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Artistas colorem fachadas de casas em São Paulo

Na cinzenta metrópole, moradores colocam suas fachadas à disposição de artistas que imprimem novos tons na paisagem urbana

Por Por Mayra Navarro (visual) e Nina Rahe (texto) | Fotos Salvador Cordaro
Atualizado em 20 dez 2016, 16h10 - Publicado em 7 ago 2014, 22h34

Março de 2013. Um rapaz com a face coberta escreve “São Paulo” no muro de uma casa da Rua Doutor João Maia, na Aclimação. A caligrafia azul contrasta com a pintura preta, que, aos poucos, ganha variedade de cores e palavras, transformando-se numa sobreposição de letras. A obra, assinada pelo paulistano Sliks – que não divulga nem rosto nem sobrenome –, foi uma das primeiras a integrar o projeto Color+City. O grafiteiro tinha sido convidado pelo idealizador do projeto, Victor Garcia, a participar da iniciativa, que estabelece a ponte entre artistas em busca de muros brancos e moradores à procura de cor: na plataforma, é possível visualizar as paredes disponíveis na cidade e, com um clique, reservá-las antes de se dirigir ao endereço com os sprays a tiracolo. Para dar a largada, Sliks ofereceu tanto o lugar quanto a mão de obra – pintou a própria residência como exemplo. “Por que não a minha se posso escolher?”, pergunta. No espaço onde vivia até o ano passado, trabalhou horas na criação da textura que evocava a metrópole e imprimia a ideia de caos. Hoje, o grafite não está mais lá (foi apagado na devolução do imóvel). Mas sua lembrança ainda representa a vontade, cada vez mais comum entre os paulistanos, de transformar as ruas em galeria a céu aberto.

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Carta branca para criar

Ao colorir a fachada, além de presentear a rua com arte, Cadumen aproximou os vizinhos

O artista plástico e ilustrador Cadu Mendonça sempre gostou de desenhar. Ainda menino, para extravasar sua criatividade sem levar broncas da mãe, transformou em tela a parte interna do tampo de uma mesa: posicionado ali embaixo, como num ateliê, e longe da vista alheia, ocupava-se livremente. Foram anos até que ele, hoje conhecido como Cadumen, trocasse a madeira pelos muros da cidade – o garoto afeito a rabiscar bichos e temas presentes na natureza estudou desenho, trabalhou em agências de publicidade e se redescobriu após passar na seleção do Vivo Call Parade em 2012, quando, ao emprestar seu traço aos orelhões de São Paulo, percebeu a possibilidade de viver apenas de arte. Recentemente, seu nome chegou aos ouvidos do empresário Rodrigo Guimarães por indicação da noiva dele, Fernanda Moraes. Ao convidar Cadumen para grafitar sua fachada, Rodrigo só falou: “Faça o que quiser”. A vontade de colocar mais cor no muro da casa era antiga, mas demorou a se concretizar porque sua primeira mulher não compartilhava da ideia. Ainda que tivesse total liberdade, Cadumen tomou algumas precauções: fez questão de apresentar um esboço e bateu na porta de todos os moradores próximos. É a forma de ele otimizar o tempo, evitando que algum desavisado chame a polícia. De quebra, formou um clima de amizade. Rodrigo, que não conhecia nenhum dos vizinhos, foi apresentado a nove – dois deles já seguiram seus passos e encomendaram trabalhos para as respectivas residências.

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Menos tédio no trânsito

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Motoristas diminuem a velocidade quando passam diante de pintura em escritório

Quando Mara Liz Fer Rent Ini viu pronta a obra de Popoh (codinome do grafiteiro e videomaker Vinícius Rafael da Silva) no muro do escritório de arquitetura do qual é sócia, o Composto de Arquitetos, ficou com medo de se tornar responsável por algum acidente de trânsito: a pintura é tão impressionante e atrativa que pode desviar a atenção dos motoristas. Os dois se conheceram por indicação de uma amiga – o rapaz também já atuou como restaurador de arte. Antes mesmo de inaugurar a empresa, situada na Rua Estados Unidos, nos Jardins, e cujas portas se abriram há cerca de um mês, Mara se preocupava em encontrar uma solução para dar vida ao revestimento metálico da fachada, um imponente paredão de 5 m de largura e 6 m de altura. Diante do trabalho do grafiteiro, não teve dúvida de que seria a melhor alternativa. Trocaram mensagens, discutiram ideias e chegaram a um acordo sobre o que mais combinaria com o local. No início, Mara queria algo 3D, porém acabou optando por uma caligrafia mais clássica, o wild style – estilo de letras quase ilegível. Por trás da escrita, Popoh acrescentou um skyline, alternando elementos de luz e sombra. “Quando conheci o portfólio dele, sabia que usaria letras, pois integram sua identidade visual. No entanto, também queríamos algo referente à arquitetura, nosso universo”, explica Mara. Para realizar o serviço, o artista convidou o amigo Thiago Monteiro, o Icone K, adepto do wild style há mais de dez anos. “Por enquanto, não houve nenhuma batida, mas todo mundo diminui a velocidade para reparar no desenho”, conta a arquiteta.

