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O novo ser sustentável respeita (de verdade) o próximo

Respeitar o meio ambiente não se resume a virar natureba, mas enxergar os outros seres humanos com responsabilidade e deixar esse olhar ecoar pelo mundo.

Por Texto Ronaldo Albanese | Design Larice Peskir
Atualizado em 21 dez 2016, 00h29 - Publicado em 21 dez 2012, 17h43

*Matéria publicada em Bons Fluidos #166 – Janeiro de 2013

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Quando ainda se imaginavam inesgotáveis os recursos do planeta, na metade do século 19, o poeta e naturalista americano Henry Thoreau pregava o retorno à natureza como forma de o homem resgatar a sua humanidade. Guia espiritual da geração hippie, que, nos anos 60, saiu às ruas contra a Guerra do Vietnã, Thoreau antecipou as teorias ambientalistas em vigor nos tempos atuais. Uma reflexão sobre o conceito de liberdade e da própria existência, seu livro Walden, escrito em 1854, serviu de inspiração para esses jovens espalharem seus ideais pacifistas e de cooperação pelo globo, na busca de um relacionamento harmonioso entre os seres humanos e de uma vida simples. Crítico da forte industrialização cada vez mais presente na sociedade americana da época, o poeta chegou a mudar-se para uma floresta onde, com as próprias mãos, construiu sua casa e móveis. Lá vivia só com o essencial. Apesar de toda a influência na mudança de comportamento da civilização moderna, o romantismo de Thoreau e do movimento hippie perdeu lugar numa sociedade onde o individualismo ganhava força – e o ter se sobrepunha ao ser. Tanto o pensador quanto os seguidores do flower power acabaram desacreditados pela sua visão pouco realista do mundo. Agora, infelizmente, descobriu-se que eles tinham certa razão. Nunca em toda a história a questão do meio ambiente se apresentou de maneira tão contundente.

Quais mudanças farão a diferença?

 

E não há outra saída a não ser refletir e se preparar para mudanças. A humanidade se vê novamente diante da urgência de recuperar uma relação equilibrada com a natureza, perdida a partir do renascimento, quando a lógica as sumiu papel fundamental no desenvolvimento e o homem se lançou numa cruzada para dominar o mundo. Sem critérios e sem nenhuma preocupação com o futuro, passou a extrair recursos naturais desordenadamente para aumentar a produção e satisfazer o consumo desenfreado. O resultado é desalentador. Efeito estufa, aquecimento global, fome na África, escassez de água e colapso das cidades não deixam dúvidas. Diante desse cenário assustador, pensadores de áreas multidisciplinares do mundo inteiro têm se debruçado sobre o tema a fim de achar uma saída. A discussão é polêmica e as opiniões divergentes. Numa coisa, porém, muitos estudiosos concordam. É o homem, não a natureza, que deve estar no centro das atenções quando o assunto é o planeta. Apesar dos matizes cinzentos do cenário, ser sustentável hoje não é nenhuma missão impossível. Você não precisa virar um ecochato de carteirinha nem desfiar um rosário xiita de boas intenções e menos ainda sair por aí com um carimbo de certo e errado. Lembra-se dos velhos hippies e de seus princípios de paz e amor? A ideia é justamente essa, não entrar em guerra com o resto da humanidade, mas buscar o equilíbrio com bom senso. “Temos de descomplicar a vida”, ensina Mario Mantovani, diretor de políticas públicas da fundação SOS Mata Atlântica, que luta pela conservação do bioma. “Tudo começa por aí.” Na prática, isso significa um retorno à simplicidade, como já dizia Thoreau. No século 21, porém, o sentido não é mais se enfiar numa casinha no meio do mato, mas abrir mão dos excessos sem perder conforto. “Não é preciso, por exemplo, ser macrobiótico nem ter uma dieta só de orgânicos”, resume Mario.

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“É necessário antes de tudo olhar para o outro, ser tolerante, aceitar as diferenças culturais e fazer essa atitude ter ressonância. Só então seu comportamento terá valor e fará a diferença”, conclui Mario. O futuro é agora, e nessa nova ordem contrastes são bem-vindos! Por isso, não esqueça – nada de patrulhas ideológicas. Ao respeitar o próximo, pequenos cuidados do cotidiano, como não jogar lixo na rua, rios e praias, tornam-se naturais. Simples assim! A verdade é que ninguém mais pode estufar o peito e se vangloriar de pequenas práticas. Apagar a luz, economizar água e aderir à coleta seletiva de lixo tem o seu valor, é claro, mas são obrigações que já deveriam ter sido incorporadas no dia a dia de qualquer um. Além do cuidado com o outro, o mais importante para Mantovani, sobretudo, é a ideia de um consumo inteligente, sem desperdícios. Se você não precisa, por que comprar um carro grande, que consome combustível em excesso? E se você já tem um, por que não compartilhar o veículo com vizinhos, amigos e colegas? Esse tipo de atitude resume um estilo de vida esperto, antenado com os novos tempos.

