Conheça o poder da homeopatia natural, dos florais e da fitoterapia
Devido à carência de medicina oficial, o oeste do Pará adota remédios naturais no tratamento das mais diversas doenças.
Nos anos 1990, frei Amarildo andava preocupado. Acompanhar 90 comunidades da região de Monte Alegre, uma pequena cidade de 80 mil habitantes no oeste do Pará, era o seu primeiro e grande desafio como missionário e as questões de saúde (ou melhor, da falta dela) logo lhe chamaram a atenção. “Eu via muita gente doente. Quem não tinha condições financeiras ou a ajuda de algum político para se deslocar para os hospitais de Santarém, Belém ou Manaus ficava conformado em casa esperando a morte chegar. Por outro lado, eu via também uma grande riqueza de remédios naturais que eles tinham”, relembra o frade. Procurando por uma solução, se lembrou da mãe, dona Maria Humbertina Mascarenhas dos Santos, descendente de índios e africanos, que carrega consigo o conhecimento das plantas e ervas medicinais. Pediu que ela partisse de Santarém, onde mora até hoje, de barco, para transmitir o seu saber a um grupo de mulheres da cidade dispostas a reverter a situação. Para chegar até lá, numa viagem de 130 quilômetros, assistiu encantada o encontro das águas do azulado Rio Tapajós com o barrento rei dos rios, o Amazonas – o maior do mundo, com quase 7 mil quilômetros. Já se passaram 20 anos e as mulheres que estiverem naquela primeira aula de dona Humbertina ainda se recordam da lição.“Ela nos pediu para escrever num pequeno caderno os nomes das doenças mais comuns do povo de Monte Alegre. Depois, dizia a qualidade que cada planta tinha para curar cada uma delas”, diz Maria Antônia da Costa, que junto com Maria Cleuci e Maria das Graças começou a olhar de uma outra forma para a infinidade de plantas nativas que cresciam bem ali. Nos quintais e nos arredores das casas estavam, por exemplo, a quina, que trata a malária, o angico, contra gripes, e o barbatimão, indicado para infecções urinárias. Para disseminar o conhecimento aprendido, as três marias, auxiliadas pelo frei Amarildo, passaram a procurar por outras mulheres que também gostariam de aprender sobre os remédios caseiros e, assim, poder ajudar ainda mais a carente população. “Com nosso próprio dinheiro, começamos a fazer pomadas, xaropes e ensinar receitas de chás. A procura aumentou, passamos a atender numa sala da secretaria da igreja e formamos a Pastoral da Saúde. Enquanto isso, fomos nos profissionalizando com cursos de fitoterapia e massoterapia”, conta Maria Cleuci Silva de Oliveira. Hoje, cada uma tem seu espaço de atendimento. “É um trabalho abençoado por Deus. Tem gente que não pode pagar e nós não cobramos. Nem por isso o dinheiro nos falta”, conta Maria das Graças Cunha da Cruz. Sobre o valor dos atendimentos, ela explica: “Os remédios fitoterápicos custam entre 5 e 10 reais, já os homeopáticos e os florais valem 8 reais. Só a massagem é cara. Custa 15 reais”. “Por uma hora?”, pergunto. “Claro que não. Por duas”, responde ela surpresa com a minha indagação.
Multiplicando
Conheci Maria das Graças e todos os personagens desta reportagem há poucos meses, em Emaús, uma chácara de retiro dos padres missionários da Congregação do Verbo Divino a 15 minutos de Santarém. Eles estavam alí para reclicar o conhecimento adquirido nos cursos do projeto social Beth Bruno – motivo da minha viagem ao Pará. O convite chegou pelas mãos de Luciana Chammas, de São Paulo, diretora executiva da Healing Essências Florais, responsável por lançar o projeto em 2010, com o apoio dos padres missionários dessa congregação. “O objetivo é dar mais ferramentas para eles cuidarem da própria saúde e da saúde dos moradores por meio das terapias alternativas”, diz Luciana, que atua, principalmente, na revenda dos florais de Bach. Durante três anos, cerca de 100 pessoas de comunidades indígenas, ribeirinhas e da periferia de Santarém e região receberam formação de homeopatia popular, florais e fitoterapia com profissionais experientes, como Edna Amaral, presidente da Associação Brasileira de Homeopatia Popular, a própria Luciana, também terapeuta de florais, e Marialva Oliveira Costa, freira missionária da Congregação Servas do Espírito Santo e técnica em enfermagem com especialização em parto. “Essa formação de agentes de saúde, com dois encontros anuais, é um trabalho de multiplicação. Eles aprendem aqui, levam o conhecimento para a sua comunidade e ensinam outras pessoas que ensinam mais outras. É um cuidando do outro, tanto da saúde física quanto emocional”, diz Marialva, uma das assessoras do projeto. Segundo Luciene Santos, conselheira municipal de saúde de Santarém, é grave o problema de saúde tanto no município (de cerca de 295 mil habitantes e a aproximadamente 800 quilômetros de Belém) quanto nas vizinhanças que recorrem à cidade grande para se tratar. “Faltam médicos, equipamentos, agilidade nos resultados. Ironicamente, num lugar tão carente como o que vivemos, a consulta particular chega a custar R$ 500”, diz ela. Além de conselheira, Luciene é uma das dirigentes do Grupo Conquista de Ervas Medicinais, o GECEN, uma casa que os moradores do bairro Conquista herdaram dos missionários da Verbo Divino (os verbitas), para o cultivo de plantas medicinais, que são vendidas ou doadas à comunidade e aos agentes de práticas complementares da saúde.
