Continua após publicidade

Jayanti Kirpalani: A sustentabilidade começa nos relacionamentos

A líder indiana está no Brasil para participar do encontro Rio + 20 e falou com exclusividade à revista BONS FLUIDOS

Por Reportagem Lucila Vigneron
Atualizado em 20 dez 2016, 21h18 - Publicado em 14 jun 2012, 18h26
entrevista-indiana-01

Como a maioria dos jovens, aos dezoito anos a indiana Jayanti Kirpalani tinha muitas dúvidas sobre que caminhos tomar em sua vida. Ainda criança, ela se mudou com a família da Índia para a Inglaterra, e os modos de vida do oriente e do ocidente acabaram sendo fontes de conflito em sua adolescência. Até que seu pai lhe aconselhou a mergulhar em suas raízes, e durante uma visita à sua cidade natal, ela conversou com uma professora da instituição Brahma Kumaris. Foi ali que tudo mudou. “Ela me disse que nossas mentes não conseguem nos guiar adequadamente com tantas influências externas. E, que para conseguir limpar minha mente, eu deveria começar a meditar. Assim que a meditação entrou em minha vida, em apenas seis semanas eu já sabia o que queria”, conta Jayanti, que desde então integra a instituição. Hoje, ela é diretora européia da Brahma Kumaris e sua principal representante na Organização das Nações Unidas em Genebra. Ela participou dos encontros preparatórios para a ECO 1992, e apoiou a criação da Carta da Terra. Agora, ela está no Brasil para participar da RIO + 20, onde fará uma palestra com o tema “O Futuro que queremos: alinhando consciência e ações”. Para ela, o descaso com a natureza está intimamente ligado a todas crises que o mundo está vivenciando hoje, e uma relação sustentável com meio ambiente só será possível quando aprendermos a cuidar de nós mesmos e dos outros. “Em nossas relações, sempre pensamos  no que vamos ganhar. A partir do momento em que começarmos a doar, conseguiremos uma vida de paz e equilíbrio com todos os seres e com a Terra”, conta.  Conheça mais um pouco do pensamento dessa líder espiritual na entrevista abaixo, concedida com exclusividade para o site da revista Bons Fluidos.

entrevista-indiana-02

 

A senhora fará uma série de palestras no Brasil cujo tema é “O Futuro que queremos”. Que futuro nos aguarda?

 

Eu vejo um futuro em que os humanos viverão por seus valores: verdade, amor, paz, alegria. Pois são esses  valores o que verdadeiramente dividimos com os outros. Mas isso não é apenas uma sensação: a Brahma Kumaris ajudou a conduzir um projeto internacional, chamado Projeto Mensageiro da Paz, da Organização das Nações Unidas, em 129 países. Perguntamos às pessoas qual era a visão delas para um mundo melhor. Todas disseram que queriam um mundo de valores.  Por isso, acredito que este é o momento para uma mudança de consciência interna, de forma que a espiritualidade se torne novamente a fundação da nossa vida, uma vez que os valores citados só podem se desenvolver através da espiritualidade.

A senhora diz que a falta de espiritualidade está no âmago das principais causas das crises que estamos vivenciando. Por que?

Continua após a publicidade

 

As relações estão em decadência no mundo todo. Isso acontece porque já não passamos mais tempo juntos com outras pessoas, cuidamos pouco dos outros e não temos mais compaixão. Com os valores como amor e compreensão em baixa, as famílias entram em colapso. Já as crises financeiras se devem muito à desonestidade e à ganância. Ou seja, uma crise de valores também é responsável por nossos problemas econômicos. Quanto à crise ambiental, trata-se do excesso de materialismo e ganância. O consumismo leva as pessoas a quererem mais e mais, o que leva à exploração dos recursos da Terra e à agressão e violência contra todas as formas de vida. E toda essa falta de valores está ligada à ausência de espiritualidade.

Mas há muitas pessoas religiosas, no Brasil e no mundo, e no entanto, os problemas da sociedade continuam crescendo. O que há de errado?

 

As pessoas não estão separando um tempo para nutrir seu ser espiritual. Então, podem até estar fazendo rituais religiosos, mas não estão se olhando bem a fundo, não estão se conectando com sua identidade espiritual. Elas ainda ficam muito conectadas com sua identidade física, que é uma identidade material. Por causa dessa desconexão com seus seres interiores, estão perdendo seus valores aí acontece a injustiça e o desequilíbrio.

Continua após a publicidade

A senhora disse acreditar que o atual período de escuridão vivenciado pela humanidade logo vai acabar, que este é um momento decisivo de nossa história. Em sua opinião, houve outros momentos decisivos na história da humanidade, como agora?

 

Sim, quando Nélson Mandela foi libertado da prisão. Duas coisasimportantes aconteceram: tanto o apelo público para sua libertação foi um movimento importante, quanto  a atitude de perdão que ele teve com aqueles que o prenderam. A independência da Índia, que marcou o fim do colonialismo foi também um momento decisivo, e teve em Gandhi seu principal responsável, pois ele realmente mobilizou muita gente no espírito de não violência. Isso foi um marco na história moderna, já que vários países da África e outros bem distantes da Índia lutaram por sua independência inspirados por Gandhi. O mapa do mundo mudou. Mas neste momento em que estamos vivendo, não acredito que a mudança venha apenas para alguns países: a mudança será global. Pois o problema do meio ambiente afeta a todos nós. Não é um problema que apenas um país apenas poderá resolver, é impossível. Então, será necessário o envolvimento de todos.

