! Um, dela, era suíte, o segundo, da Maria, na área de serviço, e o último só para mim. No começo, era pura alegria. Cheguei a deitar no chão para sentir o abraço geladinho da exclusividade. Mas, com o tempo, o banheiro (ops, no corredor) viraria, mais uma vez, o lavabo da galera. Ensopavam a toalha de rosto, usavam meus cosméticos, sujavam o tapetinho. Deixei de amá-lo aos poucos, como uma mulher cansada de ser incessantemente traída.

Aluguei, então, um apartamento. Eram 40 m² que pareciam 200 m². Os primeiros dez dias ali foram tão insuportavelmente felizes que fiquei trancada, em silêncio, olhando ao redor. Assustada com o melhor e o pior da vida adulta – ser adulto! O banheiro, finalmente dentro do quarto, tinha o tamanho de uma mesa de centro. Era preciso tomar banho com o pé encostado na privada. Mas eu me sentia uma rainha numa cachoeira a céu aberto. Ninguém me atrapalharia. Há pouco tempo, comprei um imóvel. O banheiro grande, com hidromassagem, chuveirão monstro e área para uma suruba light entre pessoas magras, é a parte de que mais gosto. Tem armários e prateleiras com cremes, perfumes, produtos de maquiagem, remédios, colares, revistas, livros, toalhas e mais um pouco disso tudo em dobro. E um lavabo que nunca usei.

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