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Use a ilusão a seu favor

A ilusão é como um caleidoscópio que cria imagens sucessivas a cada movimento. Aprenda como decifrá-la e use-a a seu favor.

Por Texto: Keila Bis
Atualizado em 21 dez 2016, 00h54 - Publicado em 26 set 2013, 19h56

Existem coisas que nascem com a gente e que podem nos acompanhar até o final de nossas vidas ou, dependendo das escolhas que fazemos, serem abandonadas no decorrer do caminho. É o caso da ilusão, aquela que não se vê e não se toca, mas que existe e, em maior ou menor grandeza, todos já a tiveram ou ainda a têm. “A ilusão é um fenômeno comum a todos porque é uma realidade psíquica, que simplesmente acontece, sem que ninguém a programe”, afirma a psicóloga junguiana Eliane Luconi. “Isso ocorre porque, segundo Jung, ela tem origem no inconsciente coletivo formado por arquétipos, ou seja, modelos e ensinamentos comuns a todos e que se propagam pela humanidade influenciando a nossa forma de pensar, sentir e agir.” Se a ilusão vista como um arquétipo se origina no inconsciente coletivo – algo, portanto, que todos estão sujeitos a ter e que independe da experiência pessoal –, para a psicologia freudiana, ela está relacionada à formação do eu. “Ao longo do primeiro ano de vida, o bebê deixa de se perceber como uma extensão do corpo da mãe e passa a desenvolver a percepção do próprio corpo, da autoimagem”, explica a psicanalista Fani Hisgail. Após esse reconhecimento, naturalmente ele começa a buscar algo mais, ou seja, o caráter humano em si e no outro. “A maneira como o bebê faz isso carrega uma característica ilusória, porque ele se confunde na imagem do semelhante, não percebendo que o outro é apenas o outro, e não ele próprio”, continua. É por isso que, algumas vezes, muitos se iludem quanto a amar alguém, quando, na verdade, estão apenas procurando no outro o que falta neles próprios – a exemplo de alguém muito tímido que procura por um parceiro desinibido. “Ou uma pessoa que diz: ‘Na minha infância e pré-adolescência, eu era muito feia’. Quando você a interroga sobre o motivo desse pensamento, ela responde: ‘Porque a minha amiga, ou a minha irmã, ou a minha vizinha eram muito mais bonitas que eu’ ”, exemplifica Fani. Esse descompasso em se confundir com o outro, criado desde o nascimento, e o constante envolvimento do inconsciente coletivo, unidos às regras da sociedade e à educação que recebemos, criam ilusões de todas as ordens: “Se eu casar, não vou mais me sentir sozinho”; “Com um bom emprego, serei respeitado pela minha família e pela comunidade onde vivo”; ou “Ser magra é sinônimo de beleza”.

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Onde está o problema de se iludir?

O problema não reside no fato de ter ou não ilusão – mesmo porque, como foi visto anteriormente, ela é uma condição psíquica inerente a todos –, mas, sim, no tamanho que ela assume, a ponto de encobrir a realidade, causando sofrimento nos níveis material, afetivo ou psíquico. Pessoas com compulsão alimentar ou de consumo, por exemplo, estão se iludindo ao achar que comer ou adquirir algo vai lhes trazer felicidade. As consequências são sérios problemas de saúde e de endividamento, respectivamente. Segundo a psicóloga Lidia Aratangy, para saber a real medida da própria ilusão, pense em outras situações vivenciadas quando o que se colheu delas foi uma grande frustração. “O tamanho da frustração é um bom indicador do tamanho da ilusão que se está alimentando, em outras palavras, de se criar grandiosas expectativas.” O que é bem diferente de ter pensamentos positivos e esperança. “Eles são totalmente diferentes da ilusão. Ela não cria nada: a sua função é colorir o desejo somente de cores positivas ou apenas de cores negativas. Nada na experiência humana tem somente um lado”, explica. Por outro lado, quem tem consciência de que, para alcançar determinado objetivo, serão necessários disciplina, paciência e outros requisitos usa a seu favor a esperança e o pensamento positivo, que dão uma força a mais para atingir o seu desejo. “Podemos e devemos acreditar num relacionamento com quem se ama, porém, ao mesmo tempo, é necessárioter consciência de que um real investimento de ambas as partes terá de ser feito todos os dias para que esse casamento dê certo. O que é bem diferente dos contos de fadas”, avisa Lidia. O professor de ética da Universidade de São Paulo (USP), Renato Ribeiro, diz que é importante também ouvir os avisos dos amigos e da família, pois, quando se está sob a influência da ilusão, o poder da discriminação é praticamente nulo. “Você está apaixonado, tudo na pessoa é perfeito e você quer casar com ela. Mas tem um grande amigo que diz: ‘Veja bem, ela não é tudo isso que você está pensando, coloque os pés no chão’. Será que não é a hora de pensar: ‘Talvez eu esteja floreando demais essa pessoa?’.” Isso pode evitar muita tristeza e arrependimento, caso a união acabe quando se perceba que, na realidade, a pessoa não era nada daquilo que se pensava.

