Uma selva de bolso: conheça a urban jungle do centro de São Paulo
O espaço multifuncional mostra a importância da convivência com as plantas, desapego e ressignificação dos objetos e seus usos
por Luiza CesarAtualizado em 5 set 2024, 18h34 - Publicado em
11 Maio 2022
19h00
Caro leitor, deixe de lado todos os seus padrões de estética. A partir de agora vamos adentrar um lugar muito especial. O desafio é deixar todas as expectativas de lado para poder mergulhar nessa pequena floresta e, assim, compreender seu propósito e importância.
Quem não está acostumado com o centro de São Paulo nem acredita que um espaço urban jungle está disponível para aproveitar drinks, realizar eventos e se hospedar. Em meio a tanto concreto e próximo de alguns dos prédios mais importantes da cidade, no 43º andar do Mirante do Vale, um respiro verde traz de volta o senso de coletividade e a conexão com a natureza que, infelizmente, se perdeu no meio do caos da pandemia.
Inaugurado em 1966, o Mirante do Vale é o maior prédio da cidade e foi projetado por Waldomiro Zarzur. Por 48 anos também foi o maior edifício do país e o 18º arranha-céu mais alto da América do Sul. Com um histórico deste, muitos devem pensar que as memórias aqui são gloriosas, mas não é bem assim.
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Carregando muitas histórias cabulosas de moradores, comerciantes e empresas, o prédio vem tentando reconstruir suas origens, o famoso Sampa Sky – que oferece um olhar de São Paulo por um bloco de vidro – é mais uma experiência que vem trazendo a popularidade do Mirante de volta. A outra, que se destaca pela sustentabilidade, funcionalidade e, principalmente, impacto, é o Andar 43.
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Raízes da pandemia
Tudo começou com o francês Charly Andral, produtor cultural, que na busca por um lugar para morar encontrou um tesouro dentro do Mirante. O apartamento conta com uma vista hipnotizante do Vale do Anhangabaú, Teatro Municipal, Farol Santander e da Praça das Artes que pedia para ser compartilhada com outras pessoas.
Foi assim que sua imaginação foi a milhão, renunciando a ideia de morar ali para poder investir em eventos sociais e experimentações artísticas: “O maior prazer foi quando comprei a sala e estava totalmente vazia. Eu pirei a noite inteira fazendo diversos planos”, conta ele.
Esta foi a cereja do bolo para Charly, que trabalhou durante 8 anos no mundo corporativo e largou tudo para vir para São Paulo, onde se apaixonou pela cidade, especialmente pelo centro: “acho muito rico e intenso, achei um lugar bem desafiante para vir. Pensei que aqui não iria me entediar nunca. Cheguei, aprendi português e foquei na minha carreira em produção cultural.”
Uma instalação de um triângulo de redes idealizado pelo arquiteto e antropólogo Thiago Benucci inaugurou a sala. A selva veio depois, filha da pandemia, onde todos nós estávamos com sede por natureza e um lugar aconchegante. Como o cenário impossibilitava a realização de eventos, a ideia de uma hospedagem e um pequeno cantinho para que as pessoas conseguissem fugir da rotina, se adequou melhor.
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Apesar de ter se formado em ciências políticas, Charly sempre gostou de arquitetura, influências da sua mãe urbanista, e foi o criador do projeto e da cenografia geral. Mas outras mãos fizeram tudo acontecer. Reinaldo Apablaza, chileno formado em design, trabalhou por 6 anos em viveiros de reflorestamento na região de São Paulo e ajudou na curadoria das plantas – afinal, são mais de 100 espécies exibidas no espaço.
João Vidal é outra pessoa muito importante para o funcionamento do Andar 43. Ele, que também é morador do Vale, conheceu o trabalho de Charly antes de se mudar e tinha o desejo de fazer parte do projeto de alguma forma. Foi assim que os dois se conheceram e se conectaram. Hoje, João é o braço direito do francês.
