Continua após publicidade

Como a física quântica pode transformar o seu cotidiano

O indiano Amit Goswami explica nesta entrevista o novo paradigma da ciência. Talvez você passe a encarar até aquela reforma cheia de perrengues com outros olhos

Por Texto Raphaela de C. Mello | Direção de arte Camilla Frisoni Sola | Design Luciana Giammarino | Fotos Marcos Pacheco
Atualizado em 20 dez 2016, 18h25 - Publicado em 14 Maio 2012, 18h31
bof_maio_fisica_quantica_01

Se você assistiu ao documentário Quem Somos Nós? (What The Bleep Do We Know?, 2004, Playarte), deve se lembrar do indiano Amit Goswami — aquele risonho senhor com seu inseparável chapéu praiano. Ph.D. em física quântica pela Universidade de Calcutá, na Índia, e professor emérito do Departamento de Física da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, ele se juntou a outros cientistas, filósofos, terapeutas e místicos para defender, diante das câmeras, a tese de que podemos criar nossa própria realidade.

Atualmente aposentado das funções acadêmicas, Goswami, filho de um guru hinduísta, viaja o mundo para explicar como a física quântica pode transformar o cotidiano das pessoas e das sociedades. Até os 45 anos de idade, entretanto, ele rejeitou a herança espiritual paterna. Manteve-se fiel ao materialismo – corrente de pensamento calcada na crença de que todas as coisas e fenômenos provêm da matéria –, até se ver cercado de muitas perguntas e poucas respostas. Insatisfeito, remexeu suas origens místicas, sem, contudo, abandonar o faro científico. Assim, descobriu o potencial ilimitado da consciência, segundo ele, força transcendente responsável por existências mais criativas e elevadas em termos individuais e coletivos.

No final do ano passado, o conferencista esteve em São Paulo para o lançamento do livro O Ativista Quântico – Princípios da Física Quântica para Mudar o Mundo e a Nós Mesmos (Aleph), bem como do DVD homônimo. Também autor de A Física da Alma e Criatividade Quântica, entre outros títulos publicados pela mesma editora, esse cientista pouco convencional concedeu a BONS FLUIDOS a curiosa entrevista que você acompanha a seguir.

bof_maio_fisica_quantica_02

Como a física quântica pode ser aplicada na vida cotidiana?

 

Amit Goswami: Somos influenciados a todo instante por esse campo do conhecimento. Entretanto, a física é, na maioria das vezes, associada à teoria newtoniana, materialista, segundo a qual tudo se explica por meio da matéria. A física quântica é a ciência das possibilidades escolhidas pela consciência superior ou cósmica, ligada ao todo, ao universo infinito. Se seguíssemos essa vertente, a educação nas escolas, por exemplo, seria muito diferente. Os professores encorajariam a liberdade em vez de vigiá-la ou cerceá-la, como também a busca por valores e significados mais profundos. Entretanto, ainda vivemos de forma convencional, o que desestimula a criatividade. Nos dias de hoje há muita ênfase no fazer. Trabalhar e trabalhar. Não importa se o trabalho carrega um significado especial para o indivíduo, porque não há espaço para se extrair das experiências significados e valores transformadores, justamente o foco da física quântica. Uma vida mais interiorizada, meditativa e, portanto, criativa, se torna impossível em rotinas tão atribuladas que reforçam o pensar e o fazer em detrimento do ser. Entretanto, ao se relaxar e voltar-se para dentro de si, as possibilidades quânticas se expandem como ondas. Nossas escolhas, portanto, se expandem e, por tabela, nossa capacidade de ser.

Continua após a publicidade

Você afirma que a física quântica é a ciência das possibilidades. O que isso significa em termos práticos?

