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Autoestima: você é bonita do jeito que você é

Conheça mulheres de bem com seu corpo e que desafiam os padrões estabelecidos

Por Texto: Kátia Stringueto | Reportagem visual: Mônica Tagliapietra | Cabelos e maquiagem: Keyla Martinelli
Atualizado em 20 dez 2016, 16h16 - Publicado em 27 jun 2013, 21h01

Certa vez, ouvi a história de uma mulher que sempre que se olhava no espelho via uma fissura nele. Até um dia em que eram tantas as trincas que ela se enxergou partida em pedaços. A tristeza a deixou no chão e suas lágrimas molharam a terra. Ela tocou o barro, o amassou e criou um lindo pote. E, ao olhar aquele pote imponente em sua simplicidade, ela mesma se sentiu refeita. Íntegra. Voltou a mirar o espelho e não havia mais rachaduras. Via seu contorno, e seu orgulho se dilatava. As histórias desta reportagem, contadas por Bianca, Ana, Ana Cláudia, Márcia e Tatiana, falam do mesmo resgate. Poderíamos entrevistar outras mil mulheres e descobrir outros mil dilemas se jeitos de se gostar, porque a conquista da beleza é questão universal, mas a solução é individual.

“Ajuda saber que podemos ser altamente críticos em relação a nosso aspecto físico, mas, na verdade, as outras pessoas não estão atentas a tudo”, observa o artista forense Gil Zamora, contratado pela Dove para fazer o retrato falado de sete mulheres que, escondidas por uma cortina, descreviam suas características (quando outras pessoas falavam delas, os traços sempre eram mais delicados e bonitos). Segundo ele, “não vemos a beleza em nós mesmos como os outros veem porque focamos naquilo que não gostamos.”Para a escritora Marina Colasanti, as muito divulgadas pesquisas que falam da baixa autoestima feminina podem esconder um desvio. “Quando alguém nos pergunta se nos consideramos bonitas, achamos melhor ser modestas na resposta, pois desconhecemos a referência de beleza que o entrevistador tem. E se for a Gisele Bündchen?”, brinca. Descontadas essas situações, no entanto, há bons motivos para nos admirarmos um tanto mais. O bom humor é um elixir nesse sentido. A própria Marina, numa crônica que escreveu em seu primeiro livro, elogia os olhos verdes que tem e emenda: “Entre eles, ocupando mais espaço do que o estritamente necessário, meu nariz é elemento básico para manter viva a ilusão de que, no dia em que resolver ficar bonita, será suficiente operá-lo”.

Elegante consigo mesma, ela ensina, com sua escrita particular, a olhar para um nariz de arestas perigosas quase como objeto de desejo e convida toda mulher a amar suas assimetrias ou imperfeições com maior apreço. “Sempre gostei de rosto que é um”, diz, valorizando a singularidade acima de qualquer padrão.

Até porque o que é bonito hoje pode não ser amanhã e vice-versa. “Surfar na onda de um determinado modelo é certeza de sofrimento, já que a beleza é mutante”, diz a escritora. “No século19, o máximo da perfeição eram os ombros caídos, que representavam a delicadeza e a submissão femininas. Hoje, a mulher acha bonito ter pernas de jogador de futebol. O que virá depois?” Difícil prever. Melhor é entender que todo mundo ambiciona, e sempre ambicionou, estar entre os rostos mais encantadores, pois beleza tem a ver com poder, sedução. 

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E sua falta dói. “Não se sentir bonito é não se sentir aceito. E a rejeição aciona uma dor difusa como um pesar. Trata-se de uma emoção negativa que afeta o sistema límbico, secreta o hormônio adrenalina e causa uma sensação de peso no coração”, explica o neurofisiologista Renato Sabbatini, da Universidadede Campinas, no interior paulista. Curiosa é a explicação de fundo biológico que o especialista dá à natureza feminina de viver se comparando com as demais. “Nos primórdios, a mulher tinha que disputar a atenção do homem com outras mulheres porque dependia dele para sobreviver. Se ele não a elegesse e não trouxesse comida para a caverna, morriam todos. Ela e a prole”, conta.

Hoje, quando a mulher é sua própria provedora, esse instinto competitivo está ficando fora de lugar e representa uma carga pesada. Mais saudável é optar por uma autonomia bem nutrida. Segundo o psicoterapeuta Antonio Carlos Amador Pereira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, “quem foi educada para pensar por si mesma não vai engolir modelos prontos. Vai questionar se a roupa e o corpo impostos tem a ver com ela”.

“Autoestima é a capacidade de se sentir potente na vida”, sintetiza a psicóloga Márcia Atik, de Santos, São Paulo. “E quem nos dá alimento para isso somos nós mesmos. Não é o espelho.”

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Algo que o fotógrafo Matt Blum constatou com lentes profissionais. Criador do The Nu Project (www.thenuproject.com), iniciativa que consiste em fotografar mulheres comuns, com o mínimo de maquiagem e zero de glamour, ele confessa que seu juízo de beleza feminina mudou 100%. “Eu me deparei com muitos preconceitos ao longo do trabalho e todos foram caindo um a um. A questão não é dizer que as top models não são bonitas. Elas foram abençoadas pela natureza, e isso é muito agradável. Mas minhas fotos favoritas são aquelas em que a mulher, não importam a idade e o peso, está à vontade consigo mesma. Se ela está confortável em sua própria pele, isso aparece imediatamente”, observa.

Um menear da cabeça, um traço de timidez ou atrevimento podem não sensibilizar todas as pessoas, mas vão tocar a quem mais interessa. E ninguém melhor do que mestres do olhar para dar esse testemunho. Ao definir o fundamental para captar uma imagem, Henri Cartier-Bresson (1908-2004) disse: “É uma experiência conjunta de olhos, coração e inteligência. Você fotografa o que você vê, mas o que você vê – isso depende de quem você é”. Outro fotógrafo renomado, o esloveno Evgen Bavcar, avisa para não utilizar o olhar dos outros, “porque, nesse caso, existimos através do outro. É preciso tentar existir por si mesmo”. Detalhe: Bavcar é cego.

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