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Blog Razões para acreditar inspira internautas

No blog Razões para Acreditar, o publicitário Vicente Carvalho reúne as boas notícias que existem por aí e mostra o que muita gente quer ver, ler e sentir.

Por Texto: Kátia Stringueto | Fotos: Blog Razões para acreditar
Atualizado em 20 dez 2016, 16h33 - Publicado em 26 ago 2013, 20h53
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A foto é singular. Alguns pedaços de papel emendados contornam o vidro lateral da janela entreaberta de um carro. Junto, o bilhete: “Eu não queria que seu carro ficasse molhado. Tenha um bom dia!” O gesto de alguém que passava naquela rua e desconfiou que pudesse chover fez a diferença na vida do motorista. Mais além, no mesmo endereço virtual, outra singela mensagem: “Gostaria de me oferecer para cuidar de seu bebê para que vocês pudessem almoçar fora, mas meu marido disse que eu pareceria alguém querendo roubar a criança. Então, eu comprei o almoço para vocês. Curtam este lindo bebê. Somos pais de adolescentes e sabemos o que o futuro reserva. Aproveitem o máximo que puderem”. Era a carta de um casal se colocando no lugar dos jovens vizinhos. Há ainda o vídeo de uma criança de cerca de 2 anos argumentando com a mãe por que não ia comer o macarrão com polvo: “Tem que cuidar dos animais, e não comer”.

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Esses exemplos – e mais uma infinidade de outros tão sensíveis quanto – foram postados no blog Razões para Acreditar, que já possui 350 mil visitas ao mês. Movimento considerável para os padrões das redes sociais. Por trás de tudo, está um jovem de quase 29 anos, maranhense de Tuntum. “Assim mesmo, como a batida do coração”, ri ele. Ele é Vicente Carvalho, formado em publicidade e com especialização em design industrial no Istituto Europeo di Design (IED) de São Paulo, para onde se mudou em 2008. Vicente também é sócio-diretor de estratégia e novos negócios na agência de gestão de marcas Ócsso. É antenado e, acima de tudo, “um eterno otimista que acredita no lado bom das pessoas […] Aquele que vê sempre o lado cheio do copo”, define. “Sou o caçula de três mulheres, a última tentativa de meus pais terem um filho homem. Por um triz não vim, porque, na terceira gravidez, minha mãe ia ligar as trompas. Por sorte, o médico a incentivou a tentar de novo”, brinca.

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A ideia do blog de notícias felizes surgiu numa madrugada, quando estava inconformado com a quantidade de posts “que não levam a nada” na rede social Facebook e leu o recado de uma amiga. “Ela postou 25 pequenos gestos para restaurar a fé na humanidade, e aquilo me deu um estalo para o universo de coisas legais acontecendo. Foi o início. Um mês depois, coloquei no ar uma história sobre o hábito de deixar um café pago para o próximo freguês – o café pendente – e tive 80 mil compartilhamentos e 5 milhões de page views.”

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O feedback dos visitantes sinaliza interesse. “Recebo mensagens como: ‘Que bom que ainda existem razões para acreditar!’; ‘É o blog que acesso todo dia antes de trabalhar’; ‘Entro aqui para ver notícia boa’. Não tenho a ilusão de que só coisas boas acontecem. Mas, das coisas ruins, todo mundo já fala. Tento, então, catalisar o outro lado”, explica o jovem.

A proposta interessou o departamento de comunicação do Hospital Israelita Albert  instein, de São Paulo, que está discutindo uma eventual parceria com Vicente. “Destaco pequenos gestos que são grandiosos no significado. Um dos que mais gosto é de um cara que estava em um engarrafamento no bairro de Pinheiros [na capital paulista], junto com duas ambulâncias que precisavam passar. Ele conseguiu deixar o carro num canto e agiu como se fosse um agente da CET [Companhia de Engenharia de Tráfego] para que as ambulâncias passassem. Um amigo dele filmou tudo. Ou seja, há gente que não reclama apenas. Faz”, diz. “No Facebook, é tudo muito fácil – reclamar principalmente. Meu objetivo é, além de trazer otimismo, incentivar as pessoas para que saiam do comodismo, do mundo virtual, e venham para o mundo real.” Mas será que elas saem?