 

Amit Goswam: Essa concepção não é muito diferente do que acontece no mundo material. Objetos materiais apresentam possibilidades mutáveis, ou seja, eles se expandem, embora de forma pouco significativa aos nossos olhos. Por isso, o mundo externo parece praticamente estável, dando-nos a impressão de que independe do nosso olhar. Mas, na realidade, mesas, cadeiras, enfim, tudo está se modificando no nível diminuto do universo das partículas. O mesmo acontece com a realidade de cada um. Partindo dessa constatação, a física quântica se apresenta como a física das possibilidades, e sua mensagem incontroversa é que temos potencialmente a liberdade de escolher, dentre essas possibilidades, resultados que podem ser vivenciados, modificando dessa maneira nossa realidade. Nesse sentido, essa corrente científica desempenha um importante papel no mundo dos nossos sentimentos, de nossa intuição, especialmente, de nossa mente e do nosso universo interior, onde passamos a maior parte do tempo. Quanto mais nos tornamos conscientes dessa realidade, mais criativos nos tornamos.

 Alguns cientistas afirmam que a consciência, no sentido da percepção refinada, é simplesmente uma construção do cérebro. Como a física quântica define essa capacidade humana e como ela funciona?

 

Amit Goswam: Esse é justamente o princípio de uma nova ciência. Todos os objetos, para a física quântica, são possibilidades. Mas como possibilidades, nunca vistas, viram eventos reais em nossas experiências? Isso era uma charada até nos darmos conta de que a consciência não é um fenômeno restrito ao cérebro, uma vez que ela transcende esse órgão, invadindo a dimensão do ser. Nesse sentido, a consciência é anterior ao cérebro e, portanto, influencia seu funcionamento. Isso nos leva à constatação de que a consciência faz escolhas a partir dela mesma, ou seja, ela converte possibilidades em eventos reais.

Continua após a publicidade

Como podemos nos conectar a essa consciência superior

 

Amit Goswam: Nós não nos conectamos a ela de forma permanente. É algo descontínuo, que necessita de transições – do fazer ao ser, do ser ao fazer, e assim por diante. Por isso, a criatividade nos escapa tão facilmente. Para que ela brote, precisamos sair do âmbito do fazer para o do ser, relaxando e voltando a atenção para o mundo interior. A meditação, por exemplo, desacelera a mente submetida ao fazer – se permitirmos, a mente acabará pulando de uma tarefa para outra, sem parar. A desaceleração da mente é a chave para a criatividade. Esse é um aspecto fundamental de várias tradições espirituais. Espiritualidade envolve criatividade e a criatividade demanda uma mente serena.

A mensagem central do filme Quem Somos Nós? é a de que nós criamos nossa própria realidade. Como se dá essa criação?

 

Amit Goswam: Essa ideia é controversa porque a primeira impressão é de que criamos nossa realidade a partir da consciência do ego. Acontece que as escolhas conscientes não se dão no estado ordinário de consciência, sob a regência do ego, e, sim, no estado não ordinário de consciência, ou seja, quando nos integramos ao todo, ao cosmo. Esse conceito é muito importante e precisa ser entendido corretamente. Ele diz respeito à interconexão existente entre todas as pessoas e as coisas fora do espaço tempo – sistema de coordenadas usado pela física tradicional. É algo muito sutil. Isso prova que os místicos estavam certos sobre a existência de duas realidades: uma ordinária e imanente, relacionada ao mundo material, e outra sensível e transcendente, associada à dimensão espiritual, mas ambas entrelaçadas.

Continua após a publicidade

Podemos, então, criar somente coisas boas, banindo o sofrimento?

 

Amit Goswam: Sim, podemos, mas temos de entender que isso requer forte intenção seguida de um processo criativo. Precisamos criar uma intensidade de propósito e depois relaxar, oscilando entre os âmbitos do fazer e do ser, sucessivamente, de acordo com a lógica quântica. Daí, podemos certamente criar coisas boas com base nos saltos quânticos também conhecidos como insight criativo.

Qual a importância do livre arbítrio na busca pela realização?