Teia da compaixão
Também em Emaús estava – para a troca de experiências e mudas, que cada um trouxe de casa para cambiar com os colegas – a parteira e agente de saúde Dona Edite, da aldeia Novo Lugar, afastada 280 quilômetros de Santarém. “Desde 2010 temos tratado com homeopatia popular, florais e fitoterapia o nosso povo e o das aldeias que ficam por perto. Tem gente que chega a viajar oito horas de barco para nos procurar. Eu e mais duas mulheres de aldeias próximas a minha fizemos o curso e, graças a Deus, temos ajudado muita gente a se curar de doenças graves, até mesmo de picada de bichos peçonhentos”, explica ela, que somente em 2013 tinha feito mais de 30 partos. Segundo dona Edite, as principais enfermidades que acometem as comunidades indígenas são gripe, diarreia e vômito nos períodos de cheia dos rios, no primeiro semestre do ano, e de seca, no segundo. “Poucas aldeias têm poços artesianos. Precisam consumir a água do rio. O problema é que na cabeceira do rio estão instaladas as madeireiras que o poluem com óleo diesel e produtos químicos usados para lavar os maquinários”, diz o filho de dona Edite, o cacique Odair Borari, que acompanhou a mãe na viagem à Emaús com frei Amarildo – o grande incentivador das três agentes a fazer o curso. Florinda Pinto Barreto, de Oriximiná, a longos 165 quilômetros de barco, diz que os missionários sempre foram grandes companheiros da comunidade. “Eles lutam por nós, querem que tenhamos uma vida digna. Cuidam não somente da nossa vida espiritual mas da nossa integridade como ser humano”, diz. Ela e mais dois agentes de sua cidade foram levados a fazer o curso pelo padre alemão José Gross. Gross, 82 anos, chegou ao Brasil em 1957 e está no Pará desde 1980. Conhecido por suas pesquisas na abundante natureza, chegou a catalogar cerca de 400 frutas diferentes da região, mas já perdeu as contas das ervas. “Escrevo o lugar onde as encontro, as características físicas e por meio do nome popular tento descobrir o científico. Depois procuro em livros o seu valor medicinal”, conta ele. Seu sonho é ter cinco plantas analisadas cientificamente. “Pelos meus estudos, elas podem tratar doenças como câncer, mal de Alzheimer e Parkinson”, diz o padre verbita, que trabalha incessantemente em nome do Pai e da saúde.
O missionário
Diferentemente dos padres que optam por trabalhar em paróquias, os missionários são enviados a lugares que sofrem com guerras, fome e misérias dos mais diversos tipos. “É um trabalho atuante com as comunidades. A fé que queremos que elas tenham é em um Deus que não compactua com as injustiças”, explica o padre paranaense José Boeing, superior regional da Congregração dos Missionários do Verbo Divino na Amazônia. A Verbo Divino – o nome significa a palavra de Deus – é internacional e pertence à Igreja Católica. Presente no Pará desde 1980, conta com 17 padres, de diferentes países, espalhados pelo estado. “Investimos, por exemplo, na formação de lideranças, cooperativas e sindicatos para que essas pessoas tenham seus direitos respeitados”, diz ele. “Uma das nossas grandes conquistas foi lutar junto com as 70 comunidades de uma área de 700 mil hectares para transformá-la em reserva, o que ocorreu em 1998. O nome dela é Resex Tapajós-Arapiuns e tem como atuação o manejo sustentável.”