Um projeto de implantação de cidades sustentáveis no Brasil
A implantação de cidades sustentáveis no Brasil começa a se tornar realidade com o projeto do economista Sabetai Calderoni.
No Brasil, o planejamento urbano sustentável ainda é pouco disseminado. Mas uma proposta ousada começa a ganhar seus primeiros contornos no Nordeste do país. O projeto Cidades Sustentáveis, do economista Sabetai Calderoni, que já conquistou o apoio do setor privado e do governo federal, cria um modelo de gestão urbana em que o lixo é tratado como material precioso e tem impacto direto na qualidade de vida e na economia das cidades. “Um município de 200 mil habitantes pode gerar R$ 6 milhões/ ano com a venda de produtos obtidos da reciclagem”, afirma. Além disso, a implantação de ecocidades valoriza os imóveis e atrai mais investidores.
BF: O projeto de implantação de cidades sustentáveis apresentado por você é novidade para muitas pessoas. Como está sendo desenvolvido?
SC: A proposta envolve geração de renda e postos de trabalho em um processo de industrialização de resíduos, geração de energia renovável, transporte adequado e acessível, saneamento comunitário e agricultura ecológica. Está dividida em quatro fases: planejamento, implantação das obras, aquisição de equipamentos e gestão da cidade.
BF: Onde a iniciativa já acontece?
SC: No Maranhão, na cidade de Alcântara, estamos em fase final de planejamento e início das obras. Em Sergipe, o projeto está em estágio mais avançado. No município de Divina Pastora, já alcançamos a fase de aquisição de equipamentos para a miniusina de etanol e a central de reciclagem. Em breve, a população menos favorecida será beneficiada com a construção de moradias ecológicas que substituirão as casas insalubres.
BF: Conte um pouco sobre o funcionamento da estrutura na cidade sustentável – a reciclagem, o uso da energia…
SC: Além de saneamento básico, edificações verdes, paisagismo urbano e agricultura, o modelo de gestão das ecocidades é pautado por diferentes fontes de energia (solar, eólica, etanol, elétrica), uso racional da floresta, central de reciclagem, além de olaria, miniusina de etanol, processamento de entulho e espaço multifuncional – que disponibilizará serviços de saúde, nutrição, educação, cultura e lazer. Toda essa estrutura ajuda na geração de empregos.
BF: Por que a central de reciclagem é o elemento principal desse projeto?
SC: Por intermédio dela é possível reduzir custos para o município, pois a maior parte dos resíduos não precisa ser transportada para aterros nem é necessário pagar pela disposição final deles. E o material reciclado pode ser vendido. Já na agricultura, o cultivo deve envolver produtos destinados à alimentação e estimular culturas voltadas à produção de biocombustíveis e de bioenergia, como mandioca e cana-de-açúcar.
BF: De forma geral, a energia gerada do lixo já está em uso no Brasil?
SC: Em alguns aterros sanitários, produz-se gás metano, nocivo ao ambiente, mas que pode gerar eletricidade. Nos municípios pobres, 75% dos resíduos são orgânicos, o que faz da compostagem algo atrativo, já que pode virar fertilizante.
BF: A cidade de São Paulo gera muito entulho de construções. O que poderia ser feito para sanar o problema?
SC: Os entulhos representam um volume de lixo 50% maior do que o domiciliar. Os resíduos podem dar origem a novos materiais de construção de qualidade e baixo custo.
BF: Como é feito o reaproveitamento?
SC: Desenvolvemos um processo de reaproveitamento de entulho que dispensa o uso de cimento. Consiste em misturar o material com baba de cupim, que contém uma enzima que dá liga à mistura e a torna mais resistente. Assim é possível produzir tijolos ecológicos, com os quais se constrói uma casa popular de qualidade.
Quem é Sabetai Calderoni
Sabetai Calderoni é uma das principais referências na pesquisa ambiental. Presidente do Instituto Brasil Ambiente e do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (Ibrades) e consultor da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Banco Mundial, o professor universitário participou da discussão sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que prevê a extinção dos lixões a partir de 2014. Autor de Os Bilhões Perdidos no Lixo (Humanitas Editora), defende o potencial econômico e energético do lixo.