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Conheça a Fundação Gol de Placa do Raí

Com uma metodologia baseada na integração entre alunos e família, a Fundação Gol de Letra, criada pelos ex-jogadores Raí e Leonardo, se consagra como um dos principais modelos alternativos de ensino.

Por Texto Keila Bis | Design Roberta Jordá | Fotos Jairo Goldflus
Atualizado em 14 dez 2016, 11h43 - Publicado em 26 out 2012, 19h37
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Fernanda Ribeiro é cobradora do ônibus Cemitério do Horto 1016, que faz um dos trajetos pela zona norte de São Paulo. Diz que gosta de seu trabalho, mas quer um futuro diferente para a filha, Uagna Ribeiro, de 16 anos. “Estou feliz porque ela estuda o dia todo. De manhã faz o curso Programa de Educação para o Trabalho, na Fundação Gol de Letra, do Raí, que ensina coisas como falar e se comportar em uma entrevista de trabalho. À tarde ela vai para a escola, está no 8o ano do ensino fundamental.” Lá da frente o motorista grita: “Cara gente boa é esse Raí. Tirou muito moleque da rua, que não estudava e ficava sem fazer nada o dia todo. Quase toda semana ele pega este ônibus, é educado, cumprimenta todo mundo. O pessoal já se acostumou com a presença dele”, conta o simpático Pierre Costa, segundos antes de a lotação estacionar bem em frente à fundação, criada em 1998 por Raí Souza Vieira de Oliveira – atual diretor executivo – e pelo também ex-jogador de futebol Leonardo Araújo – hoje um dos instituidores.

Conheça a história da Fundação Gol de Placa

 

Raí, ídolo da torcida são-paulina, mora na capital paulista desde que se aposentou do futebol, no ano 2000, quando tinha 35 anos. Ele diz que não tem carro há quatro anos e por isso usa o transporte público. “Um dos grandes benefícios, além de me livrar do estresse do trânsito, é o contato com as pessoas, a questão da relação humana é muito importante para mim”, fala. Talvez seja essa relação a chave do sucesso de sua ONG, considerada instituição modelo de educação pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que lhe rendeu uma homenagem, no ano passado, em Londres, com o Laurers, considerado o Oscar do Esporte, na categoria Esporte para o Bem.

 

Além disso, é também resultado de um sonho que ele acalentava desde a época em que jogava para o Paris Saint Germain, na França. “Minha filha e a da empregada frequentavam a mesma escola, ou seja, tinham acesso à educação de mesma qualidade”, relembra. “Essa outra realidade me ajudou a fortalecer a ideia de me dedicar a projetos sociais quando voltasse ao Brasil. Sonhava com um grande centro educativo, com oportunidades de formação.” Assim é a Gol de Letra, que atende crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social no contraturno escolar.

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Ocupa o espaço de uma escola pública, na Vila Albertina, periferia de São Paulo, desativada devido ao alto índice de criminalidade na região. Hoje o clima é outro. E quem chega não encontra a porta fechada. “É que a comunidade pode usufruir a biblioteca e o quadro com avisos de vagas de trabalho logo na entrada”, explica a auxiliar de biblioteca Silvana Abreu.

 

O mote norteador da metodologia implementada lá e no Caju, na cidade do Rio de Janeiro, um dos bairros com menor Índice de Desenvolvimento Humano do estado, onde a Fundação também atua, tem o nome de educação integral. “Nosso trabalho, que atende mais de 1 300 educandos nas duas unidades, de 7 a 30 anos, é unir a proteção educacional e social ao mesmo tempo, ou seja, focamos nos jovens, mas promovendo a participação das famílias e o fortalecimento das comunidades”, explica Patricia Liberali, coordenadora pedagógica do Virando o Jogo, um dos programas da ONG – que tem 80 funcionários, 20 estagiários e 100 voluntários nas duas cidades.