A ideia por trás da urban jungle é destacar um dos biomas mais ricos e que ocupa uma boa parte do Brasil, a Mata Atlântica: “Um colega urbanista me ofereceu um livro do Burle Marx que tinha uma pegada de valorizar os biomas brasileiros. Então tive a ideia de inserir plantas aqui, achei que elas fariam sentido no centro de São Paulo para trazer uma narrativa – sobretudo com o Vale do Anhangabaú”, explica Charly.
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Construir uma selva dentro de um apartamento de 70 m² e no meio de uma das maiores cidades do país, é surpreendente e impressionante. Com uma agenda muitas vezes lotada de eventos, a reconfiguração e organização do espaço são palavras-chaves para o seu funcionamento. E é aqui que entram os móveis “dobráveis”, oferecendo muita modularidade.
Quem passa por ali não acredita que além de bar e restaurante, é também uma hospedagem, local de oficinas e várias outras atividades. Mesmo sendo pequeno, a sala consegue camuflar bem todas as suas funções.
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Decoração
“Aqui acho que é um pouco fora dos padrões do Casa.com.br”, brinca Charly que sabe que muitas pessoas que entram na sala sentem um choque inicial.
Todas as peças e móveis que fazem parte do espaço foram, em algum momento, descartados pelos moradores do prédio, que no Andar 43 encontraram um novo lar. Esta escolha estética também possui outra razão: mostrar a história de um lugar que sofreu muito abandono.
E, cá entre nós, parece que até as plantas sentiram esta energia poderosa de uma São Paulo dos anos 60 e 70, pois você consegue ver os ramos se apoiando nas vigas e atravessando armários.
“Um dos nossos focos é resgatar coisas – memórias, biomas, móveis e acessórios – e não comprar tudo novo. O desafio é ter cuidado com o histórico do Mirante e tentar reutilizar tudo o que dá”, conta o criador.
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Uma cabine fotográfica, por exemplo, encontrada no Facebook Marketplace foi desmontada e virou uma ducha no meio da sala – que se provou ser um pouco traumática para alguns usuários. O estilo escolhido enfatiza o choque estético das imperfeições, seja pela reciclagem ou pelo tempo.
Em um espaço que proporciona uma sensação de liberdade, por estar cercado pela natureza e te deixar livre para se relacionar com o entorno, é esperado que comportamentos e visões sejam mudados. Até mesmo em relação a bagunça – onde já se viu estar cercado por mais de 100 espécies e não ter uma sujeira ali e aqui? Se prepare para muitas desconstruções!
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“Você vive da forma mais natural possível, você vai acordar com o sol às 5 da manhã, por exemplo. É uma experiencia de existir 100% com o movimento da cidade e do sol. É como se fosse um mini terrário e a gente fosse os bichos que a cidade está olhando através do vidro. Às vezes a gente não sabe quem está olhando quem porque é uma sala bem exposta. É realmente uma relação de troca de olhares”, complementa Charly e João.
As janelas grandes e sem cortinas é um dos elementos de maior destaque e que sai da tradição da maioria das casas e apartamentos. Em uma cidade grande e agitada, a tendência é que você consiga ter uma certa privacidade no seu lar – puxando as cortinas e se escondendo do mundo. Porém, como já aprendemos, convencional não faz parte do dicionário do Andar 43.
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Organização
Você já ouviu falar da Golden Ratio? Também conhecida como proporção áurea, ela apresenta um equilíbrio perfeito – baseado na sequência de Fibonacci. Presente em diversos lugares da natureza, seu desenho e configuração são agradáveis ao olho humano – o que a fez muito popular em construções arquitetônicas e obras de arte.
Junto com Reinaldo, a organização e decoração do espaço foi baseado neste conceito de construir uma dinâmica de curva, justamente para deixar as coisas mais fluídas.
Versatilidade
Quem aqui não desejou passar uma noite fora de casa com o crush na pandemia só para tomar um vinho e pedir um delivery? Com a necessidade de respirar novos ares mas de uma forma segura, os airbnb’s se tornaram essenciais, e nada melhor do que fazer isso repleto de plantas e uma vista maravilhosa, certo?
