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Três projetos paulistanos pensados para a população carente

Dois dormitórios (com o terceiro reversível), salão de festas, varanda, fácil acesso ao transporte público: essas são as premissas das novas moradias de interesse social

Por Por Lara Muniz
Atualizado em 21 dez 2016, 00h44 - Publicado em 16 set 2013, 21h09
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Antes da entrega das chaves, os futuros moradores dos edifícios erguidos pela prefeitura de São Paulo, sob a chancela do interesse social, visitam o apartamento decorado. As unidades não estão à venda, mas são bem-planejadas e mobiliadas com peças de redes populares, acessíveis ao bolso de quem vai viver ali. O cuidado coloca o sonho de consumo das classes carentes em patamar de igualdade com o das privilegiadas. Nada mais justo. “É possível fazer boa arquitetura no serviço público. Construir uma cidade melhor é um bom investimento porque traz retorno a todos os cidadãos”, defende a arquiteta Elisabete França, diretora do Studio 2E Ideias Urbanas, autoridade no assunto. Além de ter dirigido o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) por quase 20 anos, foi na sua temporada à frente da superintendência de habitação social da Secretaria de Habitação da Prefeitura de São Paulo (Sehab) que surgiram os condomínios mostrados nesta reportagem – bem diferentes dos caixotinhos padronizados que tornaram pejorativa a expressão “habitação popular”.

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Residencial Corruíras

 

Arquitetura em destaque: erguidos num terreno íngreme, os prédios têm entradas à meia altura: do térreo, é possível subir ou descer quatro andares. Ainda assim, há espaço para um futuro elevador. As unidades contam com janelas que correm por fora das paredes (e liberam 100% do vão) e uma pequena varanda.

O que o torna mais humano: fica em região nobre: a apenas sete minutos de caminhada da estação de metrô Jabaquara, com acesso fácil ao transporte público. Uma parte do lote é área verde. Grandes pátios centrais estimulam a convivência entre os vizinhos.

Conjunto habitacional Jardim Edite

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Arquitetura em destaque: recursos como a ventilação cruzada (aberturas em faces opostas da construção, que favorecem a circulação do ar) e a dupla orientação (implantação de modo que as unidades sejam banhadas pelo sol de manhã e à tarde) dão conforto às moradias.

O que o torna mais humano: a mesma rede social que vivia anteriormente no lugar permaneceu ali. Cerca de 70% dos moradores se deslocam a pé para trabalhar nos arredores, o que desafoga o sistema de transporte. Os equipamentos públicos são referência para o bairro.

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Conjunto Habitacional Mata Virgem

 

Arquitetura em destaque: ao concentrar os edifícios no platô do terreno, foi possível reservar a parte com topografia mais acidentada para um parque público. A valorização do beiral protege a construção da farta incidência de sol e chuva.

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O que o torna mais humano: mesmo pequenos – eles têm só 50 m² – os apartamentos contam com dois dormitórios e a possibilidade de um terceiro reversível, que permite outros ajustes familiares. Painéis artísticos dão identidade a cada uma das torres de sete andares.

Uma das razões dessa visível mudança na qualidade dos projetos está no momento propício à reflexão sobre o viver na cidade. “Existe um despertar para a arquitetura. A sua disseminação leva a uma consciência mais ampla de todas as camadas da população. Um inexplicável despertar coletivo”, avalia o arquiteto Héctor Vigliecca, uruguaio radicado no Brasil, conhecido por pensar a habitação de interesse social já na década de 70. Essa inquietação jogou luz sobre aspectos do urbanismo tratados hoje no plano municipal de habitação. Agora, em São Paulo, as atenções estão direcionadas ao Renova SP, programa vigente que estuda soluções para, entre outras coisas, reduzir o déficit habitacional da cidade, contabilizado atualmente em 230 mil domicílios. Um balanço rápido: nos últimos dez anos, foram erguidas 30 mil unidades. A gestão atual da Sehab, no entanto, estipulou metas audaciosas para a entidade e pretende entregar 55 mil moradias nos próximos quatro anos. Entre os beneficiados mais recentes, estão as 240 famílias de mudança da Favela Minas Gerais para o Residencial Corruíras. Como a área ocupada servirá à futura linha Ouro do monotrilho paulistano, era preciso realocar a comunidade. O terreno vizinho, com um desnível de 22 m, virou cenário para os três lotes destinados à construção do complexo. Hoje, dois anos depois do início das obras, existem lá conjuntos habitacionais e uma área verde a ser utilizada pelo público em geral. “Conversando com representantes do grupo, acertamos outros detalhes que trouxeram melhorias, como varanda, caixas de correio individuais, espaços de leitura e salão de festas”, conta o arquiteto Marcos Boldarini, do escritório Boldarini Arquitetura e Urbanismo, responsável pelo projeto.

