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Uma conversa “muy muy interesting” com Patricia Urquiola

A mais famosa designer espanhola conversou conosco sobre crise econômica, a indústria do design e a sua inspiração para criar.

Por Por Vanessa D’Amaro
Atualizado em 19 jan 2017, 15h34 - Publicado em 13 mar 2012, 12h35
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Patricia Urquiola é uma simpatia. Esta é a minha primeira impressão ao vê-la pela primeira vez durante um evento que comemora os dez anos de parceria entre a marca italiana B&B e a brasileira Atrium, na alameda Gabriel Monteiro da Silva, em São Paulo. Sentada no sofá Tufty desenhado pela própria, eu aguardo a minha chance de conversar com a designer espanhola mais famosa da atualidade. Ela se acomoda bem ao meu lado e conta que esta é a sua terceira vez no Brasil – ela já veio outras vezes visitar seu amigo, o arquiteto Marcio Kogan. Dessa vez vai passar uma semana aqui, mas todos os seus pertencentes estão reunidos em uma pequena mala de mão (ou uma “valigia weekend”, como ela a chama). É que Patricia é toda simplicidade: a roupa é antiga; no rosto, usa pouquíssima maquiagem e o cabelo está preso em um rabo de cavalo.

Logo de início, ela conta que entende um pouco o português, mas nossa conversa deve acontecer em italiano (pelo menos, é o que eu pensava). Patricia fala fluentemente espanhol (sua língua nativa), italiano (a língua que usa no trabalho) e inglês. E troca de idioma num piscar de olhos, ou mais precisamente, entre um respiro e outro: começa a frase falando espanhol, muda para o inglês e, suddenly, está hablando perfettamente in italiano. Quando uma das jornalistas na sala comenta que a conheceu ano passado em Milão, ela responde: “Habia una cantidad impressionante de gente brasileña a Milano el año pasado. Mezzo San Paolo era al Salone Del Mobile! Quest’anno ancora di più. Ecco! Voi avete il money to travel porque los europeos no more money to travel. Even to Milano!”. E é aí, nessa mistura de spagnuolo/italian/inglés, que ela engata uma discussão sobre o panorama de crise econômica na Europa que, de acordo com ela, “não vai mudar tão cedo”. 

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Mas, Patricia, como é que se desenha para um mundo em crise? (E, sim, eu sei que essa é uma pergunta muito impertinente para se fazer sentada confortavelmente em sofá que custa alguns milhares de dólares). “A sua ética profissional não deve mudar numa situação desta, você tem que tê-la antes de se encontrar em crise. Não faz diferença trabalhar para um mundo em crise ou para um mundo que não está em crise. Até porque o design em si tem implícito uma certa consapevolezza (consciência, em italiano)”, ela explica. E recorre a sua época de estudante no Politécnico de Milão para contar como os mestres modernistas italianos, Achille Castiglioni e Vico Magistretti, a ajudaram a ter uma visão mais concerned (preocupada, em inglês) do design – o que não aconteceu quando estudava em Madri. “Na Espanha, eu me formei na época do pos-modern, que era uma época muito adolescente. A única coisa importante era get values from anything that was not movimento moderno. O objetivo era romper com o modernismo. Foi logo após o fim do governo Franco. Por isso, tudo era libertad! Foi uma geração muy aberta, muito interessante, sem nenhum miedo”, conta. Agora, Patricia acredita que o caminho é fazer um design mais equilibrado. Uma das apostas de 2011, por exemplo, foi o sofá Bend que é um pouco mais acessível para os padrões da B&B Itália. Outro exemplo é a poltrona Husk, que é toda feita de materiais que podem ser reciclados – o que mostra a preocupação com a natureza (“é preciso entender que o mundo da sustentabilidade é o mundo da complexidade”). E é num mundo com estas preocupações que Patricia quer criar suas duas filhas (uma de 6 e outra de 17) – e não em um mundo “muy muy easy, muy muy crazy” em que ela cresceu. 

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E como o Brasil pode ter uma indústria forte de design como a italiana? “Eu acredito que o Brasil tem uma herança importante de arquitetura. E vocês têm gente jovem com muita energia e muita cultura. Os designers já existem aqui. Mas é importante que se perceba que o design é algo feito entre dois indivíduos: o designer e o industrial, que também tem que ter uma base cultural forte. O industrial precisa ser alguém que se disponha a pesquisar, investigar e perder tempo com os projetos”. De acordo com ela, o segredo são as pequenas empresas familiares. “A fórmula italiana é essa: pequenas indústrias de famílias trabalhando diretamente com designers”, define. “A família Busnelli [donos da B&B Italia] é assim. O pai [Piero Ambrogio Busnelli] era alguém com muita energia. Ele não queria só fazer sofás, ele queria fazer sofás de vanguarda. A Patrizia Moroso [diretora criativa da marca que leva seu nome] é uma chica, jovem como nós”. 

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Qual é a dica para se tornar um nome forte no mundo do design? “A única coisa importante é que você crie um DNA no seu trabalho, que tenha credibilidade”, aconselha. Mas ela também diz que é importante estar aberto às possibilidades. “As pessoas falam que eu gosto muito do artesanato, das cores… E eu digo: veja bem, eu gosto muito quando é necessário. Eu trabalho também com projetos rígidos e trabalho bem com molde e escala industrial. Eu sou adaptável”, explica.

E de onde vem a sua inspiração, Patricia? “Eu acho que eu sou uma pessoa curiosa. E as pessoas curiosas são muito fáceis de entender. Existem dois tipos de pessoas: as que vêem coisas diferentes e fora do lugar e querem levá-las para casa e aquelas que desviam o olhar. No momento em que você vê algo fora do lugar e se interessa por aquilo, você é uma pessoa curiosa. Essa sou eu. Eu me interesso por coisas que estão out of order”. Muito bonito isso. E, antes que a entrevista termine, ela me conta outra coisa que vale a pena registrar. “Sabe quem representa bem a minha cultura? O David Byrne [vocalista da banda punk-new wave Talking Heads]! Ele escreve, compõe… C’mon!”, ela se revela fã. Que ótimo! Patricia, foi um prazer te conhecer.

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