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Carlos Solano: casa com flor é casa com amor

Carlos Solano coordena a campanha Vamos Plantar Um Milhão de Árvores. Pesquisa a cultura popular, as terapias da casa, a ecologia e o bem-estar

Por Carlos Solano
Atualizado em 22 nov 2022, 11h04 - Publicado em 25 set 2013, 16h16

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Dona Francisca faxineira é “do tempo em que as flores falavam”, ela me disse, brincando. Para ela, as flores só abrem a boca para abençoar. Além disso, acha bom tê-las em casa porque o mal não gosta de flores. Já me convenceu. Mas como entender a fala de cada planta ou flor? “Basta acertar a rima… As flores sabem escolher bem a palavra”, ela me ensinou. “Acácia diz ‘audácia’ [é flor vistosa, transmite autoconfiança]; laranjeira fala ‘faceira’ [o aroma alegra os sentidos]; margarida se mostra ‘incontida’ [espalha fácil, é espontânea]; amor-perfeito sorri ‘satisfeito’ [tem forma de coração feliz]; menta diz ‘reorienta!’ [o aroma clareia a mente]…” Faz sentido.

Francisca está “apertada de costura” preparando a casa para a primavera e eu resolvi ajudá-la: depois da faxina, borrifamos pela sala uma infusão de cravos-da-índia (bactericida que espanta o negativo) e queimamos folhas de louro (estimulante). “Isso traz uma inspiração que Deus vai!”, ela disse no modo bem mineiro de enfatizar que a inspiração é forte. Vamos de prosa, comadre, tem um jeito mais fácil de entender a fala da flor? “Só olhar o feitio, gente! A buganvília parece um casulo? Então fala ‘te protejo’. O copode-leite é como um cálice? Diz ‘seja aberto a receber’. O beijo-de-frade lembra um cata-vento? Ordena ‘pra frente!’ As flores da hortênsia nascem bem juntinhas? Cantam em coro ‘bem-querer!’ ” Faz sentido.

Enquanto proseia, Francisca achou de escolher manjericão e flores-docampo para pôr detrás da porta e chamar a alegria da primavera. Nos quartos, jogou dentro das fronhas sementes de erva-doce (desintoxicante) com pétalas de gerânio (antidepressivo) para aliviar as preocupações e atrair sonhos bons. De curioso, perguntei se tem uma flor melhor para a casa. “É a rosa!”, Francisca respondeu sem pestanejar. “Porque já apareceu no coração de Maria. E tem outra flor que eu aprecio por demais. Gente! Eu sempre esqueço o nome dela… Que São José carrega nas imagens… Fala de inocência pura…” Lírio. “É essa!”

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“Nossa flora é a farmácia de Deus, nossa horta é a despensa do Céu”, disse dona Francisca. Eu fiquei matutando e comentei… Tudo o que as plantas falam e fazem é para o bem da vida, não é? Em 2008, um país vizinho do nosso, o Equador, tornou-se o primeiro do mundo a reconhecer o direito que a natureza tem de existir e florescer. Incluiu isso na Constituição, que é o conjunto de leis de uma nação. Por lá, todos podem reivindicar a favor dela e o governo assume protegê-la. “São João disse e São Pedro confirmou: ‘Quem cuidar da natureza vai ter paz e muito amor’ ”, Francisca responde satisfeita.

No fim da tarde, fui caminhar pelo quintal da comadre. Não é que comecei a escutar as flores? “Fé” (íris), “bondade” (jasmim), “paz” (angélica), “luz” (girassol)… Percebi que a voz das flores torna o coração florido também. Desde então, nos momentos difíceis, vou ao jardim ou coloco flores em casa. Com cuidado, elas seguram a minha mão e dizem: “Plante o bem, e o resto vem”. E no meu peito floresce uma nova confiança na vida.

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