 

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Desde o início, entre amigos

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O grafteiro RMI foi convidado pelos antigos sócios para pintar o escritório que fundou

A afinidade com o desenho fez com que Caio Ramires optasse pela arquitetura e, depois, se afastasse dela. Sócio-fundador do escritório Goma, o paulistano se distanciou um pouco dos projetos para dedicar atenção exclusiva à arte – hoje, colabora com a empresa que ajudou a criar com os colegas da Escola da Cidade ainda no terceiro ano de curso, em 2010. Atualmente, nas ruas da Vila Madalena e da Pompeia, é comum cruzar com obras assinadas por RMI, sigla derivada de Ramires. Antes dessa mudança, no entanto, o arquiteto de formação participou de perto das reformas na sede do grupo: foram cerca de três anos para renovar o interior do sobrado, quebrando paredes e construindo o mobiliário dos ambientes. A fachada, originalmente com duas portas de ferro cinza e janelas de um marrom desbotado, foi delegada a segundo plano. “Sempre tivemos vontade de grafitar o exterior, mas acabávamos deixando de lado por causa de outras prioridades. Neste ano, enfim, conseguimos”, diz Vitor Paes, um dos integrantes. RMI – que começou desenhando, sem autorização, em muros da Rua Belmiro Braga até passar a ser requisitado pelos moradores – foi, claro, o eleito pelos amigos do Goma para transformar a esquecida entrada da casa, localizada na Rua Carvalho de Mendonça, no bairro de Santa Cecília. Como era de se esperar, teve total liberdade para inventar o tema: estampou ali um de seus personagens que, segundo ele, costumam carregar a cidade no peito.

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Personagens boêmios

Para o trabalho num bar, Biofa buscou ressaltar elementos da atmosfera do local

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Há mais de três anos, André Vicente, diretor operacional do Bartira, em Perdizes, optou por pintar a fachada do empreendimento. O interior do bar, bastante frequentado pelo público universitário, já reunia elementos artísticos em sua decoração – o banheiro, por exemplo, é repleto de desenhos. Após um ano da inauguração, o empresário resolveu converter o muro cinza em algo que dialogasse com o espaço. Conheceu o trabalho de Biofa, como assina Fabio Teixeira Ribeiro, por um amigo em comum. Expôs suas ideias a respeito da fachada, e o artista ficou responsável por traduzi-las em imagens. A principal preocupação era que o tema estivesse ligado ao universo do qual faria parte, dando a impressão de diversão e boemia. Antes de iniciar o projeto, o profissional, envolvido também com computação gráfica, apresentou a proposta em 3D. No esboço, buscou a conexão entre o tema e a arquitetura local. Ao traçar os personagens com formas geométricas, Biofa ressaltou as cores preexistentes no imóvel a fim de não sobrecarregar o visual. Fugir da linguagem comercial e ressaltar o próprio estilo eram as duas grandes metas do artista. André adorou. “Não havia como não gostar, pois funciona com a proposta daqui: rústica, chique e, ao mesmo tempo, urbana.” A repercussão também não demorou – começou antes mesmo de a pintura ser concluída, motivando paradas entre os transeuntes.

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4 km de arte

O muro que acompanha a via Radial Leste ganhou ilustrações assinadas por 70 artistas e se tornou o maior painel do tipo na América Latina. Em clima de Copa do Mundo, os temas abordam a torcida brasileira, o futebol e a cidade de São Paulo

Desde maio, quem passa pelo muro que separa a linha do trem da Radial Leste – principal acesso à Arena Corinthians (popularmente chamada de Itaquerão) – visualiza, entre uma infinidade de tons, dois personagens jogando bola. As formas retorcidas do desenho identificam o estilo do autor, André Minello. Mais lembrado como Mudo, ele foi um 70 artistas selecionados para interferir naquele que se tornaria o maior corredor de grafite a céu aberto da América Latina, com 4 mil m, na zona leste. A ideia partiu de um concurso da Secretaria Estadual de Turismo e do Comitê Paulista da Copa do Mundo Fifa 2014, cujo edital, divulgado no primeiro semestre deste ano, pedia trabalhos que abordassem o futebol, seus torcedores e a metrópole paulistana. Das duas propostas enviadas, Mudo teve uma aprovada: a obra é, agora, o maior mural já feito pelo jovem, que, desde a adolescência, colore independentemente a cidade. Antes disso, seu grande desafio havia sido um túnel de 4 m de altura. No início, ele pintava São Paulo de forma esporádica. Desde 2010, sua atuação cresceu: hoje, conta sair às ruas quatro vezes por semana. Agora, seus jogadores vestidos de laranja e amarelo fazem breve companhia aos motoristas que circulam na movimentada avenida. “Minha preocupação foi escolher algo que pudesse ser entendido rapidamente, já que se trata de uma via de trânsito veloz. Tentei simplificar o motivo para facilitar a apreensão”, explica o artista, que levou quatro dias para concluir as figuras no espaço reservado a ele, com 50 m de extensão e 1,80 m de altura. O prazo permitido pela iniciativa para que cada profissional cumprisse a tarefa era de 20 dias. Aos traços de Mudo se somam os de outros nomes, como Binho Ribeiro, Skola, Dédo e Biofa. “Foi gratificante pintar ao lado de caras que admiro, como Loucos e Oito ou 80”, diz.

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