Como atingir o equilíbrio

 

No entanto, a mudança não vem do dia para a noite. “Requer quebra de paradigmas”, avalia a filósofa e psicóloga Beatriz Machado, especialista em educação. “Somente uma mudança radical pode restabelecer o equilíbrio essencial para sermos sustentáveis, pois não pode haver harmonia enquanto houver fome no mundo.” A saída, na opinião de Beatriz, está na educação. Apenas a preparação das novas gerações pode salvar a vida no planeta. Afinal, só discurso não resolve, é essencial reconfigurar o cérebro e dar forma a outro jeito de pensar. O modelo mental antagonista, típico da era moderna, onde o branco se contrapõe ao preto, sem nuances, deveria ceder lugar a um modo mais contemporâneo e abrangente, afinado com a lógica de rede na qual estamos todos conectados e que pressupõe visão não estigmatizada da realidade. Dentro dessa orientação, não existe uma verdade absoluta ou realidade imutável nem rótulos se sustentam. Tudo está em constante transformação. Se vingar, a era dos “pré-conceitos” cairá por terra e o homem poderá, enfim, livrar-se da apatia com o outro e, por tabela, com o meio ambiente. “Ser sustentável é ser capaz de ver e aceitar a multiplicidade”, sinaliza a filósofa. “É a compreensão de que o mundo está interconectado.

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”Resultado: num universo genuinamente ecofriendly, vingariam as relações mais harmoniosas e, quando as pessoas estão interligadas e em paz, o planeta agradece. Esse equilíbrio, acredita a filósofa, teria poder para tirar de cena o consumo exagerado, a exploração sem controle dos recursos naturais, a destruição da natureza. Utopia? Talvez. Porém, diante do risco de sermos riscados do mapa, esse manifesto pela vida mostra- se um alento. “O planeta só tem salvação se a humanidade tiver salvação.” Embora consistente e até ameaçadora, a tese de Beatriz, e de vários outros pensadores, como o francês Edgard Morin, sociólogo famoso pela defesa do pensamento integral, sugere a transformação também com base no autoconhecimento. Se descobrirem que podem funcionar de outro jeito, as pessoas podem de fato tornar-se sustentáveis. É o caso da estilista britânica Stella McCartney, famosa por levantar a bandeira de defesa dos animais. Filha do músico Paul McCartney, ela não come carne, usa carro híbrido, aproveita energia eólica em sua loja em Londres e adota a filosofia ecofriendly em tudo o que produz, de lingerie a sapatos, roupas e linha de beleza. Suas peças cultuadas no universo fashion empregam apenas itens amigáveis ao meio ambiente. Pele de animais ou tintas químicas, jamais! Ela é a prova concreta de que dá para militar pela causa sem perder a graça e materializa com charme a ideia de que sustentável não é a maneira de fazer, mas sim a maneira de ser. “O ser sustentável do século 21 diz respeito a um ideal de vida a ser vivenciado agora e no futuro”, enfatiza Marina Silva.

Estamos em crise? Como o poder político e as empresas lidam com isso?

Para a ex-ministra do Meio Ambiente, o tema deve ser olhado em sete dimensões: ambiental, política, econômica, social, cultural, ética e estética. Juntos, esses pilares apontam caminhos para a sociedade. E todos passam pela nossa capacidade de transformar os recursos naturais, os bens e serviços produzidos por nós em qualidade de vida para todos os seres humanos, sem comprometer os recursos e a vida dos que ainda irão nascer. Uma espécie de enfant terrible na defesa do verde, Marina chama a atenção para a importância de desacelerar a destruição já. Na sua visão, estamos no meio de uma crise civilizatória e a urgência em achar uma resposta por todos, ao mesmo tempo, é crucial. Em seu blog, a militante cita a frase emblemática que ouviu do ativista Daniel Cohn-Bendit, ex-líder estudantil da revolta de maio de 68, na França: “Em nossa juventude, lutamos pela liberdade pensando que, com ela, faríamos o futuro que queríamos; hoje a juventude precisa usar essa liberdade na luta para ter algum futuro”. A pergunta é: vai encarar a batalha por um senso de comunidade, por um espírito de solidariedade capaz de transformar o mundo? Segundo os budistas, a mudança de ano é um período propício para refletir sobre o tema. “Somos a teia da vida, um organismo dentro de outro organismo, estamos interligados a tudo o que existe”, lembra a monja Coen, líder espiritual da Comunidade Zendo Brasil. “Para cuidar de mim, preciso cuidar do meu entorno, de tudo o que me cerca e me dá condições de sobrevivência.” A religiosa fala da necessidade de arrumarmos a mente em primeiro lugar para depois cuidarmos de nossos pensamentos e atitudes, com poder de influenciar essa grande teia da vida.

Na linha de frente do setor produtivo, muitas empresas já entraram de cabeça nessa luta. Afinal, a produção é intrínseca à natureza do homem, mas mudar as regras do jogo traz vantagens a todos. A Natura e a Boticário, ambas do setor de beleza e cuidados pessoais, há tempos são conhecidas por suas ações sustentáveis. Outras gigantes, como a Ambev, a maior fabricante de cerveja do mundo, também mostram uma luz no fim do túnel. “A sustentabilidade é o principal pilar de nossas ações e está em nossa agenda há duas décadas”, diz Milton Seligman, diretor de relações corporativas da Ambev, referência em preservações ambientais. “Todas as fábricas utilizam um Sistema de Gestão Ambiental e, com ele, acompanhamos de forma estruturada os índices de ecoeficiência no processo produtivo.” A política engajada da companhia tem rendido bons frutos para o planeta. Entre 2010 e 2011, o volume de água economizado pela empresa seria suficiente para abastecer 580 mil pessoas num só mês. Além disso, 98,2% dos resíduos de sua produção são reaproveitados e a unidade voltada para a produção de garrafas é hoje a maior recicladora de vidro da América Latina. Eles estão fazendo a parte a parte deles. E você?

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*Matéria publicada em Bons Fluidos #166 – Janeiro de 2013

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