O que você gostaria de fazer antes de morrer?
Nosso repórter saiu às ruas para descobrir com o que sonham os brasileiros e entrevistou especialistas para entender como transformar sonhos em realidade
Encontrei Maria Adelina dos Santos, 55 anos (na galeria abaixo), em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp). Quem mora na capital paulista talvez já a tenha a encontrado, mas não tenha olhado para ela. Maria Adelina trabalha na avenida Paulista e é uma profissional invisível para muitos que passam: ela é varredeira. Vendo-a, me aproximei e descobri que, por baixo do boné que escondia seu rosto, ela carregava um sorriso tímido, marcas de exposição ao sol a que é submetida e olheiras de quem se levanta cedo. Me apresentei e, sem perder tempo, perguntei: “Maria, o que você quer fazer antes de morrer?” Ela encostou a vassoura no carrinho de lixo e gargalhou. “Moço, é um sonho bobo, mas o que eu queria mesmo antes de morrer era casar de véu e grinalda e, depois de sair da igreja, andar em uma limusine”, respondeume olhando para o horizonte, como se estivesse se vendo na saída da igreja, recém-casada e prestes a entrar na limusine. Eu a olhei imaginando o véu no lugar do boné de varredeira, a grinalda protegendo seu rosto contra os raios de sol, a limusine no local onde estava o carrinho de lixo. Sorri emocionado com a poesia do sonho.
Nas duas semanas anteriores àquele encontro, eu havia me feito a mesma pergunta e ainda não sabia o que queria. Para quem tem 23 anos, como eu, a morte é algo muito distante. Talvez por isso nunca tivesse pensado em um único sonho que gostaria de realizar antes de partir. Pelo contrário, muitas vezes posterguei sonhos acreditando ter outras oportunidades para realizá-los.
O sonho dos americano
O questionamento sobre o que quero fazer antes de morrer apareceu quando encontrei um site de dois americanos que saíram juntos pelo mundo com uma máquina Polaroid fotografando anônimos e pedindo que, no espaço em branco da foto, completassem a frase: Before I die I want to… (Antes de morrer, eu quero…). “Eu sempre fui consciente da morte, desde quando perdi uma tia na infância. Isso me fez pensar em como a vida é passageira e na importância de as pessoas buscarem o que as realiza. O projeto surgiu para impulsionar a reflexão sobre os próprios sonhos”, disse uma das idealizadoras, Nicole Kenney, quando lhe enviei um e-mail, interessado em descobrir os sonhos registrados.
Pelas ruas dos Estados Unidos, Nicole e seu amigo K. S. Rives encontraram quem sonhasse viajar o mundo, abrir o próprio negócio, educar os filhos. Na Índia, fazer compras e estudar eram os sonhos mais comuns. Em um asilo, eles descobriram pacientes querendo apenas não sentir dor na hora da morte. Quando Nicole me contou isso, ficou claro para mim que nossos sonhos são um reflexo do mundo em que vivemos e do que somos como seres humanos. São também uma mistura de projeto e de utopia para nosso futuro.
Com o que sonha o brasileiro?
Descobrir os sonhos dos entrevistados de Nicole e Rives me despertou o interesse de saber o que os brasileiros querem fazer antes de morrer. Com uma máquina digital e um bloco de anotações, saí às ruas de São Paulo e fiz a mesma pergunta a quem encontrei.
Foi nesse dia, uma quinta-feira, que conheci a varredeira Maria, citada no início desta reportagem.
Assim, nas minhas andanças fui conhecendo o sonho das pessoas. A atendente de telemarketing Juliana Pires, 23, quer terminar a faculdade de direito e abrir escritório próprio de advocacia, a atriz Isabella Mariotti, 26, quer crescer na profissão e o ator Ricardo Henrique, 25, deseja rodar o mundo trabalhando com arte. São jovens que querem apenas um lugar ao sol. Já na turma dos 40, o sonho que prevalece está relacionado à família. É o caso da funcionária pública Chantal Cuoro, 42, que sonha com um Brasil melhor para viver e ter filhos. Percebi que um dos sonhos mais vivos de um pai é ver seu filho feliz. Me lembrei de uma frase dita em minha formatura: “Um sonho que se sonha junto é realidade”.
Como transformar sonhos em realidade
Ouvir tantos sonhos e pensar como o futuro seria mais bonito se eles se concretizassem me despertou o desejo de entender como torná-los realidade. “O primeiro passo é transformar o sonho em um plano. Em outras palavras, é preciso colocar o sonho no papel, traçar um caminho viável para alcançá-lo. Se você quiser viajar para Paris, por exemplo, deve planejar quanto a viagem custará e calcular quanto precisa economizar por mês até guardar o dinheiro suficiente”, ensina a psicóloga Lidia Aratangy, de São Paulo. Importante também é não detalharmos muito o desejo. “Muitas vezes, as pessoas detalham tanto um sonho que, quando o realizam, a realidade não dá conta de atender ao que estava na mente do indivíduo e ele se frustra”, completa Lidia.
Como em quase tudo na vida, Lidia mencionou uma palavra fundamental relacionada à realização dos sonhos: equilíbrio. “As pessoas precisam sonhar e lutar para realizá-lo. Porém, quando o alcançam, também carecem desfrutar do que o sonho proporciona. Muita gente realiza um desejo e, quase que imediatamente, já traça outra meta, sem aproveitar o que conquistou. É preciso equilibrar nosso ser desejante com nosso ser desfrutante”, pondera a psicóloga.A pergunta que sustenta esta reportagem me fez pensar também como se sente uma pessoa que chega ao fim da vida sem ter realizado seus sonhos. “Nessa ocasião, aqueles que realmente fazem a diferença não são ter feito uma viagem, ter construído uma casa ou ter comprado um carro. O que geralmente conta é o intangível: é ter declarado seu amor a quem você ama, ter perdoado quem nos machucou, ser perdoado por uma pessoa que fizemos sofrer”, diz a médica geriatra especialista em cuidados paliativos Ana Cláudia Arantes, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Muitas vezes, adiamos sonhos para atender às expectativas de quem está ao nosso redor ou os encaixamos em nossa agenda prometendo realizá-lo “no próximo ano”, “assim que terminarmos a faculdade”, “quando nos mudarmos de emprego”. Inventamos datas e nunca alcançamos o que queremos. “Para que no fim da vida você não se sinta em débito consigo mesmo, é importante que, quando chegar a noite, tenha consciência de que deu seu melhor naquele dia. No final, isso lhe dará a sensação de que fez o que pôde em cada momento. Para não nos arrependermos no leito de morte, precisamos sentir que estivemos presente em cada momento de nossa trajetória, vivendo de acordo com o que pensávamos e sentíamos e lutando pelo que desejávamos”, defende a médica.
Após conversar com Ana Cláudia, percebi que refletir sobre esse tema não foi tão triste quanto parecia inicialmente, pelo contrário: a consciência da finitude despertou em mim um impulso por transformar meus sonhos em realidade. Pensar na brevidade da vida me fez retornar das entrevistas movido por um instinto de urgência ao questionamento inicial: o que eu quero fazer antes de morrer? Respondo à pergunta fazendo um convite: “Mãe, no próximo ano, vamos a Portugal conhecer a cidade onde a Vó Lu, sua mãe, nasceu?.”