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As grades ornamentais desta casa encantaram a família

Numa casa mineira mora uma moça, seu marido e a cachorra Lola. Uma família que vive as entre superfícies rendadas das grades ornamentais. 

Por Texto: Keila Bis
Atualizado em 19 jan 2017, 13h31 - Publicado em 18 dez 2013, 21h56

Por várias semanas, Fernanda caminhou pelas ruas de Belo Horizonte com os olhos mais atentos do que o costume. Era o ano de 2002 e ela procurava por uma casa ampla e aconchegante. Já morava na cidade desde 1995, quando tinha deixado Uberlândia, sua cidade natal, no interior de Minas Gerais, para cursar psicologia na capital. Verdade que acabou mudando de rumo e se formou em artes visuais na Escola de Belas Artes, onde hoje é professora. A alma criativa, de quem adora colecionar objetos e ter muitos bibelôs pela casa, falou mais alto, admite. “É como se eles fossem uma paleta de criação”, explica ela. Numa dessas andanças, sempre em busca de inspiração, Fernanda Goulart descobriu a casa dos anos 1960, num terreno de 400 m2, que condizia com o acolhimento almejado e acabou por lhe presentear com algo mais. “Quando vi a fachada, me chamou a atenção a beleza da grade de ferro ornamentada da janela.” Era como se os delicados tecidos de renda que tanto a encantavam estivessem ali expostos, com um novo material. “O que eu via eram ferros rendados”, recorda-se. “Como um elemento tão frio podia se transformar em algo cheio de sinuosidades, tão feminino e sofisticado?” A partir desse dia, o amor por eles aumentou e se entrelaçou a sua vida como um bordado. Nanda passou a fotografar os gradis decorados por onde quer que fosse, nos bairros vizinhos, distantes, noutras cidades e países. “Gosto de vê-los espalhados pela cidade como memória, que deve ser um ingrediente de todo meio urbano, sob o risco de se construir cidades tão transformadas quanto desmemoriadas, e, por consequência, anestesiadas”, diz. “E também porque as grades ornamentadas convidam a algumas pausas”, reflete. Enquanto isso, com a ajuda do tio e arquiteto João Mauricio Andrade Goulart, dava início à reforma da casa para que pudesse ter a cozinha incorporada à área social. “Muitas paredes foram derrubadas e por isso foi necessário fazer uma de bloco estrutural na cozinha. Preferi deixá-la à mostra e acabei usando os espaços vazados dos blocos para expor minhas quinquilharias”, conta ela. A ousadia e a vontade de explorar ainda mais cada pedacinho da residência foi ficando maior. Nessa época, descobriu o prazer de visitar ferros velhos, que, para sua alegria, sempre têm como vizinho de porta um serralheiro. “Isso é perfeito. Eu visito o ferro velho e em seguida passo no serralheiro para ele executar meus delírios”, diverte-se ela, que diz ter “olhos salvadores” para retirar de um lugar onde tudo parece um feio amontoado de coisas velhas o belo que tanto lhe seduz. Com o tempo, e conforme acumulava as peças, começou a fazer as mais diversas intervenções no lar. Foi assim com a grade que sustenta o balcão da cozinha e que serve também de apoio para os pés, com o teto rendado de uma varandinha lateral onde pretende ainda instalar um toldo e também com a porta da copa. “Esse ambiente era um quarto. Como a janela foi retirada e o meu marido encontrou uma outra de madeira maciça na rua, peguei as duas, fui à uma loja de demolição e as troquei por uma porta. E mais: pedi ao marceneiro que a abrisse e colocasse um vidro. Depois, claro, chamei o serralheiro para instalar uma grade sobre ele”, explica a jovem. A serralheria ornamental proliferou tardiamente em Belo Horizonte entre os anos 1940 e 1970, e um dos motivos foi o fato das grades também terem a função de proteger a casa. Mas elas fincaram raízes fortes no século 19, durante a Revolução Industrial, quando a classe burguesa passou a ostentá-las em suas moradias. “Hoje, é uma artesania em extinção. Poucas pessoas querem remunerar bem o artesão. Além disso, as grades sem ornamentos têm confecção mais rápida e barata, enquanto que as elaboradas exigem tempo e dinheiro”, explica Nanda, prestes a defender sua tese de doutorado sobre o tema. “Fiz um inventário com mais de 4 mil fotos dessas grades em Belo Horizonte. Os modelos estão sendo vetorizados, ou seja, desenhados digitalmente, e formarão um banco digital que será gravado em DVD e anexado ao livro, que será publicado em maio de 2014. É minha contribuição para a memória dessas lindas formas”, explica ela. Os desenhos, alguns deles representados nas páginas desta reportagem, poderão ser empregados nas mais diversas profissões de criação. Mas a homenagem que Nanda faz ao passado não é vista somente nas grades ornamentais. Os revestimentos, como os azulejos, o piso de peroba-rosa, o ladrilho hidráulico, convivem em harmonia nesse lar que ela desfruta com seu marido e autor destas fotos e com Lola, sua cadela da raça vaimarana. “O que me atrai no passado é a curiosidade em relação às coisas que eu não vivi, objetos que foram feitos num tempo onde tudo parecia ter mais valor, porque mais raro do que hoje, quando parecemos ter tudo. Acho que intuitivamente busco ter na minha casa a convivência de todos os tempos”, avalia ela.