Do virtual para o real

O exemplo do blog Razões para Acreditar serve como ilustração para um debate. As redes sociais, quando reúnem boas intenções, abrem terreno para uma discussão que leva à ação? Ou o número de curtidas cai num vazio já ao próximo clique?

“Estamos sedentos de fé – viver uma vida de descrença é triste. A questão é: o que fazemos para mudar essa situação?”, intercede a psicoterapeuta Monika Von Koss, de São Paulo. “Obviamente precisamos trazer a gentileza para a vida nos grandes e pequenos gestos. Mas, assim como um jornal repleto de notícias tristes desanima e pode levar à estagnação, se você só vê um blog feliz sem que isso impacte seu cotidiano, não há mérito.” Pior: as pessoas tendem a compensar a descrença acreditando ingenuamente em tudo que veem.

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Saber dessas atitudes comoventes pode resultar num efeito analgésico para alguns. “Afinal, se tudo está bem – ou se tudo vai acabar bem –, não é preciso nos preocuparmos”, considera o filósofo Élcio Verçosa Filho, da capital paulista. Ele vê na noção de felicidade em que blogs como esse se baseiam uma característica da maneira pós-moderna de ser. “A ideia é que pequenos gestos de gentileza, solidariedade e altruísmo estão espalhados por toda parte e que devemos olhar para eles para seguirmos confiando que a vida em nosso tempo seja uma coisa boa.” Mas atenção: “O otimismo pode bem não ser mais que um disfarce do egoísmo, uma maneira de fugir à tarefa demasiado humana da compaixão. Pois a compaixão começa pelo reconhecimento de que algo vai mal. Ela não existe onde não há dor”, ele provoca. “Combater o mal [que implica reconhecê-lo dentro e fora de nós] pode ser mais eficiente que crer que as coisas não estão tão ruins”, pondera.

Qual é a saída?

Boas e más notícias são um pacote só. Elas fornecem apenas um panorama. Por isso, o grito de indignação, como vimos nas recentes manifestações de rua, é tão fundamental. “Uma fúria ou indignação bem dirigida – o que significa dizer que ela não pode ser geral, ou seja, sem objeto definido – pode ser um caminho para um futuro melhor, no sentido de evitar que fatos e comportamentos notadamente ruins piorem.”

“Em tudo, há de se ter discernimento”, resume Monika Von Koss. “O discernimento me possibilita ver e ouvir o outro e, com base em minha percepção, criar uma compreensão mais inteligente.” Discernimento pressupõe uma reflexão, e não simplesmente uma concordância com o que pensa a maioria. Assim, dar um passo para trás é desejável. Ganhar distanciamento permite enxergar o cenário completo, e não somente parte dele – como acontece quando estamos muito próximos, misturados à situação. Se considerarmos que a internet é uma fronteira digital que reúne 2,5 dos 7 bilhões de habitantes da Terra, que o Brasil é o quinto maior país em número de internautas e que, dos 90 milhões de brasileiros conectados, 90% estão em alguma rede social, fica clara a dimensão dela. Internautas inspirados pelas atitudes de páginas no Facebook podem deixar de ser meros espectadores. Podem se engajar em questões éticas. Alguns colaboram usando uma ferramenta da rede que permite o financiamento coletivo, o crowdfunding. Fazem doações para projetos culturais, para angariar medicamentos para a África ou até para um propósito simples, como a operação de um cãozinho encontrado estropiado na rua, como aconteceu com as amigas da designer paulistana Didi Cunha. “A operação para corrigir a pata quebrada custava 1,5 mil reais. Para ajudar, espalhei o pedido por meio do site Vakinha.com. br. Em dois dias, arrecadamos o suficiente para a cirurgia, e o Dorival sarou”, conta. Microgestos solidários, ao que parece, podem saltar da tela para a vida. Como Vicente e todos nós desejamos.

 

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