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Yoga e meditação amenizam estresse, afirma neurofisiologista

Shirley Telles alardeia a eficácia comprovada dos meios naturais de contornar o estresse. 

Por Texto Raphaela de Campos Mello | Design Larice Peskir
Atualizado em 16 fev 2024, 12h13 - Publicado em 19 fev 2013, 14h52
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Esta mulher de fala branda e olhar plácido é especialista em estresse, ou melhor, em antiestresse. Sabe desarmar a bomba responsável por uma batelada de males cada vez mais infiltrados no dia a dia, tais como diabetes, hipertensão, enxaqueca, gastrite, insônia, asma e doenças autoimunes. Africana nascida em Nairóbi, no Quênia, mas radicada na Índia, Shirley Telles é doutora em neurofisiologia pelo National Institute of Mental Health and Neurosciences, em Bangalore, e diretora de pesquisa do Patanjali Research Foudation, em Harjdwar, ambos na Índia. Referência nos estudos que investigam os efeitos terapêuticos da yoga e da meditação sobre a mente e o corpo, a pesquisadora já aplicou seus conhecimentos em casas de correção infanto-juvenil, moradias de idosos, empresas de tecnologia e também em pacientes esquizofrênicos e sobreviventes de catástrofes naturais. Em todos os casos, observou a prática de asanas e pranayamas (exercícios respiratórios) ajudar as pessoas a lidar com suas aflições e medos. “Mesmo em situações extremas, de emoções à flor da pele, a yoga pode ser útil. Os benefícios mentais e orgânicos são comprovados”, assegura. Ela mesma é uma entusiasta praticante da técnica milenar. Convicta de seus amplos benefícios, afirma que nosso corpo é perfeitamente capaz de produzir a química do relaxamento e que a plasticidade do cérebro, faculdade que nos permite adquirir e consolidar novos e melhores hábitos, aliada à capacidade humana de fazer escolhas conscientes, é nossa grande salvação. Entenda, a seguir, por que somos uma fábrica de bem-estar que só precisa ser corretamente estimulada.

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BF: Quais são as descobertas mais recentes da neurociência sobre os efeitos da yoga no cérebro e no organismo?

ST: Hoje sabemos que por meio da prática da yoga, da meditação e de outras alterações no estilo de vida qualquer um pode desencadear mudanças nos genes, no nível dos cromossomos, o que retarda o processo de envelhecimento.

 

BF: Como essas práticas nos ajudam a gerenciar o estresse e a lidar com as emoções?

ST: De muitas formas. A primeira delas é através da respiração, função que reduz a excitação do sistema fisiológico, ou seja, a atividade do sistema nervoso simpático é reduzida por meio de longas e lentas respirações. A outra é por intermédio do alongamento. Ao realizarmos as posturas da yoga e permanecermos nelas por certo intervalo de tempo, os músculos enviam sinais para o cérebro, que passa a liberar neurotransmissores relacionados ao relaxamento, como as endorfinas, e a reduzir a ação de substâncias como a norepinefrina, associada à ansiedade. Mesmo uma caminhada pode acarretar esses benefícios. Se a pessoa está deprimida, deve tentar se levantar e se mexer, de preferência ao ar livre para assimilar a luz solar. Não podemos esquecer que a yoga também leva a mudanças mentais que se refletem em novas atitudes.

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BF: Os ensinamentos milenares indianos já indicavam essa realidade fisiológica hoje atestada pela ciência?

ST: Não, essas evidências são mencionadas apenas nas publicações atuais do meio científico. A ideia de que a yoga pode auxiliar no combate ao estresse não aparece nos livros antigos, pois esse conceito não vigorava na época. Entretanto, os ensinamentos contidos nesses textos afirmam que a yoga é um processo para reduzir a instabilidade mental e a velocidade interna, trazendo equilíbrio para a vida, de modo que ela não seja nem tão alegre nem tão triste. Algo no meio.

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BF: Com que frequência de prática é possível colher benefícios?

ST: A prática regular três vezes por semana, 45 minutos por dia, ao longo de três meses, é suficiente para desencadear benefícios. Em casos de doenças crônicas, como asma, diabetes, gastrite, hipertensão, depressão, câncer – os danos causados pela quimio e pela radioterapia são menores quando o paciente é praticante de yoga – ou estresse elevado, indica-se maior intensidade, como quatro horas por dia. Contudo, trata-se de um cuidado complementar. Recomendamos a ingestão de medicamentos alopáticos paralelamente à prática da yoga e da meditação.

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BF: Por que nos dias de hoje estamos tão suscetíveis aos efeitos nocivos do estresse?

ST: Hoje em dia, há grande disparidade entre o que somos fisicamente capazes de realizar e o que mentalmente acreditamos que temos de realizar, sobretudo em termos profissionais e financeiros. As pessoas querem melhorar de cargo, de casa, de carro, sempre mais e mais, pois associam essa escalada à felicidade, mas isso tem um preço para a saúde.

 

BF: Quais mudanças no estilo de vida são indicadas para criar um escudo antiestresse?

