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Dia de Iemanjá: a história e as oferendas à Rainha do Mar

A fé na Senhora das Águas, Iemanjá, leva milhares de devotos à praia para agradecer ou fazer pedidos. Conheça histórias emocionantes de devoção

Por Texto Inês Pereira | Design Roberta Jordá
Atualizado em 14 dez 2016, 11h53 - Publicado em 24 jan 2013, 18h40

*Matéria publicada em Bons Fluidos #167 – Fevereiro de 2013

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Janaína, Oloxum, Oguntê, Inaiê, Sobá, Dandalunda, Princesa de Aiocá, Mucunã, Maria… Dona Iemanjá tem todos esses nomes, e mais outros. Ela é uma e é muitas. Deusa das Sereias para uns e das Ondinas para outros. Braços sempre abertos, como toda boa mãe, ela recebe os filhos, canta para cuidar deles, alimenta, protege. Inspira poetas e compositores. Dorival Caymmi quis ser o primeiro a saudá-la em sua canção Dois de Fevereiro. Na Baía de Todos os Santos, onde na data acontece a festa mais conhecida em homenagem a ela – numa tradição que começou em 1923, quando um grupo de pescadores resolveu oferecer presentes à Mãe das Águas, pois os peixes estavam escassos no mar –, cada grão de areia é banhado nessa fé! Levantamento da Bahiatursa, empresa vinculada à Secretaria de Turismo do estado, mostra que cerca de 500 mil pessoas participaram da festa em 2012. Gilberto Gil, como ninguém, resumiu há tempos o sentimento que para o baiano não costuma falhar: “A Bahia que vive pra dizer como é que se faz pra viver, onde a gente não tem pra comer, mas de fome não morre. Porque na Bahia tem mãe Iemanjá e de outro lado o Senhor do Bonfim, que ajuda o baiano a viver pra cantar, pra sambar pra valer, pra morrer de alegria na festa de rua, no samba de roda, na noite de lua, no canto do mar”.

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Sincretismo religioso

Sincretizada com Nossa Senhora dos Navegantes, na Bahia e no Rio Grande do Sul; da Conceição, em São Paulo; e da Glória, no Rio de Janeiro, a Senhora das Águas gera um sentimento de devoção que se espalha por todo o país. É uma saudação ao mar que banha toda a costa brasileira, além de uma homenagem à poderosa sereia. De acordo com organizações culturais afro-brasileiras, até 70 milhões de pessoas participam regular ou ocasionalmente de festas do candomblé como a de Iemanjá, considerada a mais popular entre todas.

 

A celebração transcende a fronteira das crenças religiosas e é parte da cultura brasileira. Na virada do ano, centenas de milhares de pessoas vão para a beira das praias levar suas oferendas. Em Copacabana, por exemplo, os rituais de homenagens à Rainha do Mar não distinguem a orla da zona sul carioca dos terreiros de candomblé e umbanda pelo país afora. “Ela representa o feminino e a concepção de que toda mulher, no fundo, é mãe – independentemente de ter filho –, pois traz na sua essência o olhar, o sentimento do cuidar. No imaginário dos homens, Iemanjá é a mulher brasileira, bela e forte, e com um jeito especial e único de tocar em frente a vida”, descreve a antropóloga e professora Maria das Graças de Santana Rodrigué, doutora em ciências da religião e especialista em orixás, da Bahia.

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Em iorubá, língua usada em muitos ritos religiosos, ieiê ama ejá significa mãe cujos filhos são peixes. Ela é mítica e mística, segundo Maria das Graças. É a deusa e é o  sobrenatural. Há ainda uma analogia com a mulher, que tem “poderes” sobre a vida uma vez que tem o dom de gerá-la, e ao mesmo tempo manifesta sentimentos complexos. É generosa e calma, mas sabe ser astuta e severa. Da mesma forma que preza os filhos que andam na lei e para eles tudo dá, quando necessário, os leva para o fundo do mar. “Segundo as religiões e as tradições africanas, Iemanjá transmite harmonia com o movimento redondo e ondulatório das águas do mar e do rio. Mesma harmonia que é transmitida pela mulher, por meio do líquido na vida intrauterina”, compara a antropóloga. A psicanalista Danit Zeava Falbel Pondé, de São Paulo, acrescenta: “Grande mãe, ela é a responsável pelo ori, a consciência de todos nós. Isso a torna um orixá importantíssimo. Cada pessoa que se inicia, antes de prestar homenagem ao seu santo designado, a reverencia”.

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Diz a lenda

Uma das histórias do candomblé fala que Oxalá, marido da Senhora das Águas, foi escolhido por Olorum, o deus supremo dos orixás, para ser o grande criador do mundo. Recebeu dele o saco da criação e a ordem de prestar homenagem a Exu, mensageiro entre o mundo dos homens e o dos orixás. Ao faltar com a incumbência, Oxalá acabou se dando mal, e perdeu o saco da criação para o irmão invejoso. Depois de repreendê-lo pelo pouco caso, Olorum lhe deu uma segunda chance e o poder de criar o homem. Iemanjá, vendo a glória do parceiro, ficou enciumada e o atormentou tanto que ele caiu enlouquecido. Ao ver seu amor prostrado, ela se arrependeu e passou a cuidar dele. Com total devoção deu banhos, o alimentou, cantou para trazê-lo de volta à razão. E, por ter cuidado tão bem do amado, Olorum a premiou, incumbindo-a de manter o equilíbrio emocional e mental dos seres humanos.

