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O projeto de restauro do Instituto de Arquitetos do Brasil

A falta de providências para conservar a sede paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil comprometeu a condição do prédio de 1951, assinado por Rino Levi

Por Por Luisa Cella (Texto) | Fotos Nelson Kon
Atualizado em 20 dez 2016, 22h38 - Publicado em 14 out 2013, 15h46
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Outro dia, uma senhorita me agarrou aqui na porta. Já fui chamado até de velho gostoso por mulheres que frequentam as boates da rua”, conta Paco Jordan. Seu parceiro, o arquiteto Haron Cohen, com quem mantém há mais de 30 anos um escritório na sede paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), emenda outra questão, que muda o clima da conversa de cômico para tragicômico: “Deixamos de trazer alguns clientes aqui porque a vizinhança assusta”, declara, referindo-se à movimentação de boates, prostíbulos e pequenos hotéis que funcionam durante o dia na rua Bento Freitas. Um deles, vizinho de parede do instituto. Apesar da crítica justa à situação dessa área comercial no centro da cidade, o semblante do prédio do IAB-SP também deixou há tempos de passar boa impressão aos transeuntes. O lugar, símbolo da arquitetura moderna, inaugurado em 1951 com assinatura de Rino Levi (1901-1965), está longe da vitalidade de outros tempos – épocas áureas em que funcionava como influente polo cultural e político, reunindo intelectuais de vanguarda de todo o mundo.

Hoje, a fachada exibe caixilhos de ferro enferrujados, paredes pichadas, beirais descascados. E a parte da calçada localizada na rua General Jardim está interditada por tapumes desde 2010. A vedação isola escoras que dão suporte à marquise do primeiro pavimento, estrutura danificada que preocupava os arquitetos. A direção atual declara, confiante, que o projeto de restauro – muito discutido e defendido por gestões anteriores – deve finalmente sair do papel e estima o início das obras para setembro. No cargo de presidente do instituto desde 2012, o arquiteto José Armênio de Brito Cruz enxerga a reforma como o símbolo de um novo começo para a entidade, que teve reduzida sua influência cultural, política e social. “A luta é principalmente para restabelecer o papel da arquitetura na sociedade”, revela Armênio, sócio do renomado escritório Piratininga Arquitetos e Associados. Avaliado em quase R$ 9 milhões, o projeto de restauro foi aprovado pela Lei Rouanet em 2011, mas as negociações para captar o montante com empresas interessadas seguem em aberto. Foi lançada uma campanha no site do IAB-SP para arrecadar doações a partir de R$ 25 a fim de ajudar na obra. O esforço visa a resgatar a imponência do espaço de importância histórica para a articulação da classe. Traçado em 1947 por Rino Levi, Abelardo de Souza, Galiano Ciampaglia, Miguel Forte, Hélio Duarte, Jacob Ruchti, Roberto Cerqueira César e Zenon Lotufo, o prédio de oito andares foi pensado como um local para a discussão de questões urbanas e de como os arquitetos deviam atuar para chegar a uma cidade mais democrática. Nasceu como a representação de um novo pensamento, graças aos esforços dos partidários dos ideais modernistas.

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Quando o prédio foi desenhado, não havia na região nem sequer o icônico edifício Copan ou o Terraço Itália, e ainda estavam para sair do papel outras obras modernistas emblemáticas da cidade, como o Parque do Ibirapuera e o Masp. A construção se deu graças a uma “vaquinha” organizada por personalidades influentes que apoiavam a iniciativa, entre elas Oscar Niemeyer e João Batista Vilanova Artigas. Depois de pronto, o edifício passou a funcionar parte como um espaço aberto à sociedade, onde aconteciam as atividades do IAB-SP, e parte de maneira privada, já que os pisos superiores do prédio receberam escritórios de arquitetos. A distribuição segue assim até hoje. Além dos autores do projeto, outros mestres modernistas mantiveram seus estúdios ali, como Vilanova Artigas, que trabalhou na sede desde a fundação, em 1951, até o ano da sua morte, em 1985. “Construíram o IAB-SP baseados nas ideias da arquitetura moderna, numa época em que a produção brasileira atraía olhares do mundo todo. Conseguiram ainda o feito de erguer a cidade mais moderna do mundo”, revela Armênio sobre o plano de Brasília. Mas a vitalidade do prédio começou a esmaecer com a chegada da ditadura. O golpe de 64 trouxe a censura e integrantes do instituto foram caçados. Um dos ativistas a perder o direito de exercer a profissão foi o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, que continua trabalhando no edifício até hoje. Especialmente durante o período de falta de liberdade, os membros do IAB mantiveram o papel de liderança política. Segundo Armênio, o corpo do líder guerrilheiro Carlos Marighella foi velado dentro do IAB-SP porque nenhuma outra entidade aceitou recebê-lo. Com a abertura política, veio a crise econômica e o instituto sofreu com uma sucessão de presidências desastrosas, que culminaram na desarticulação dos arquitetos e no descaso com a conservação da sede. Não se sabe, por exemplo, quando o mosaico de vidro dos beirais foi retirado e por que não foi reposto. Salas imponentes e elegantes, que antes davam as boas-vindas aos visitantes, estão vazias e, não fosse pela livraria no térreo, o número de pessoas no prédio seria ainda menor.

Segundo a equipe responsável pelo restauro, coordenada pelo arquiteto Sílvio Oksman, a obra quer trazer de volta o valor do prédio, respeitando o tombamento pelos órgãos de patrimônio Condephaat e Conpresp, mas sem deixar de lado intervenções essenciais para adaptá-lo às necessidades contemporâneas. As instalações elétricas e hidráulicas são alguns dos pontos estudados, assim como novas escadas de incêndio. O auditório será reaberto no subsolo, o térreo continuará com a livraria, o primeiro piso voltará a ter o restaurante, e os superiores vão seguir privados. “Esse restauro é como um laboratório, pois põe em pauta decisões de como reformar obras modernas, algo que ainda foi pouco colocado em prática em São Paulo e no Brasil. As construções desse período já começam a exigir reformas devido ao desgaste do tempo, e o IAB-SP deve ganhar um status de referência nesse sentido”, aposta Sílvio Oksman. E, sobre a desarticulação da classe e a força da entidade, o arquiteto confessa: “Acho que é preciso ativar o debate sobre a importância dos arquitetos para a construção das cidades. Fomos colocados num canto, não participamos muito da discussão da arquitetura como cultura, como política”. Voltando ao restauro, apesar de a presidência previr que o início das obras na marquise escorada acontecerá em meados de setembro, também deixa claro que nenhuma parceria com empresas ainda foi concretizada. No site do IAB-SP, a campanha de crowdfunding tinha conseguido arrecadar, até o fechamento desta edição, R$ 4125. Segundo Armênio, a captação de doações pela internet serve especialmente para divulgar a intenção do restauro e busca alcançar instituições interessadas em apoiá-lo.

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