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Casas para download: o que é arquitetura open-source?

Conheça a arquitetura open-source, movimento que se articula mundialmente para democratizar o acesso a bons projetos

Por Por Silvia Gomez
Atualizado em 20 dez 2016, 18h12 - Publicado em 25 Maio 2014, 20h56

Imagine entrar num site, baixar as plantas de certa moradia desenhada por um profissional de ponta e poder construí-la? Essa é a ideia do ainda embrionário conceito de arquitetura open-source, movimento que se articula mundialmente para democratizar o acesso a bons projetos – tema quente para nossa discussão sobre o que é O Melhor da Arquitetura

Foi preciso que Joana Pacheco, nascida em Lisboa, trabalhasse por sete anos em escritórios tradicionais de Portugal e também dos Estados Unidos para se fazer a pergunta um tanto incômoda: como a arquitetura pode ser mais democrática e economicamente viável? “Eu me dei conta das barreiras financeiras de acesso ao design. A oferta com qualidade é pobre. As pessoas não gostam dos tipos de projeto que podem comprar, mas não têm escolha”, a irma Joana, arquiteta que resolveu, então, criar uma empresa para suprir esse nicho, o site Paperhouses, com sede em Nova York. Sua percepção despertou com a crise de 2008, catalisada pela bolha imobiliária americana.

 

“A depressão consolidou meu ponto de vista: as condições da habitação para a classe média não estavam adequadas aos meios atuais.” Mas nem é preciso ir muito longe. Basta olhar ao redor para entender aonde Joana quer chegar. Independentemente do nível dos projetos, o valor das moradias não para de subir nas maiores cidades brasileiras. Entidade ligada à Universidade de São Paulo (USP), a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) elabora um índice mensal, o FipeZap, que acompanha o preço médio do m2 de apartamentos prontos de 16 municípios. Esse indicador cresceu 12,9% se compararmos março deste ano ao mesmo mês de 2013. Segundo a pesquisa, em São Paulo, o m2 chega a R$ 13 863, no bairro da Vila Nova Conceição. No Rio de Janeiro, atinge R$ 22 116, no Leblon. É nesse quadro que começamos a ouvi r a expressão “arquitetura open-source”. “Emprestado do universo digital, o termo está relacionado ao conhecimento aberto, ao creative commons, de licenças livres”, explica Ana Isabel de Sá, arquiteta e pesquisadora de espaço urbano e cultura digital

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Na prática, a principal ideia por trás do conceito é a democratização. “Todo mundo deveria ter direito aos benefícios do bom design. O open-source permite oferecer os recursos para muitos”, afirma Michael Steiner, arquiteto do Architecture for Humanity, organização de ação global. Focada em soluções para áreas carentes, a entidade conta com a rede Open Architecture Network, em que profissionais e empreendedores compartilham, comunicam e administram métodos construtivos.

 

Não é de se estranhar, portanto, que os primeiros sinais do movimento tenham aparecido no âmbito das cidades, questionando as práticas tradicionais de planejamento urbano por meio de aplicativos e sistemas participativos em rede, nos quais a comunidade aponta problemas e se organiza para encontrar soluções. Ana Isabel cita como exemplo o Hybrid Space Lab, escritório alemão interdisciplinar: “Seus integrantes acreditam que esses tipos de plataforma substituirão gradualmente a lógica de design da era industrial, desde quando os criativos projetam para as massas”. Com tal premissa, bolaram o City Kit, espécie de jogo online em que os moradores de Hong Kong simulam virtualmente mudanças para seus bairros. “Apesar de funcionar como celeiro de ideias, algumas propostas sugeridas ali já foram reproduzidas na prática.”

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Seguindo rastros como esse, Joana vislumbrou o Paperhouses, cujos passos iniciais ocorreram em 2012 (o lançamento oficial do site é neste mês). “Queríamos associar qualidade, com talentos do mundo todo, a uma consciência de custo, descentralizando a construção. Por outro lado, pareceu a nós que essa seria uma oportunidade de dar um real sentido ao ideal de arquitetura participativa. Assim, surgiu a noção do open-source – os projetos oferecidos não têm as restrições típicas de direito autoral e, por isso, podem ser utilizados como base para variações pelos usuários, partilhadas no link da comunidade de cada casa”, explica Joana.

