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A que ponto o design pode ajudar na forma como lidamos com a morte?

Perder alguém próximo nunca é fácil, mas estes projetos, lugares e ideias querem desmistificar a morte e confortar todos os envolvidos

Por Mariana Bruno
Atualizado em 17 fev 2020, 16h00 - Publicado em 16 jul 2019, 17h47
Capsula Mundi. (Capsula Mundi/Divulgação)

É comum falarmos de design e da morte, mas raramente os dois termos são colocados em uma mesma frase ou contexto. O primeiro toca todas as partes das nossas vidas. Já o segundo é um tema que causa medo, desconforto e que muitos preferem evitar. Mas, em uma época em que repensamos nossos hábitos e tratamos de bem estar, sustentabilidade, qualidade de vida e nossa existência na era digital, por que não repensar também nossa relação com a morte?

Parando para analisar, nossos rituais funerários são os mesmos há muito tempo. E, de acordo com alguns especialistas e seus estudos, essa condição não é mais suficiente na atualidade. Mas, para falar desse tema, é preciso antes dar um passo atrás e olhar ao nosso redor.

Cimitirul Vesel. (POPOVICI Dan Cristian/Wikimedia Commons)

A morte muitas vezes está relacionada a uma doença. Para Ana Claudia Quintana Arantes, médica de cuidado paliativo e autora do livro A Morte é um Dia Que Vale a Pena Viver, a doença é “uma abstração da realidade. Ela está nos livros, ela está no microscópio, nas definições, nas publicações. Mas, quando a doença encontra um ser humano, ela produz uma melodia única, que se chama sofrimento. As doenças se repetem nas pessoas, mas o sofrimento não. O sofrimento é único – cada um tem o seu”.

Os livros de cuidado paliativo, como diz em seu TEDx Talks, explicam quatro sofrimentos: físico, emocional, social e espiritual. Para Ana Claudia, há uma quinta dimensão: a familiar. “A gente nunca fica doente sozinho – a gente fica doente com a nossa família. A gente faz parte da nossa família, depois a gente se torna um doente da nossa família e, depois que a gente morre, é um buraco que fica nessa situação. E isso precisa ser cuidado”. 

É justamente desse “buraco” que os projetos abaixo tratam. Por meio do design (e da arquitetura), eles buscam confortar e trazer mais normalidade a todos – doentes, idosos, familiares e amigos.

Museu Judaico de Berlim. (© Jorge Royan/Wikimedia Commons)

Desconstruindo e descontraindo a morte

A Common Practice (antiga The Action Mill) é um ótimo exemplo. Além de ajudar as pessoas a se prepararem para suas próprias mortes e para o falecimento de familiares, a agência de design criou o Hello, um jogo de cartas que fala sobre a vida e a morte, e o blog Death and Design, que traz textos e produtos para discutir a morte sob diferentes perspectivas.

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Alguns projetos similares são o Modern Loss, site dividido por tipos de “perda” e temas mais populares, e o Death Cafe, um grupo de discussão online e físico que fala sobre a morte – desde setembro de 2011 foram organizados 8.846 encontros em 65 países.

Tikker Watch. (Tikker Watch/Divulgação)

A tecnologia em relação à morte

No lado tecnológico, um recurso como o inventado por Tony Stark em Vingadores: Ultimato seria um sonho para muitas pessoas. No filme, o Homem de Ferro deixa um holograma gravado para sua família. Quem não gostaria de poder ouvir a voz, e ver um ente querido ou amigo quantas vezes quiser?

Na vida real, já existem iniciativas como o aplicativo Incubate, que envia mensagens em uma data no futuro, permitindo que as pessoas se façam presentes mesmo depois de mortas; e o app Flutter, que usa a terapia musical para ajudar adolescentes em luto. Também há ideias como o Tikker Watch, relógio que usa uma fórmula para fazer uma contagem regressiva aproximada do seu tempo na Terra.

Leaves. (Leaves/Divulgação)

Desmistificando

Para a designer de serviço finlandesa Marja Kuronen, o primeiro passo para melhorar nossa relação com a morte é desmistificá-la, trazê-la para o dia a dia, e aplicar o design thinking para buscar soluções viáveis e acessíveis.

“A morte é abordada na cultura pop e na arte, mas quando um membro da família morre, as pessoas se deparam com questões que elas realmente não entendem. Isso ocorre porque a morte foi varrida de nossas vidas para hospitais e necrotérios. Isso pode soar macabro, mas eu gostaria que a morte e os enterros pudessem ganhar mais espaço na vida cotidiana das pessoas”, contou em entrevista ao Helsinki Design Week.