 

Amit Goswam: A chave é alcançar o estado de não localidade no todo infinito da consciência, ou seja, a chave é saltar do estado normal de consciência, o ego, para uma unidade cósmica extraordinária de superconsciência chamada self quântico. Somos capazes de ser felizes naturalmente, mas, para tanto, não pode haver divisões, precisamos encontrar a unidade com o todo. O caminho para a felicidade é viver uma vida cheia de realizações e sem divisões, valorizando sentimentos nobres como amor, discernimento, transparência e dando menos atenção ao ego. Para tanto, nossa mente precisa estar consciente e cultivar pensamentos positivos, além de expressar sentimentos amorosos nas relações com familiares, vizinhos e colegas. Outra importante fonte de realização é se ocupar de algo que realmente tenha um significado maior do que meramente ganhar dinheiro. Precisamos buscar trabalhos que nos tragam verdadeira satisfação. Essas posturas fazem parte do que chamo de ativismo quântico, cujo objetivo maior é encontrar os pensamentos e o modo de vida que estimulem a criatividade e a satisfação plena. Lembrando que somos muito suscetíveis à influência de emoções negativas e, se não estivermos despertos, escorregaremos nessa tendência inata.

Continua após a publicidade

Como você descreve Deus?

 

Amit Goswam: Falamos sobre as possibilidades que se tornam realidade com base nas escolhas feitas no estado de consciência não local, ou seja, fora do tempo e espaço. Pois esse estado de superconsciência ou self quântico é o que as populações antigas chamavam de Deus. As religiões precisam dar um passo adiante. As pessoas precisam redescobrir Deus por elas mesmas, por meio de uma vida criativa, e não simplesmente temê-lo ou se submeter a concepções impostas. Deus se manifesta na liberdade de escolha. Ele está em nós. Em nossos aspectos mais profundos.

Para você é mais fácil lidar com os problemas cotidianos?

 

Amit Goswam: Tenho dificuldades como todo mundo. Mas aprendi a me manter consciente, com a ajuda da meditação, seja sentado da forma tradicional, seja pensando em coisas boas e em pessoas queridas e expandindo essa energia amorosa para o mundo. Dessa forma, não permaneço na negatividade. Quando deparo com obstáculos, sempre penso: “Isso também passará”.

Continua após a publicidade

Quais são suas perspectivas para o futuro da humanidade intensamente assolada pela violência, pela miséria e pela intolerância?

 

Amit Goswam: Acredito que o movimento da consciência nos conduzirá à evolução amparada na percepção aguçada da realidade sutil, ou seja, de uma realidade infinitamente maior que a realidade da consciência ordinária, baseada no ego, bem como na exploração de significados e valores profundos com base nas experiências e na convivência. A evolução, às vezes, detona crises, processos que nem sempre são negativos. É preciso lembrar que sem as crises não dispomos de intensidade, de urgência. E muitas transformações chegam até nós pela via do coletivo, na forma de calamidades, guerras, fome. Aí, logo pensamos: por que Deus está nos punindo? Precisamos levar em conta o fato de que o cosmo funciona de maneira tão vasta que, às vezes, nossa compreensão é incapaz de abarcar essa grandiosidade.

Glossário quântico

 

Selecionamos algumas expressõeschave para que você possa se familiarizar com essa novíssima percepção da existência.

 

Ativismo quântico – A ideia de que transformamos a nós mesmos e a nossa sociedade segundo as mensagens da física quântica.

Colapso – Produto da escolha consciente.

Consciência – A base de toda a existência.

Deus – Inteligência superior que também é o agente criativo da consciência.

Efeito do observador – O ato de ver algo, transformando possibilidades em experiência real na consciência do observador.

Inteligência supramental – A intuição.

Não localidade quântica – A capacidade de comunicação sem sinais, fora do espaço tempo.

Possibilidades quânticas – Caminhos que se apresentam ao livre-arbítrio por meio da consciência.

Salto quântico – Elo entre nós e aquilo que escolhemos com base na consciência transcendente, por exemplo, o insight criativo.

Self quântico – Espírito ou estado de superconsciência.

Publicidade