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ST: A primeira providência é estabelecer uma rotina que se afine com o jeito de cada um. Contudo, todos devem acordar e dormir cedo, bem como se alimentar em horários predeterminados. Tanto a medicina alopática quanto a ayurvédica recomendam uma refeição mais completa pela manhã, mediana no almoço e leve no jantar. A yoga deve ser praticada pela manhã, de preferência ao nascer do Sol, momento em que o ar é mais fresco e acabamos de despertar de uma boa noite de sono. Assim, nos preparamos para atravessar um belo dia.

 

BF: Por que é tão difícil mudar hábitos ruins?

ST: Porque o corpo se acostuma a qualquer coisa. Ele é como uma máquina capaz de aprender o que quer que queiramos ensiná-la. Tudo é uma questão de treinamento e de como usamos nossa força de vontade da melhor maneira possível.

 

BF: Há pessoas que, de tão acostumadas às pressões geradoras de estresse, se quer se percebem abatidas por esse desgaste. Como elas podem refinar a percepção sobre si mesmas?

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ST: Um dos pontos cruciais enfatizados pela yoga é a plena atenção. Seja lá o que você estiver fazendo, esteja consciente. Se você estiver sentado numa cadeira, perceba a maciez do assento, seus pés apoiados no chão, a postura ereta. Da mesma forma, cheque o estado mental. Você está aqui, por inteiro, neste momento ou sua mente se distraiu devido ao barulho do ambiente? Quando comemos em silêncio e concentrados no ato em si, temos mais chances de ingerir apenas o necessário. Esse é apenas um exemplo do quanto temos a ganhar quando estamos despertos.

 

BF: Quem escolhe um estilo de vida apaziguador corre o risco de negar ou suprimir emoções densas?

ST: Todos nós sentimos emoções negativas, como raiva, inveja, ciúme. Somos seres humanos. Mas, se estivermos conscientes no momento em que esses sentimentos emergem, podemos nos perguntar: “Vale a pena eu me aborrecer por causa desta situação?” Muitas vezes, é importante que expressemos nosso descontentamento para que o outro possa repensar sua conduta, mas não há necessidade de o fazermos de forma excessiva e estressante. Eis um aprendizado contínuo para todos nós. É humanamente impossível permanecer 24 horas por dia como santo. Por outro lado, é danoso à mente e ao corpo sempre expressar emoções, boas ou ruins, enfaticamente.

 

BF: Qual é o papel da fé no restabelecimento da saúde?

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ST: A espiritualidade é parte essencial da vida. Há uma vertente da yoga dedicada à devoção chamada bhakti yoga. Nela, você não analisa as coisas, apenas se entrega a um plano superior que está além da racionalidade. Essa perspectiva ajuda a atravessar dificuldades. Vejo pessoas que enfrentaram desastres naturais dizerem que a fé as ajudou a sobreviver e a se recuperar. Artigos científicos examinam a influência da oração e da religiosidade na cura de doenças. Esse entrelaçamento é um processo em andamento. Há muito por ser desvendado. BF: Você é uma pessoa religiosa, embora cientista? ST: Nasci católica na África e fui criada assim, depois passei pela Inglaterra até me estabelecer em Goa, na Índia. Sou religiosa, mas não me aferro a rituais. Não acredito ser preciso frequentar a missa todo domingo para ser uma boa cristã. Se você tem fé e segue os preceitos da sua religião, isso é suficiente. Considero essa postura mais espiritualista do que religiosa.

 

Calmantes naturais

Simples de serem praticados, os exercícios abaixo, indicados pela doutora Shirley, reduzem a aceleração da mente. Vale lembrar que quanto mais lenta, rítmica e profunda for a respiração, melhor. “A proporção ideal é de um tempo para a inspiração e dois para a expiração”, ensina a especialista.

Exercício de respiração

1. Sente-se com a coluna ereta e repouse as duas mãos sobre a barriga. Inspire profundamente e, na expiração, emita o som ahhhh.

2. Aagora, inspire inclinando a cabeça para trás. ao expirar, emita o som ahhhh até encostar o queixo no peito.

3. Por fim, inspire inclinando a cabeça para trás. ao expirar, emita o som ommmm até encostar o queixo no peito. Repita a série três vezes.

 

Exercício de alongamento

1. De pé e com a coluna ereta, eleve os braços inspirando e una-os sobre o topo da cabeça. na volta, expire dizendo ahhhh e recolha os braços ao lado do corpo.

2. Inspire na posição central e expire curvando o tronco para a lateral dizendo uhhhh e volte ao centro na próxima inspiração. Repita para o outro lado.

3. Coloque as duas mãos sobre a lombar com os polegares apoiados na cintura. Inspire curvando as costas para trás e expire projetando o tronco à frente até encostar as mãos no chão enquanto pronuncia ummmm.

4. Deite no chão de lado com a cabeça apoiada num dos braços e gire o outro amplamente fazendo uma rotação de 360 graus nos dois sentidos. Enquanto faz o círculo, emita o som ommmm. Depois, deite do lado oposto e repita a sequência. Faça cada série três vezes.

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