Quando o espaço vira uma hospedagem, uma cama de casal sai da parede, onde fica escondida em um móvel embutido que expõe, em dois nichos, livros, flores, um globo e outros objetos decorativos.
“Existe uma certa agrofloresta aqui, com várias camadas de atividades sobrepostas e que se nutrem umas com as outras, são complementares. Estamos recebendo várias propostas de diversas coisas – de oficina de plantas secas à literárias – então é tudo bem intuitivo. Não temos um plano de investimentos para 10 anos, estamos 100% autônomos, com flexibilidade e independência”, explica Charly.
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O produtor cultural também nos contou que o seu objetivo nunca foi segmentar a experiência, mas apresentar o espaço como um lugar para todo mundo – uma porta para públicos diversos. Existem eventos mais acessíveis e outros mais caros, sempre com um planejamento ser acessível.
Fazer parte do ecossistema que o Mirante do Vale fez com que o Andar 43 recebesse diferentes tipos de apoios dos seus vizinhos. É um pequeno mundo girando e contribuindo – afinal, um ambiente tão receptivo atrai pessoas acolhedoras.
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Por trás de cada objeto
Ao passar pela porta de entrada da sala, o visitante se depara com três colunas de armários de arquivos, como se fosse um tempo da burocracia. A ducha “de Adão e Eva”, que citamos acima, recebeu um toque pop com uma bola de espelhos dentro. E a cozinha, montada com materiais em inox recuperados de restaurantes, é o centro das preparações dos jantares – para até 15 pessoas.
Além disso, existem elementos um pouco “aleatórios e que tem cara de lugar abandonado”, como diz Charly. Recipientes de laboratório com mudas dentro e até outros pequenos detalhes exibem muito bem a personalidade da selva – que tenta abrir caminhos no meio de tanta informação.
As plantas
Roubando a cena no ambiente, não tinha como não falarmos das mudas presentes. A lista extensa contém até pau-brasil, pitangueira e jabuticabeira! Muitas também possuem particularidades que ajudam na respiração e filtração do ar. A seleção foi feita a partir das espécies da Mata Atlântica e depois foi levado em consideração as demandas de luz – lugar que cada uma recebe depende de suas necessidades.
Charly ainda enfatiza que aprender a cuidar da selva é um trabalho constante de lembrança e entender que cada vaso tem um briefing – principalmente quando o assunto é rega, que pode afetar muito a saúde de uma planta.
“Como a Mata Atlântica é uma floresta densa, muitas plantas que crescem aqui são de meia sombra, o que combina bastante com a iluminação da sala. Quem nos dá muita assistência é um colega, Salvador Campos, que verifica duas ou três vezes por mês se está tudo bem. E todos os cuidados são com técnicas orgânicas, não queremos colocar produtos químicos – especialmente quando recebemos tantas visitas. O desafio é tratar tudo com produtos naturais – comprando joaninhas e fungos, por exemplo”, explica ele.
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Já que este projeto deu tão certo, podemos esperar mais coisas pela frente?
“No início, a sala ia trocar de projeto a cada ano, mas confesso que foi tão trabalhoso de construir isso que, agora, estou pensando em deixar um pouco mais. O que também dá mais tempo para explicar a fundo cada projeto. Tem sempre coisas aparecendo, a gente quer fazer um projeto para a virada cultural, teremos mais eventos de gastronomia, então tem sempre novas ideias aparecendo para trabalhar com o conceito de Mata Atlântica e biomas brasileiros que criamos aqui, tenho muita vontade de continuar explorando isso”, finaliza Charly.
Ficou com vontade de conhecer?
Todos os eventos são realizados com reserva, para não super lotar e guardar o aspecto privativo e atendimento personalizado. Confira a agenda: https://linktr.ee/andar43.sp
Gostou do projeto e gostaria de ajudar? O Andar 43 está com uma campanha de financiamento de oficinas para crianças, acesse aqui.