Crônica: a vida de um cadeirante à procura de banheiros inclusivos
Sobre sua cadeira de rodas, ele segue à procura de uma casa que o receba de banheiros abertos
“Brunão, vamos tomar uma cerveja?” Meu tímpano detecta convites como esse quase a cada 24 horas. Não, não sou amigo do Zeca Pagodinho nem faço o tipo pop, daqueles que venceriam eleição para síndico. Apenas me relaciono com apreciadores do bem viver, gente em busca de diversão após a exaustiva jornada numa cidade como São Paulo. Boa razão para aceitar os chamados com frequência, certo?
Seria mesmo, mas, para quem pilota cadeira de rodas, beber num bar, restaurante ou na casa daquele(a) camarada sumido(a) desde o ginásio vira missão quixotesca. Ingerir uma breja, meu caro, significa urinar loucamente. Isto você sabe: álcool é diurético, e até aquela cachacinha pode nos mandar ao mictório mais vezes do que o Woody Allen interpretou neuróticos no cinema. Assim, na falta de um acesso largo, que comporte a cadeira, o jeito é se arrastar no chão e escalar o vaso – veja que bacana – ou improvisar o alívio numa garrafa. Puro jeitinho brasileiro, exercício de cidadania em ano de eleição.
Concordo, estou meio ranzinza. Lá se vão cerca de 15 anos arquitetando cada saída, apurando previamente se haverá WCs adequados no local do passeio. Levei um tiro de um policial militar em janeiro de 2000, aos 17 anos, numa estação de metrô paulistana. Abri processo contra o governo do estado, que ainda não me indenizou. Desde então, até a escolha de minhas residências passa pelo banheiro. Ou melhor, não passa: somente os apês e casas antigos costumam ser mais amigáveis ao deficiente. Logo, resta alargar o vão e inverter a abertura da porta para fora.
Dito isso, indago: caros arquitetos deste Brasil varonil, por que raios a entrada do sanitário sempre impede o ir e vir do cadeirante? Seria norma da ABNT? Decreto de Pedro Álvares Cabral? “Ah, a medida-padrão é 80 cm para a porta comum e 60 cm para a do banheiro”, cansei de ouvir. Só se for padrão de exclusão. Por causa dessa prática recorrente, o pior para quem se locomove sentado não é o fato de não andar, e sim encontrar um batente apertado no meio do caminho, pois, no meio do caminho, tinha um batente, sempre tem um batente – fui morar nas Minas Gerais de Carlos Drummond de Andrade e esbarrei em batentes estreitos em todos os meus quatro endereços. Voltei à minha terra natal, mas ainda não juntei grana para fazer a adequação do novo doce lar. Enquanto não começo a obra, mentalizo ser assíduo praticante de rapel. Acredite, é divertido. Assim como será o dia em que, finalmente, darei início à reforma