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O sucesso da metodologia chamou a atenção da Secretaria da Educação de São Paulo. “Estamos pensando em desenvolver uma parceria com a Fundação e implementar o projeto nas escolas públicas. É muito eficaz, pois dá voz às crianças e aos jovens, tornando-os verdadeiros cidadãos”, elogia Sonia Jorge, diretora do Centro de Ensino Fundamental dos Anos Iniciais da Secretaria. Outra boa notícia tem a ver com a disseminação da prática esportiva. “Nosso programa de monitores esportivos serviu de modelo para a escola Paula Souza, que o adaptou e está criando um centro de formação de monitores”, fala Raí. A coordenadora de Projetos do Centro Paula Souza, do governo estadual, Elaine Piccino, diz que esse é o primeiro curso técnico em esporte no Brasil, a ter início em 2013. “Nos inspiramos no programa da Fundação para dar oportunidade a jovens de se formarem em técnico em esportes e atividades físicas, o que equivale, por exemplo, na área da saúde, a um curso de técnico de enfermagem”, explica.

 

Com o diploma, esse técnico terá tarefas como organizar campeonatos para incentivar a comunidade a usar os espaços públicos esportivos. Na ONG, para cada educador existe um monitor, ou seja, os educandos passam por um treinamento para atuar como uma espécie de assistente do professor durante as aulas. “Além de ser uma excelente experiência para o monitor, ele se torna referência para as próprias crianças, que veem nele um bom exemplo a ser seguido”, explica Sóstenes Brasileiro de Oliveira, diretor-geral da ONG e um dos irmãos de Raí.

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Por meio de diversas atividades, como música, artes plásticas, dança, teatro, informática e esporte, pretende-se ampliar o repertório cultural e educacional. Esqueça concursos de redações ou coisas do gênero, a proposta é outra: ampliar o repertório cultural e educacional sem prejudicar a autoestima. O sistema de avaliação, por exemplo, em uma aula de leitura, enaltece o crescimento de um jovem que não lia nada mas agora consegue ler um parágrafo. “Na aula de música, não queremos formar musicistas, mas queremos que eles conheçam sons diversos”, explica Patrícia.

 

Já a participação com as famílias acontece por meio das agentes sociais, mulheres da comunidade que recebem capacitação e fazem o contato com as famílias e com as assistentes sociais. “Criamos um vínculo com a família, sabemos como vivem, os problemas que enfrentam e procuramos ajudar de diversas formas, seja encaminhando para o serviço de saúde, seja orientando com oportunidades de trabalho”,  explica a assistente social Ivanise Helena Lopes, de 45 anos.

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Em 2006, as agentes identificaram 13 casos de gravidez precoce e começaram a agir com oficinas de sexualidade e disponibilizando preservativos nos banheiros. Conclusão: um único caso de gravidez em 2011. Para a cientista social Andréa Wuo, doutora em Educação e pesquisadora em Educação e Direitos Humanos, a metodologia da Gol de Letra entende que a criança não é um ente isolado, mas um ser que se constrói com a família, a escola e a comunidade.

 

“O fruto desse processo educacional vai além do acúmulo de conhecimento, mas forma jovens conscientes e capazes de transformar sua realidade pessoal, social, cultural de acordo com os princípios de direitos humanos”, diz a cientista social Andréa Wuo.

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A Fundação tem também um programa de intercâmbio com a França, que leva os educandos para aquele país enquanto os jovens franceses vêm ao Brasil. “Temos ainda muitas parcerias com empresas no Brasil que absorvem esses jovens”, explica Sóstenes. É o caso da filha de Maria Aparecida Campos, que se encontra no ponto de ônibus em frente à Fundação, que vai ficando apinhado de jovens, pois já passa do meio-dia e é hora de ir para a escola.

 

Ao lado do filho Luís, que passou a manhã toda na Fundação e não se diz cansado para enfrentar mais um turno escolar, ela diz: “Ele está seguindo os mesmos passos da irmã, que estudou na Gol de Letra dos 7 aos 15 anos. Fez cursos, foi monitora e agora trabalha no Novo Hotel”. Assim como ela, outros potenciais humanos são descobertos e trabalhados diariamente. É o resultado da tal relação humana que Raí tanto gosta e valoriza.

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