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Tactile Perception. (Tactile Perception/Divulgação)

A designer descobriu que, na Finlândia, adultos entre 30 e 40 anos buscam uma mudança nos rituais tradicionais – eles querem tirar proveito da era digital, da inteligência artificial e dos materiais inteligentes para planejar eventos com antecedência, participar de funerais de forma remota, e ter acesso a soluções individuais.

“A compostagem do corpo já é possível em algumas partes do mundo, e no Japão, algumas pessoas atuam como planejadores de casamentos para organizar funerais. Em alguns lugares, a inteligência artificial foi usada para reunir memórias e aliviar as diferentes fases do luto”, disse.

Capsula Mundi. (Capsula Mundi/Divulgação)

Design para a morte

Nessa linha de pensamento, a revista de design digital designboom organizou, em 2013, a competição internacional Design for Death (Design para a Morte, em português). Muitos dos projetos por ele reconhecidos têm a ver com a tradição do enterro – e essa é uma das vertentes mais populares do design relacionado à morte.

Uma das alternativas ao enterro tradicional é a Eternal Reefs, que transforma as cinzas da cremação em um recife para repor a população dos corais na Flórida, nos Estados Unidos. Urnas biodegradáveis, como a Capsula Mundi e a Bios Urn, são sustentáveis e deixam um memorial mais físico: as cinzas são enterradas com uma semente de árvore, que pode ser plantada no jardim da família.

Memento. (Memento – After Time Elapsed/Divulgação)

Outros tipos de urna buscam trazer conforto aos familiares e amigos por meio de objetos menores, que podem ser tocados e transportados com facilidade. É o caso da Tactile Perception, uma pequena urna feita com nogueira, e do Memento, objeto criado a partir de uma mistura entre as cinzas e resina. Ambos os projetos são biodegradáveis e podem ser enterrados.

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Um enterro mais humano é o que propõe o Leaves, um “caixão” sustentável que usa fungos para biodegradar o corpo para que ele, por sua vez, fertilize o solo. Para as pessoas que preferem manter a lembrança mais próxima, há empresas como a And Vinyly, a Lonité, e a Ashes into Glass, que transformam cinzas em vinil, diamantes e joias, respectivamente.

“Analisar os pontos fortes e fracos dos atuais sistemas e rituais com a mente aberta e aplicar a graça, a previsão, o rigor, a sensibilidade e a imaginação para vislumbrar melhores resultados poderiam nos ajudar a morrer de forma mais humana”, Alice Rawsthorn, crítica de design, explicou ao Design Council.

Waverley Cemetery. (Sardaka (talk)/Wikimedia Commons)

Morte por metro quadrado

Isso também tem a ver com os espaços físicos. A Bloomberg, por exemplo, listou os 12 cemitérios mais lindos do mundo, com lugares como o Cimitirul Vesel, na Romênia, com lápides coloridas; e o Waverley Cemetery, em Sydney, que fica de frente para o mar. 

Alguns memoriais também se destacam no quesito delicadeza. Um deles é o Memorial do 11/9, em Nova York. Ali, as antigas Torres Gêmeas foram substituídas por cascatas infinitas que, nas bordas, contêm os nomes dos que morreram ali. À noite, elas são iluminadas e “reconstroem” os prédios que foram destruídos.

Memorial aos Judeus Mortos da Europa. (Georg Botz/Wikimedia Commons)

Em Berlim, o Memorial aos Judeus Mortos da Europa usou uma abordagem mais minimalista e clean. Fileiras de blocos cinza de mesmo tamanho (na proporção de um caixão) se repetem e, parecendo intermináveis, criam uma impressão de contínuo.

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As Catacumbas de Paris, um dos passeios mais diferentes da cidade francesa, foram criadas para resolver a superpopulação dos cemitérios, que apresentavam um risco para a saúde. Hoje, organizados de forma quase artística, os ossos não permitem discriminação, mas prestam homenagem a esse período da história francesa e aos mais de dois milhões de parisienses enterrados ali.

As Catacumbas de Paris. (Mariana Bruno/Reprodução)

Lugares e projetos como estes provam que é possível tratar da morte de um forma sutil e, ao mesmo tempo, manter viva a lembrança e a consciência do passado.

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