De um lado, paredes sem janelas – como manda a arquitetura vernacular local – do outro, painéis de vidro escancaram a paisagem vasta e azul mediterrâneo
Por Márcia Carini
Atualizado em 9 set 2021, 12h08 - Publicado em 17 jan 2018, 10h08
Os volumes escalonados e arredondados,
assim como a cor branca, fazem referência
direta ao casario e às fortificações históricas da ilha, parte do arquipélago das Baleares. Também são comuns nas construções da região o uso de madeira e pedra – aqui, aplicadas em versão contemporânea.
(Francesco Bollis/Francesco Bollis)
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Um arquiteto, mesmo o mais sonhador, não conseguiria imaginar presente tão perfeito quanto o que caiu nas mãos do espanhol Fernando de Castro Tornero. Ele foi chamado para projetar uma casa de quase mil m² diante do mar na Ilha de Ibiza – e não constavam da proposta restrições de orçamento. Deveria ser um imóvel de luxo, feito para uso próprio e aluguel durante a alta temporada.
Com um chamativo círculo vazado, a lareira inclui base de alvenaria e corpo revestido de aço corten. A peça tem valor sobretudo escultórico, pois embora no inverno a água do mar esfrie, as temperaturas na ilha raramente caem abaixo de 10°C. Ao fundo, o quadro azul foi pintado pela proprietária (assim como todas as demais telas) especialmente para a casa. (Francesco Bollis/Francesco Bollis)
O combo de sonho e oportunidade incluía ainda proprietários estetas, de gosto apurado e fortemente ligados às artes. Ou seja: o belo e o respeito à natureza permearam as conversas da família de clientes e do profissional desde o início, numa sintonia sensível que durou praticamente dois anos – prazo de desenho e obra. Valendo-se de seu vocabulário preciso, Fernando explica que os aspectos telúricos, quase mágicos, de Ibiza determinaram muito do traçado da residência – como se a geografia local por si só fizesse exigências. A cor branca, típica das moradas camponesas nos arredores, talvez seja o item de reconhecimento mais imediato. Afinal, a cidade glamorosa e notívaga que tantos turistas atrai durante o verão europeu é cercada de escarpas e cenários estonteantes, onde as edificações são singelas e a vida corre em ritmo desacelerado.
Mas não era só. A sabedoria popular contida nas construções da pequena isla ensinou também que o norte traz ventos fortes. Daí uma das fachadas surgir quase cega. Toda a luz entra pela face sul, inteiramente aberta para o Mediterrâneo. Bebem desse horizonte azul as sete suítes. Foi um pedido da família que cada quarto tivesse seu próprio banheiro e uma vista de tirar o fôlego – dois itens importantes em um endereço pensado para quem busca dias de férias paradisíacas.
Mais do que transparentes, as janelas parecem inexistentes. Mérito dos enormes panos de vidro (6 m de comprimento), em caixilhos de alumínio com perfis extremamente delgados e anodizados no tom corten. Para arrematar, as esquadrias envelopam a construção por fora, sem coincidir com os pilares (Francesco Bollis/Francesco Bollis)
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Materiais naturais se encaixaram com total pertinência nos planos. Madeira, bambu e pedra foram privilegiados, embora proprietários e arquiteto buscassem encontrar justa medida entre a referência vernacular e as soluções mais tecnológicas empregadas (pilares e vigas metálicas cumprem seu papel hig-tech com discrição, escondidos sob as paredes, e um piso de microcimento branco oferece altíssima performance e a atmosfera desejada).
A pérgola esconde um segredo: vigas metálicas garantem a sustentação da madeira de demolição. Aqui e ali, aberturas envidraçadas retangulares deixam o sol passar. No fundo, brises de bambu tratado servem de anteparo ao vento – essa mesma linguagem se repete dentro da casa. (Francesco Bollis/Francesco Bollis)
Quando a casa ficou pronta, pensou-se em uma seleção de espécies autóctones para o entorno. Pouco a pouco, ciprestes e oliveiras vão ocupando os espaços e vicejando ali – alguns crescem ao sabor do vento. “Uma vez alcançada a plenitude de crescimento, transformarão para melhor a arquitetura”, arremata Fernando, acreditando ser possível incrementar o que já começou bem.
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O mesmo piso dos interiores atravessa a área externa e cobre a piscina de borda infinita. Nesta fachada, o pórtico de madeira – comum em casas antigas de Ibiza – reaparece como um discreto anteparo para o sol, hóspede o ano inteiro. Os pilares são metálicos, apenas revestidos de madeira. (Francesco Bollis/Francesco Bollis)
Veja mais fotos na galeria abaixo:
1/6 Na casa inteira, há este piso monolítico (sem emendas) de microcimento aditivado e impermeabilizado. No banheiro, sobe pelas paredes. (Francesco Bollis/Francesco Bollis)
2/6 Outra solicitação atendida: na escada vazada, os degraus ficam presos à parede também com a ajuda de elementosde aço (Francesco Bollis/Francesco Bollis)
3/6 A madeira de reúso (pau- -ferro balinês oriundo de uma ponte desativada) remete aos telhados utilizados também em moradias rurais. Aqui, o forro faz contraponto à imensidão branca dos acabamentos aplicados em todo o local. (Francesco Bollis/Francesco Bollis)
4/6 Perpetuando o visual neutro, a área de preparo de alimentos ganhou móveis laqueados de branco e generosa ilha de chapas sintéticas de Silestone – um clássico na Espanha. (Francesco Bollis/Francesco Bollis)
5/6 Repare na varanda da suíte: a mesma pérgola com trechos vazados da área social. (Francesco Bollis/Francesco Bollis)
6/6 No trecho onde o pé-direito é duplo, o arquiteto trabalhou com nichos de iluminação zenital (no teto, maximiza a entrada de luz natural). Vale reparar: as luminárias permanecem ocultas (embutidas) em praticamente todos os ambientes. (Francesco Bollis/Francesco Bollis)