 

Mas, afnal, como funciona? Escritórios top como o chileno Panorama, o húngaro sporaarchitects e o da mexicana Tatiana Bilbao foram convidados a elaborar casas de 50 a 200 m2. Exclusivas, são disponibilizadas gratuitamente no endereço online: você acessa o programa, as plantas kesquemáticas e as imagens exteriores, interiores e em 3D. No Brasil, o arquiteto escolhido foi Angelo Bucci, cuja proposta ainda está em etapa preliminar. “A iniciativa merece atenção pelo desafo. Vejo como uma janela para expandir nossos campos de diálogo”, analisa. Parece simples. No entanto, uma questão crucial se coloca, relacionada à adequação do desenho genérico às circunstâncias locais, desde o perfl do lote até os hábitos culturais. “Essa é a grande provação de qualquer proposta sem terreno. Trata-se apenas de uma matriz, que tem de ser adaptada do ponto de vista da estrutura, das instalações e, inclusive, das regras de edifcação do lugar. Para tal, o usuário deve assumir a responsabilidade da obra, contratando um arquiteto ou engenheiro, ou delegá- -la a uma das construtoras sugeridas”, detalha Joana. Ela se refere a uma série de empresas de cada país recrutadas pelo site (por aqui, essa é uma fase ainda em andamento).

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O acordo prevê valores fixos. “Esses preços são sindicalizados, ou seja, tiram partido do número de registros por área. Dessa maneira, o interesse comum de certo grupo de pessoas na cidade de São Paulo, por exemplo, assegura um desconto coletivo por causa da produção em maior escala. Calculamos uma economia total de cerca de 30% em relação a uma obra tradicional.” Talvez aí more seu grande trunfo, uma vez que o valor do projeto em si não pode assumir a culpa pelo alto custo de uma moradia hoje, sobretudo nas metrópoles cujo metro quadrado e mão de obra são de custos exorbitantes. “Sua participação é mínima em relação a todos os itens”, defende Angelo Bucci. E, já que estamos falando de preços, por quanto sairia uma casa do Paperhouses? “No Brasil, até o processo estar concluído, estimo que entre R$ 125 mil e R$ 500 mil, de acordo com o tamanho”, prevê Joana

 

Para o arquiteto participante, além da divulgação midiática, envolver-se nesse modo de trabalho significa responder aos dilemas impostos pela complexa vida nas cidades. No Paperhouses, ele assume o risco de só receber caso seja firmado um contrato de consultoria para a construção. “No entanto, muitos veem aí uma nova forma de fazer arquitetura, que tem não somente virtudes sociais como também representa intelectualmente um desafio”, garante Joana.

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Angelo reforça o viés cultural: “Só faço arquitetura nesse sentido, pois não acho que, individualmente, do ponto de vista comercial, essa proposta vá mudar minha atuação. Por isso, achei importante que o site não disponibilizasse os desenhos executivos, bastante caros para serem produzidos e claramente endereçados a profissionais e fornecedores específicos. Eles seriam um alto investimento nosso que, ao final, teriam pouca capacidade de universalização”.

 

O compromisso social é o principal foco de outro sistema open-source, o pioneiro WikiHouse. Idealizado em 2011 pelos designers ingleses Alastair Parvin e Nick Ierodiaconou, tinha um intento radical: viabilizar um método construtivo barato e compacto, passível de ser executado por qualquer pessoa. Para isso, os dois inventaram um modelo de casa cujo esquema você baixa no site, imprime as peças de madeira numa máquina 3D e monta. Fácil? Nem tanto, mas, desde que o conteúdo entrou no ar, cinco protótipos já apareceram pelo mundo, em países como Nova Zelândia e Estados Unidos. “Se formos sérios aoenfrentar as consequências da rápida urbanização e das mudanças climáticas, precisaremos desenvolver estruturas autônomas sustentáveis e colocá- las para uso comum”, diz Alastair. O site conta com um sócio no Brasil, o pesquisador Jimmy Greer, também inglês. “Achei que seria muito bom utilizar o WikiHouse no Rio de Janeiro como um laboratório dentro das favelas, agregando o conhecimento da comunidade às condições locais”, explica Jimmy, que se juntou ao empreendedor social carioca Anderson França, o Dinho. “Somos voluntários e, apesar de não termos um espaço oficial definido para instalar o escritório ou uma região fechada para atuar, já conseguimos o equipamento. A previsão é de que tudo esteja funcionando dentro de um mês”, promete Jimmy. Se der certo, o modelo “made in Rio” vai virar exemplo e ser partilhado no site. Como manda o open-source.

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