Iniciativas como essa são possíveis graças à criatividade estimulada por meio de concursos públicos que resultaram num banco de arquitetos selecionados – garantia de projetos de qualidade. Mas isso não basta. “Um projeto de interesse social pede ainda uma conjuntura de gestão pública que permita sua implantação. Se for possível articular outras secretarias, tanto melhor”, aponta a também arquiteta Marta Moreira, do escritório paulistano MMBB, que liderou a construção do Conjunto Habitacional Jardim Edite. O complexo é celebrado por misturar a estrutura residencial com serviços públicos, medida viabilizada pelo apoio das secretarias das áreas de saúde e educação. Ali, a favela que existia junto à Ponte Estaiada se transformou após a verticalização das moradias e a integração de creche, Unidade Básica de Saúde (UBS) e restaurante escola, itens que inserem o conjunto no cotidiano e na economia da região. Os especialistas afirmam que um residencial desse gênero só é viável em determinadas condições: num terreno grande, geralmente oriundo de desapropriação, com muitas unidades, e em lugar com vocação para uso misto. Não necessariamente, porém, custa mais. No Jardim Edite, o gasto médio de R$ 130 mil por apartamento não destoa dos valores de outros residenciais. Além disso, a importância desse uso misto acaba de ser reconhecida pelo governo federal: as novas obras com mais de 500 unidades que utilizarem recursos do programa Minha Casa, Minha Vida receberão uma espécie de bônus, de 6% do custo total do empreendimento, para a instalação de equipamentos para a comunidade.

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A discussão sobre a moradia para a população de baixa renda é complexa e toca, inevitavelmente, na reocupação do Centro. “Para uma cidade como São Paulo, não há um só caminho. Todas as soluções são bem-vindas”, defende o engenheiro José Floriano de Azevedo Marques Neto, atual secretário municipal de habitação. No entanto, é preciso colocar tudo na ponta do lápis. Revitalizar o Centro é caro – entre compra e reforma, cada unidade totaliza R$ 200 mil. Erguer conjuntos novos ainda é mais econômico. Se antes a maior parte do dinheiro vinha do governo estadual (por meio da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, a CDHU) e de aportes municipais, a gestão atual quer usar 80% dos recursos oriundos do governo federal por meio do Minha Casa, Minha Vida. O restante deve se distribuir entre o programa Casa Paulista (do governo estadual) e a prefeitura, que entra com a cessão ou a desapropriação do terreno. Nessa conta, cada unidade custa entre R$ 100 mil e R$ 116 mil, valor que cabe no orçamento do público-alvo: famílias com renda mensal de até R$ 1,6 mil, maior déficit habitacional da cidade. Com os subsídios, as parcelas do financiamento chegam ao morador por algo entre R$ 50 e R$ 100, durante cinco anos. “O modo de encarar a habitação social da gestão anterior foi produtivo porque criou modelos interessantes em todo o município”, avalia Floriano Neto. O intuito da Sehab, segundo o secretário, é manter a qualidade, mas baixar em cerca de 30% os custos. “Para atingirmos a meta de 55 mil unidades em quatro anos, precisamos dos recursos federais. Já criamos um movimento favorável à arquitetura social de qualidade. Agora, é construir a cidade”, resume.

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