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Orixá em família

“Na obra de meu pai, Jorge Amado, o casal Manoel e Maria Clara está muito presente. Ele é mestre de saveiros e ela, filha de Iemanjá. Essa presença é expressiva em Mar Morto [romance sobre Guma, que, como todo pescador, acredita que seu destino é um dia morrer no mar. Eu diria que em todos os romances onde a pesca e o Recôncavo se destacam, Iemanjá é personagem de peso. Papai era filho de Oxóssi [orixá caçador, ligado às florestas], mamãe, de Oxum [que representa a água doce, a força dos rios]. Meu irmão, João Jorge, um Xangô sedutor [o senhor dos raios e do fogo]. E eu, filha amantíssima da Senhora das Águas, por ela tão querida, assim como minha filha, Cecília. Capitães da Areia, filme dirigido por ela, começa e termina na festa de 2 de Fevereiro. A fé que move os filhos e a alegria em agradar à mãe contagia a todos. Enquanto minha avó Lalu, mãe de papai, foi viva, a Casa do Rio Vermelho esteve aberta, com baianas fritando acarajés desde as 8 da manhã até o início da madrugada. Era o aniversário da matriarca, ela também uma filha de Iemanjá.” Paloma Amado

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Iemanjá no subconsciente

“Ela mora no mar, ela brinca na areia, no balanço das ondas, a paz ela semeia”…, diz a canção. “O mar representa o inconsciente, muito bem descrito na teoria de Carl Jung. Essa simbologia se refere mais ao inconsciente coletivo. Em termos de compartilhamento de experiência cultural nesse balaio que forma o Brasil, combina muito bem. Mesmo porque, os africanos, primeiros escravos, como não podiam rezar para Iemanjá, rezavam para Nossa Senhora”, lembra a psicanalista Danit Zeava Falbel Pondé, acrescentando que os ritos que fazemos no fim do ano, com rosas brancas e velas, remetem a limpeza, renovação, equilíbrio emocional e força para poder enfrentar os desafios da vida. “O mar purifica e é esse outro importante aspecto de Iemanjá. Ela leva para o mar as coisas ruins e traz as coisas boas com as ondas.” Nascida numa família judaica, Danit se considera hoje uma judia do candomblé: “Por problemas pessoais, fui levada a um terreiro de candomblé. Assim que entrei, me identifiquei. Comecei a frequentá-lo em busca de tratamento, mas acabei me iniciando e hoje carrego Iemanjá na minha vida. Ela é um dos meus santos. Em paralelo, continuo vivendo as tradições judaicas da família, falo hebraico, comemoro as datas. Sou uma religiosa”, conclui. Como defende Reginaldo Prandi, sociólogo e pesquisador da Universidade de São Paulo, a participação das religiões africanas é importante não apenas pelo contingente que abrange como também pelo valor nas artes, na culinária e na sua especial maneira de ver o mundo.

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Ouvir, ler e ver Iemanjá

Cantada em verso e prosa, a Rainha do Mar compôs o cenário de histórias na literatura e no cinema. Para entender um pouco mais do universo africano, berço de Iemanjá e dos orixás do candomblé, mergulhe no roteiro a seguir.

Para ouvir:

Dorival Caymmi cantou a alma baiana para Brasil e o mundo. Algumas belíssimas canções: É Doce Morrer no Mar, O Bem do Mar e Caminhos do Mar. De Vinicius de Moraes: Maria Vai com as Outras, A Bênção, Bahia e Canto de Iemanjá. Na voz de Clara Nunes, Conto de Areia e Guerreira; de Marisa Monte, Lenda das Sereias; de Maria Bethânia, Canto de Oxum, Iemanjá e A Bahia Te Espera; de Gal Costa, É d’Oxum; de Gilberto Gil, Eu Vim da Bahia; de Caetano Veloso, Milagres do Povo.

Para ler:

Mar Morto, Jubiabá e Capitães da Areia, de Jorge Amado; Mitologia dos Orixás, de Reginaldo Prandi; Orixás, de Pierre Verger. A Unesco disponibilizou para download o PDF de História Geral da África, obra importante elaborada sob a perspectiva de pesquisadores africanos.

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Para assistir:

O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte, ganhador da Palma de Ouro em Cannes, é indispensável para entender o sincretismo religioso na Bahia. Atlântico Negro – Na Rota dos Orixás (1998), de Renato Barbieri, é um documentário que mostra as origens africanas da cultura brasileira.

*Matéria publicada em Bons Fluidos #167 – Fevereiro de 2013

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