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Álvaro Siza e Iberê Camargo – encontro de estrelas

Dois destinos se cruzaram no projeto da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre. De um lado, o pintor gaúcho; do outro, o arquiteto português Álvaro Siza

Por Texto: Rosele Martins Design: Marize Sciessere Fotos: Leonardo Finotti
Atualizado em 19 jan 2017, 15h26 - Publicado em 25 jun 2008, 17h09
Um título para uma foto sem titulo

O prédio erguido em Porto Alegre foi inaugurado recentemente, depois de quase cinco anos de trabalho. Maria, viúva de Iberê Camargo, posa junto ao último quadro pintado pelo ar... Com as paredes de concreto branco (feitas com um cimento especial, da mesma c...

Em uma tarde de sábado de 1992, traçou-se o primeiro esboço da Fundação Iberê Camargo. Mas não foi nessa data que Álvaro Siza Vieira sentou-se à prancheta para os rabiscos iniciais do projeto finalizado 16 anos depois. Nesse sábado de julho, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter conheceu Iberê Camargo em um encontro intermediado pelo à época marchand do pintor, Cézar Prestes. Ficou encantado. “Impressioneime muito com ele. Era alguém que visava constantemente a excelência, inclusive recomeçando várias vezes uma tela até considerá-la perfeita”, lembra o empresário, que, depois desse dia, voltou em outras ocasiões à casa do artista, na zona sul de Porto Alegre. Nascia ali a admiração que culminou na construção de um dos prédios mais significativos da arquitetura contemporânea brasileira.

O estacionamento, subterrâneo, fica sob a avenida Padre Cacique. Já o anex...

O processo, na verdade, havia começado alguns anos antes, quando Iberê deu início ao que batizou coleção Maria Camargo: de cada série, tirava duas ou três obras e as dava à esposa. “Essa foi a maneira que eleencontrou de garantir o sustento dela quando morresse”, conta Cézar, atual diretor do Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (Margs). Quando presenteou Maria com os primeiros trabalhos, Iberê ainda não tinha o câncer que o levou à morte, mas, bem ao seu estilo, já se preocupava em organizar o futuro. “Ele era muito cuidadoso com tudo o que fazia. Ao pintar, escolhia as melhores tintas, as melhores telas, os melhores bastidores. Era obsessivo com a qualidade e a preservação da própria obra”, revela a jornalista Eleone Prestes, mulher de Cézar e personagemde inúmeros retratos assinados pelo artista falecido aos 79 anos, em 9 de agosto de 1994.

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Maria, por sua vez, incentivava que se fizesse uma fundação para reunir o acervo do marido. A princípio, Iberê mostrou-se hesitante, porém, com a descoberta da doença, aceitou a idéia. O que permitiu levá-la adiante foi o empenho de Jorge Gerdau, que até 2006 presidiu o maior conglomerado de siderurgia do país. Conhecido pelo incentivo dado a programas nas áreas de educação e cultura, o empresário comunicou o desejo de construir a Fundação Iberê Camargo ao deixar o enterro do pintor. E incumbiu o engenheiro civil José Luiz Canal, coordenador de projetos especiais do Grupo Gerdau, de propor nomes para desenhar a futura sede – e que fossem nomes de reconhecimento internacional, capazes de fazê-la sobressair para além dos limites de Porto Alegre e do Brasil. Depois de muitas reuniões, optou-se por Siza. “Ele é da região doPorto, como o meu avô. A decisão foi fácil”, garante Maria, sobre a escolha do arquiteto de 74 anos nascido em Matosinhos. Até o primeiro contato de Canal, em 1998, o português não sabia da existência de Iberê, mas apreciou o convite – filho de um engenheiro de Belém do Pará, recebeu com prazer a oportunidade de construir em solo brasileiro.

Seis mil estudantes e profissionais da área visitaram a construção em obras para ver de perto o uso de novos materiais.

Quisemos fazer da obra um exemplo, diz o engenheiro José Canal

Vencedor do Prêmio Pritzker de 1992, Siza carrega em seu modo de trabalhar a mesma busca pela perfeição perseguida pelo homenageado. De tão detalhista, não tirou os olhos nem de áreas menos nobres do projeto. “Ele fez questão de que as placas de mármore que cobrem meias-paredes e o piso dos banheiros fossem assentadas com os veios voltados para a mesma direção”, exemplifica Canal. O português também desenhou luminárias, peças de mobiliário e até as figuras que avisam se o sanitário é masculino ou feminino. Tudo isso sem deixar de fora a essência do artista: a simplicidade. “Siza me disse que aceitaria a encomenda por se julgar apto a criar algo com o jeito do Iberê. E conseguiu. O prédio é exatamente como ele gostaria, despojado de rapapés”, afirma Maria, de 92 anos.

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A escultura monocromática concebida pelo arquiteto ocupa 8 200 m2 do espaço de uma antiga pedreira, em um terreno doado pela prefeitura e localizado em uma das principais avenidas da zona sul da cidade. Defronte ao edifício, impõe-se o rio Guaíba, cartãopostal porto-alegrense e motivo da polêmica instaurada quando revelou-se que contornos teria o prédio. “A população provavelmente esperava uma relação mais direta com a água. Com as poucas e limitadas aberturas nos corredores de circulação, o visitante assume o papel de voyeur de sua própria cidade”, aponta o arquiteto e crítico de arquitetura Edson Mahfuz. Canal discorda e acredita que as paredes quase inteiramente cegas responsáveis pelo apelido de bunker dado à construção se justificam. “O excesso de luz natural prejudica a conservação das obras e aumenta o gasto de energia no controle da temperatura interna. A Fundação oferece um percurso que descortina a paisagem como se esta fosse um elemento a mais das áreas de exposição”, defende ele, que confessa ter tido dificuldade em entender o emaranhado de rampas na primeira visão da proposta no papel.

A estranheza inicial se converteu em desafio. Para aprender a trabalhar com o concreto branco, freqüente na Europa, mas até então pouco usado deste lado do Atlântico – por causa do preço e da falta de mãode- obra treinada para utilizá-lo -, Canal empregou-o já na estruturação do estacionamento, subterrâneo. Dessa maneira, ele e os operários sabiam como lidar com o material sem surpresas ao levantar as paredes deixadas à vista. O cuidado extremo com a execução também levou o engenheiro a elaborar mais de 1 200 “mapas”, como ele chama as plantas que determinavam onde seriam instalados tubulações de água e esgoto, fiações, dutos de ar condicionado e itens de acabamento. Por fim, aproveitou-se a facilidade da internet para enviar relatórios semanais e fotos ao escritório no Porto durante os quase cinco anos de obra, iniciados em julho de 2003. “É preciso dominar a técnica para fazer a arte”, avalia Canal, outro perfeccionista a cruzar o caminho de Iberê.

As nove salas de exposição receberão o acervo permanente de Iberê, que re...

A sustentabilidade também pautou a proposta, que reutiliza água da chuva e trata os resíduos de esgoto.

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Siza personalizou até mesmo as imagens que demarcam os banheiros masculino ... Siza personalizou até mesmo as imagens que demarcam os banheiros masculino ... A única sala de exposição com vista – no caso, para os 2 hectares de mata... Nos banheiros, mais precisão: os veios das placas de mármore branco piguês... A escada na área externa emprega um material regional, basalto de Nova Prata... O visitante sobe de elevador ao terceiro andar e desce percorrendo as rampas ... Iberê finaliza mais de meio século de carreira pintando Solidão. A janela estrategicamente posicionada permite ver o rio Guaíba e seu famoso ...

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