Como ver através da ilusão

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No entanto, se essa consciência está tão frágil a ponto de ser apoderada completamente pela ilusão (que reside no inconsciente) e, dessa forma, ir contra a razão e a lucidez, é porque algo está faltando a ela. “As ilusões são criadas espontaneamente como o resultado de um trabalho intenso da natureza psíquica, que busca a estabilidade emocional, a saúde e o bem-estar do indivíduo. O inconsciente, como sua parte integrante, cooperativa e criativa, participa dessa lida, gerando símbolos vivos, plenos de significado, que se manifestam por sonhos, fantasias e ilusões”, diz a psicanalista junguiana Eliane. “Então, a questão não é ‘quando a ilusão é prejudicial?’, mas ‘por que a ilusão precisa entrar de forma tão intensa na vida dessa pessoa?’ mensagem quer transmitir?”, a psicóloga explica.

Por isso, é importante ver através da ilusão, entender o que ela quer dizer, sem se fundir a ela. “Uma vida conjugal empobrecida pela convivência e pela rotina maçante ganha um colorido especial com as férias, que renovam os laços de paixão ou o romantismo esquecidos. Certamente, essas imagens não garantem a transformação necessária ao bem viver amoroso, porém vale a pena examinar minuciosamente o fenômeno da ilusão, no caso as férias, para descobrir o que ele quer dizer”, aconselha Eliane.

Para isso ser feito, é claro que, primeiro, é necessário querer desvendar essa ilusão, ou seja, o que está faltando em sua vida, relacionamento, trabalho ou sexualidade que o inconsciente busca compensar com essa determinada ilusão? “O autoconhecimento é muito importante para esse descortinar, para fortalecer a consciência e ter pensamentos mais racionais. Só assim você terá uma vida com bases mais sólidas, pois viver sob as asas da ilusão consiste em ter uma vida muito frágil. Quando isso ocorre, você está sempre terceirizando a sua felicidade, como buscar no outro o que você não consegue ter”, diz Renato.

Quem é você?

Para Meera Nagananda, diretora da Organização Brahma Kumaris na Malásia, adquirir autoconhecimento é também descobrir que a principal causa da ilusão é a ignorância. “Ignorância no sentido de não saber quem você é verdadeiramente, de esquecer de si mesmo – isso é Maya. Acreditamos que somos somente um corpo físico e vemos também o outro dessa forma. Esquecemos que é dentro de nós que mora o nosso verdadeiro eu.”

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Satyaprem, guru de meditação, explica que “quando ignoramos essa essência, vivemos em conflito com os outros, com a vida. A guerra, a fome, todo o sofrimento humano é resultado disso”.

Pela visão budista, a vida é uma ilusão por uma simples razão. “Tudo o que está fora de nós é passageiro, tudo tem um começo e um fim, sejam os prazeres, os sofrimentos, os relacionamentos, sejam as posses, tudo. Mas o que está dentro de nós, não. No entanto, quando olhamos somente para fora, o que criamos? O apego, a aversão, o medo, a inveja, enfim, ilusões”, explica Candida Bastos, instrutora da Fundação Chagdud Gonpa, que pratica os ensinamentos do budismo tibetano.

Talvez tenha sido isso que Mário Quintana percebeu ao escrever o poema Das Ilusões: “Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o. Com ele ia subindo a ladeira da vida. E, no entretanto, após cada ilusão perdida… Que extraordinária sensação de alívio!”

 

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