Nestes momentos positivos citados pela senhora,  acredita que a espiritualidade desempenhou um papel crucial?

 

Acredito que sim. Especialmente com Gandhi, pois ele tinha uma relação muito profunda com Deus. Mandela também, pois passou muitos anos preso, e isso lhe deu muito tempo para uma reflexão espiritual bem profunda.

Continua após a publicidade

Em sua opinião, qual é o maior sofrimento que a humanidade está vivenciando hoje?

 

O sofrimento acontece em dois níveis. Num deles, há muita gente sofrendo por não o ter o mínimo para a sobrevivência: alimentos, abrigo, água. Isso é realmente trágico, um mundo que produz tanta riqueza e não é capaz de cuidar de todos os seres humanos. Mas há também muita gente sofrendo por problemas emocionais e nos relacionamentos.Mesmo em lugares onde as pessoas têm comida e conforto de sobra, por exemplo,  as taxas de suicídos continuam aumentando. Além disso, outra grande tragédia do mundo hoje é que as pessoas lutam em nome da religião.

E que lições podemos tirar dos momentos difíceis que estamos vivendo?

 

Eu acredito que a alma é eterna, então nós sobreviveremos a tudo isso. Entretanto, penso que passaremos por traumas significativos antes que um mundo novo comece. Para sobrevivermos, precisamos de uma grande conexão pessoal com Deus de modo que cada um possa lidar com os desafios que estão vindo, com as situações que deveremos tolerar e muitas vezes sermos flexíveis ou mesmo em que precisaremos tomar decisões muito claras. Também haverá situações em que devemos ser muito firmes em nossos princípios. Precisaremos ainda da força do amor, para poder cooperar com os que estão à nossa volta. Então, poderemos sair de uma cultura de competição e conflito e chegar a uma cultura de cooperação. Precisamos aprender e desenvolver essas habilidades não só para enfrentar as dificuldades que estão vindo, mas também para nos ajudar a obter nossa própria estabilidade interna, nossa própria dignidade e verdade.  Essas qualidades serão as bases para a formação de um mundo melhor.

Continua após a publicidade

Na natureza, assim como natureza humana, há luz e há sombra. O que fazer para reforçar a bondade que há em cada um de nós?

 

De minha experiência pessoal , posso dizer que consegui isso graças à minha relação pessoal com Deus, que é feita através da meditação. Pois quando meditamos, focamos nas qualidades de Deus e então você começa a experimentar essas qualidades em sua vida. Quando você está cheio de amor e compaixão, consegue tratar os outros com amor e compaixão. Se conseguirmos, através da meditação, atingir um estado de paz por 10 minutos, por exemplo, essa sensação pode se estender pela próxima hora, ou até por algumas horas. Quanto mais profunda a experiência, maior é o reflexo que terá na vida de cada um. Quando temos consciência de nossa identidade espiritual, descobrimos que há bondade dentro de nós. Eu acredito que o estado original da alma é de bondade e não de negatividade.

A sra. esteve envolvida com os encontros preparatórios para a ECO 92 em Genebra. Apesar de não ter vindo ao encontro no Rio naquela época, já esteve outras vezes no Brasil. A senhora já viu se houve resultados depois daquele encontro? Mudanças foram implementadas?

 

Acho que a maior mudança tem a ver com a aumento de consciência das pessoas, que é bem significativo. Então, apesar de alguns problemas com o meio ambiente terem piorado, eu sinto que a consciência das pessoas a respeito dessas questões está realmente vindo à tona e isso é muito importante. Por isso, encontros como o que aconteceu no Rio em 92 e o de agora são tão importantes. Eles realmente transformam a questão do debate ambiental, que antes era restrito a um pequeno grupo de pessoas, e agora é uma discutido por uma maioria. Na verdade, está ficando até na moda. Todo mundo quer ter produtos “verdes”: sapatos, roupas, tudo!

Continua após a publicidade

Qual a maior contribuição que a humanidade pode dar para termos uma vida mais sustentável?

 

Em primeiro lugar, devemos ser responsáveis por nós mesmos. Precisamos ser capazes de nutrir e sustentar nossas almas e valores. Como fazer isso? Assim como alimentamos nossos corpos com os nutrientes que vêm da comida, devemos buscar a fonte de nutrição da alma, que é Deus. Ao nos conectarmos com nós mesmos, e nos sentirmos satisfeitos e preenchidos, não vamos mais pensar em exigir algo em troca nos nossos relacionamentos. Passamos então a sustentar as relações que temos com outras pessoas. E essa mudança de consciência em relação aos outros vai se estendo para todas as formas de vida. Hoje, os seres humanos pensam apenas no que podem retirar da natureza. Quando os relacionamentos se tornarem sustentáveis, também viveremos uma relação sustentável com o meio ambiente.

Publicidade